ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
19 de dezembro de 2013 (*)
«Reenvio prejudicial — Direito das sociedades — Segunda Diretiva 77/91/CEE — Responsabilidade de uma sociedade anónima por violação das suas obrigações em matéria de publicidade — Inexatidão das informações contidas num prospeto de subscrição — Alcance da responsabilidade — Regulamentação de um Estado-Membro que prevê a restituição do preço que o adquirente pagou pela compra das ações»
No processo C-174/12,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Handelsgericht Wien (Áustria), por decisão de 26 de março de 2012, entrado no Tribunal de Justiça em 12 de abril de 2012, no processo
Alfred Hirmann
contra
Immofinanz AG,
estando presente:
Aviso Zeta AG,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),
composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J. L. da Cruz Vilaça (relator), G. Arestis, J.-C. Bonichot e A. Arabadjiev, juízes,
advogado-geral: E. Sharpston,
secretário: K. Malacek, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 17 de abril de 2013,
vistas as observações apresentadas:
¾ em representação de A. Hirmann, por S. Ganahl e J. Moyal, Rechtsanwälte,
¾ em representação da Immofinanz AG, por A. Zahradnik e B. Rieder, Rechtsanwälte,
¾ em representação da Aviso Zeta AG, por A. Jank, Rechtsanwalt,
¾ em representação do Governo austríaco, por A. Posch, na qualidade de agente,
¾ em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e D. Tavares, na qualidade de agentes,
¾ em representação da Comissão Europeia, por G. Braun e R. Vasileva, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 12 de setembro de 2013,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação:
¾ dos artigos 12.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.° e 42.° da Segunda Diretiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de dezembro de 1976, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo [48.° CE], no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO 1977, L 26, p. 1; EE 17 F1 p. 44), conforme alterada pela Diretiva 92/101/CEE do Conselho, de 23 de novembro de 1992 (JO L 347, p. 64, a seguir «Segunda Diretiva»);
¾ do artigo 14.° da Diretiva 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado) (JO L 96, p. 16, a seguir «diretiva ‘abuso de mercado’»);
¾ dos artigos 6.° e 25.° da Diretiva 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa ao prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação e que altera a Diretiva 2001/34/CE (JO L 345, p. 64, a seguir «diretiva ‘prospeto’»;
¾ dos artigos 7.°, 17.° e 28.° da Diretiva 2004/109/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2004, relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado e que altera a Diretiva 2001/34/CE (JO L 390, p. 38, a seguir «diretiva ‘transparência’»);
¾ dos artigos 12.° e 13.° da Diretiva 2009/101/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo 48.° [CE], a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO L 258, p. 11).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe A. Hirmann à Immofinanz AG (a seguir «Immofinanz») a respeito de um pedido de anulação de uma operação de aquisição de ações desta última.
Quadro jurídico
Direito da União
3 O quarto considerando da Segunda Diretiva tem a seguinte redação:
«Considerando que devem ser adotadas normas comunitárias para conservar o capital, que constitui uma garantia dos credores, proibindo, nomeadamente, que seja afetada por indevidas distribuições aos acionistas e limitando a possibilidade de a sociedade adquirir ações próprias».
4 Os artigos 12.°, 15.°, 16.°, 18.° a 20.° e 42.° da Segunda Diretiva preveem nomeadamente:
«Artigo 12.°
Sem prejuízo das disposições respeitantes à redução do capital subscrito, os acionistas não podem ser dispensados da obrigação de realizar a sua entrada.
[...]
Artigo 15.°
1. a) Excetuando casos de redução do capital subscrito, nenhuma distribuição pode ser feita aos acionistas sempre que, na data de encerramento do último exercício, o ativo líquido, tal como resulta das contas anuais, for inferior, ou passasse a sê-lo por força de uma tal distribuição, à soma do montante do capital subscrito e das reservas que a lei ou os estatutos não permitem distribuir.
[…]
d) O termo ‘distribuição’, tal como figura nas alíneas a) e c), compreende, nomeadamente, o pagamento de dividendos e de juros correspondentes às ações.
[…]
Artigo 16.°
Qualquer distribuição feita com violação do disposto no artigo 15.° deve ser restituída pelos acionistas que a tiverem recebido, se a sociedade provar que estes acionistas conheciam a irregularidade das distribuições feitas a seu favor ou que, tendo em conta as circunstâncias, a não deviam ignorar.
[...]
Artigo 18.°
1. A sociedade não pode subscrever ações próprias.
[…]
Artigo 19.°
1. Se a legislação de um Estado-Membro permitir que uma sociedade adquira as suas ações próprias, quer por si mesma, quer por uma pessoa que atue em nome próprio mas por conta desta sociedade, deve subordinar tais aquisições, pelo menos, às seguintes condições:
a) A autorização de adquirir deve ser concedida, pela assembleia-geral, que fixará os condicionalismos dessas aquisições, nomeadamente o número máximo de ações a adquirir, o período de tempo, não excedente a dezoito meses, durante o qual a autorização é válida e, no caso de aquisição a título oneroso, os contravalores mínimo e máximo. […];
[…]
Artigo 20.°
1. Os Estados-Membros podem deixar de aplicar o artigo 19.°:
[…]
d) Às ações adquiridas em virtude de uma obrigação legal ou em execução de uma decisão judicial […]
[...]
Artigo 42.°
Para a aplicação da presente diretiva, as legislações dos Estados-Membros garantirão um tratamento igual aos acionistas que se encontrem em condições idênticas.»
5 O artigo 14.°, n.° 1, da diretiva «abuso de mercado» dispõe:
«Sem prejuízo do direito de imporem sanções penais, os Estados-Membros asseguram, nos termos da respetiva legislação nacional, que possam ser tomadas medidas administrativas adequadas ou aplicadas sanções administrativas relativamente às pessoas responsáveis por qualquer incumprimento das disposições aprovadas por força da presente diretiva. Os Estados-Membros asseguram que estas medidas sejam efetivas, proporcionadas e dissuasivas.»
6 Segundo o considerando 10 da diretiva «prospeto», esta tem por objetivo assegurar a proteção dos investidores e a eficácia do mercado.
7 Os artigos 6.° e 25.°, n.° 1, da referida diretiva têm a seguinte redação:
«Artigo 6.°
Responsabilidade inerente ao prospeto
1. Os Estados-Membros devem assegurar que a responsabilidade pela informação prestada num prospeto incumba, pelo menos, ao emitente ou aos seus órgãos de administração, direção ou fiscalização, ao oferente, à pessoa que solicita a admissão à negociação num mercado regulamentado ou ao garante, consoante o caso. O prospeto deve identificar claramente as pessoas responsáveis, com a indicação dos respetivos nomes e funções ou, no caso das pessoas coletivas, das respetivas denominações e sede estatutária, devendo conter declarações efetuadas pelos mesmos que atestem que, tanto quanto é do seu conhecimento, a informação constante do prospeto estão de acordo com os factos e que não existem omissões suscetíveis de alterar o seu alcance.
[…]
Artigo 25.°
Sanções
1. Sem prejuízo do direito de imporem sanções penais ou do regime de responsabilidade civil neles vigente, os Estados-Membros devem assegurar, em conformidade com o seu direito nacional, que possam ser tomadas medidas administrativas adequadas ou impostas sanções administrativas contra as pessoas responsáveis, em caso de incumprimento das disposições aprovadas em execução da presente diretiva. Os Estados-Membros devem assegurar que estas medidas sejam efetivas, proporcionadas e dissuasivas.
[…]»
8 Os artigos 7.°, 17.°, n.° 1, e 28.°, n.° 1, da diretiva «transparência» têm a seguinte redação:
«Artigo 7.°
Responsabilidade
Os Estados-Membros devem assegurar que a responsabilidade pelas informações a elaborar e publicar nos termos dos artigos 4.°, 5.°, 6.° e 16.° incumba, no mínimo, ao emitente ou aos seus órgãos de administração, gestão ou fiscalização e que as respetivas disposições legislativas, regulamentares e administrativas em matéria de responsabilidade sejam aplicáveis aos emitentes, aos órgãos referidos no presente artigo ou às pessoas responsáveis junto dos emitentes.
[...]
Artigo 17.°
Requisitos em matéria de informação para os emitentes cujas ações estejam admitidas à negociação num mercado regulamentado
1. O emitente de ações admitidas à negociação num mercado regulamentado deve assegurar um tratamento igual a todos os titulares de ações que se encontrem em condições idênticas.
[...]
Artigo 28.°
Sanções
1. Sem prejuízo do direito de imporem sanções penais, os Estados-Membros devem assegurar, em conformidade com o respetivo direito nacional, que possam, pelo menos, ser tomadas medidas administrativas adequadas ou impostas sanções civis e/ou administrativas contra as pessoas responsáveis, sempre que as disposições adotadas em conformidade com a presente diretiva não tenham sido cumpridas. Os Estados-Membros devem assegurar que essas medidas sejam efetivas, proporcionadas e dissuasivas.
[...]»
9 Em conformidade com o considerando 10 da Diretiva 2009/101, para garantir a segurança jurídica tanto nas relações entre a sociedade e terceiros, como entre os sócios, é necessário limitar os casos de nulidade, assim como o efeito retractivo da declaração de nulidade, e fixar um prazo curto para a oposição de terceiros a esta declaração.
10 Nos termos do artigo 12.° da referida diretiva:
«A legislação dos Estados-Membros pode regular o regime das invalidades do contrato de sociedade desde que respeite as seguintes regras:
a) A invalidade deve ser reconhecida por decisão judicial;
b) A invalidade apenas pode ser reconhecida com os fundamentos referidos nas subalíneas i) a vi) seguintes:
[…]
Fora destes casos de invalidade, as sociedades não podem ser declaradas nulas, nem ficam sujeitas a qualquer outra causa de inexistência, de nulidade absoluta, de nulidade relativa ou de anulabilidade.»
11 O artigo 13.° da mesma diretiva prevê:
«1. A oponibilidade a terceiros da decisão judicial que reconheça a invalidade é regulada pelo artigo 3.° A oposição de terceiros, quando o direito nacional a preveja, só é admitida durante o prazo de seis meses, a contar da publicação da decisão judicial.
2. A invalidade provoca a liquidação da sociedade, da mesma forma que a dissolução.
3. A invalidade não afeta, por si mesma, a validade das obrigações contraídas pela sociedade ou para com ela, sem prejuízo dos efeitos do estado de liquidação.
4. A legislação dos Estados-Membros pode regular os efeitos da invalidade entre os sócios.
5. Os titulares de quotas ou de ações continuarão obrigados ao pagamento do capital subscrito e não liberado, na medida em que tal for necessário para o cumprimento das obrigações contraídas para com os credores.»
Direito austríaco
12 O § 5 da Lei relativa ao mercado de capitais (Kapitalmarktgesetz), de 6 de dezembro de 1991 (BGBl. 625/1991), prevê:
«(1) Quando uma oferta sujeita a obrigação de prospeto é lançada sem a publicação prévia de um prospeto ou das informações enunciadas no § 6, os investidores que sejam consumidores, na aceção do § 1, n.° 1, ponto 2, da Lei relativa à proteção dos consumidores (Konsumentenschutzgesetz), podem renunciar à sua oferta ou ao contrato.
[…]
(4) O direito de renúncia nos termos do n.° 1 cessa uma semana depois da data de publicação do prospeto ou das informações previstas no § 6.»
13 O § 6, n.° 2, da referida lei dispõe:
«Os investidores que já tinham aceitado adquirir ou subscrever títulos ou investimentos após ter ocorrido ou sido detetada uma circunstância, uma incorreção ou uma imprecisão nos termos do n.° 1, mas antes da publicação do respetivo aditamento, têm o direito de retirar a sua aceitação no prazo de dois dias úteis após a publicação do aditamento. O § 5 é aplicável mutatis mutandis. Em contrapartida, se os investidores forem consumidores na aceção do § 1, n.° 1, ponto 2, da [Lei relativa à proteção dos consumidores], também será aplicável o prazo referido no seu § 5, n.° 4.»
14 O § 11, n.os 1 e 6, da Lei relativa ao mercado de capitais tem a seguinte redação:
«(1) É responsável pelos danos causados ao investidor por ter confiado nas informações do prospeto ou nas outras informações impostas por esta lei federal (§ 6), relevantes para a avaliação dos títulos ou investimentos,
1. o emitente, relativamente às informações incorretas ou incompletas prestadas por culpa imputável ao próprio, ao seu pessoal ou a outras pessoas que tenham colaborado na elaboração do prospeto;
[...]
(6) O montante da responsabilidade civil face a cada investidor, desde que o comportamento prejudicial não seja doloso, é limitado ao preço de aquisição pago, acrescido de despesas e juros a contar da data de pagamento do preço de aquisição. […]»
15 O § 52 da Lei relativa às sociedades anónimas (Aktiengesetz), de 6 de setembro de 1965 (BGBl. I, 98/1965, p. 1089), conforme alterada pela Lei de 22 de setembro de 2005 (BGBl. I, 2005, p. 2802), prevê:
«As entradas não podem ser reembolsadas aos acionistas; enquanto a sociedade existir, os acionistas apenas têm direito ao lucro distribuível decorrente do balanço anual, desde que uma distribuição não esteja excluída por lei ou pelos estatutos. O pagamento do preço de aquisição no caso de aquisição admissível de ações próprias não é considerado reembolso das entradas (§§ 65 e 66).»
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
16 Em 7 de janeiro de 2005, A. Hirmann adquiriu ações da Immofinanz de um montante de 10 013,75 euros. A aquisição, que foi realizada através da Aviso Zeta AG (a seguir «Aviso Zeta»), que é uma sociedade financeira, processou-se no mercado secundário, não tendo resultado de um aumento de capital. O preço de compra foi pago pelo adquirente à Aviso Zeta e as ações em causa foram depositadas na conta de guarda de títulos nessa sociedade em nome de A. Hirmann.
17 No litígio no processo principal, A. Hirmann acusa a Immofinanz de ter adotado medidas ilegais de apoio a cotações desta última. Com efeito, as ações foram adquiridas através de filiais do grupo Avisa Zeta, que controla também a Immofinanz, para efeitos de manipulação do mercado.
18 Por outro lado, A. Hirmann afirma que adquiriu as ações com base no prospeto da Immofinanz relativo ao mercado de capitais da época. Com efeito, nesse prospeto, essa sociedade tinha explicado que a aquisição das suas ações constituía um investimento seguro e sem riscos. No entanto, o referido prospeto continha informações incompletas, falsas ou enganosas. Por esta razão, foram instaurados processos penais contra os antigos membros do conselho de administração da Immofinanz, que ainda se encontram pendentes.
19 Nestas condições, A. Hirmann pediu ao órgão jurisdicional de reenvio a rescisão compensatória do contrato relativo à aquisição das ações. Para esse efeito, concluiu pedindo, em especial, que a Immofinanz fosse condenada no reembolso de um montante correspondente ao preço de compra inicial das ações acrescido de juros contra a restituição destas a essa sociedade.
20 Segundo a Immofinanz, este pedido viola princípios imperativos do direito nacional e do direito da União que regem as sociedades anónimas, nomeadamente quanto à exigência da conservação do capital destas últimas. A responsabilidade dessa sociedade relativamente a A. Hirmann traduzir-se-ia na proteção de um único acionista em detrimento de todos os outros e dos credores desta.
21 Considerando que a decisão do litígio que lhe foi submetido necessita da interpretação do direito da União, o Handelsgericht Wien decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Uma norma nacional que prevê a responsabilidade de uma sociedade anónima na qualidade de emitente perante o adquirente de ações por violação de deveres de informação sobre o mercado de capitais nos termos das seguintes disposições:
¾ artigos 6.° e 25.° da [diretiva ‘prospeto’];
¾ artigos 7.°, 17.° e 28.° da [diretiva ‘transparência’];
¾ artigo 14.° da [diretiva ‘abuso de mercado’];
é compatível com os artigos 12.°, 15.°, 16.°, 19.° e 42.° da [Segunda Diretiva]?
2) Os artigos 12.°, 15.°, 16.° [e,] em particular[,] os artigos 18.°[, 19.° e] 42.° da [Segunda Diretiva] devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma [regulamentação] nacional que obriga uma sociedade anónima, no âmbito da responsabilidade referida [na primeira questão], a pagar ao adquirente o preço de aquisição e a reaver as ações adquiridas?
3) Os artigos 12.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.°, bem como o artigo 42.° da [Segunda Diretiva,] devem ser interpretados no sentido de que essa responsabilidade da sociedade anónima, tal como referida [na primeira questão], também
¾ pode abranger os ativos obrigatórios da sociedade anónima (capital subscrito e reservas na aceção do artigo 15.°, n.° 1, alínea a), da [Segunda Diretiva]) ou
¾ pode existir quando seja suscetível de ter por consequência a insolvência da sociedade anónima?
4) Os artigos 12.° e 13.° da Diretiva 2009/101[…] devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma [regulamentação] nacional que prevê uma anulação retroativa da aquisição de participações, daí resultando que, no caso de uma anulação do contrato de aquisição de ações, se deve assumir a existência de um efeito ex nunc [v. acórdão de 15 de abril de 2010, E. Friz, C-215/08, Colet., p. I-2947]?
5) Os artigos 12.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.° e 42.° da [Segunda Diretiva] e os artigos 12.° e 13.° da Diretiva 2009/101[…] devem ser interpretados no sentido de que a responsabilidade é limitada ao valor, ou à cotação no caso de uma sociedade cotada em [B]olsa, que as ações possuem na data de reivindicação do direito, daí resultando que o acionista pode eventualmente reaver um montante menor que o montante inicialmente pago pelas sua ações?»
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira e segunda questões
22 Com a primeira e segunda questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os artigos 12.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.° e 42.° da Segunda Diretiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que, no âmbito da transposição das diretivas «prospeto», «transparência» e «abuso de mercado», por um lado, prevê a responsabilidade de uma sociedade anónima, na qualidade de emitente, relativamente a um adquirente de ações da mesma sociedade, com base numa violação dos deveres de informação previstos nestas últimas diretivas, e, por outro, impõe, devido a essa responsabilidade, a obrigação de a sociedade em causa reembolsar ao adquirente o montante correspondente ao preço de aquisição das ações e reavê-las.
23 As disposições da Segunda Diretiva às quais se referem as duas questões acima mencionadas têm por objetivo, no essencial, assegurar a conservação do capital social das sociedades anónimas e a igualdade de tratamento dos acionistas.
24 No que respeita ao objetivo da conservação do capital, o segundo considerando da Segunda Diretiva enuncia que, para assegurar uma equivalência mínima da proteção tanto dos acionistas como dos credores destas sociedades, é necessário, sobretudo, coordenar as legislações nacionais respeitantes à sua constituição, bem como à conservação, ao aumento e à redução do seu capital. Quanto ao quarto considerando da mesma diretiva, indica que a mesma visa conservar o capital, que constitui uma garantia dos credores, proibindo, nomeadamente, que seja afetada por indevidas distribuições aos acionistas e limitando a possibilidade de a sociedade adquirir ações próprias. Esta última imposição é justificada, em particular, pela necessidade de assegurar a proteção dos acionistas e dos credores contra comportamentos de mercado que possam reduzir o capital de uma sociedade e aumentar de forma artificial a cotação das ações.
25 Para o efeito, a Segunda Diretiva prevê, no essencial, a obrigação de os acionistas realizarem as suas entradas (artigo 12.°), a proibição para a sociedade de as restituírem (artigo 15.°), a obrigação para os acionistas de restituírem as distribuições efetuadas em violação do artigo 15.° da referida diretiva (artigo 16.°), a proibição para a sociedade de deter as suas próprias ações (artigo 18.°) assim como as condições em que pode ser concedida uma derrogação a esta última proibição (artigo 19.°).
26 Por outro lado, no que se refere ao objetivo da igualdade de tratamento dos acionistas, o artigo 42.° da Segunda Diretiva dispõe que, para a aplicação desta, as legislações dos Estados-Membros garantirão um tratamento igual aos acionistas que se encontrem em condições idênticas.
27 Resulta tanto da redação como da finalidade das disposições mencionadas nos dois números precedentes que estas apenas regulamentam as relações jurídicas estabelecidas entre a sociedade e os seus acionistas que decorrem exclusivamente do contrato de sociedade e abrangem apenas as relações internas da sociedade em causa.
28 Daqui resulta que, como alegam A. Hirmann, os Governos austríaco e português assim como a Comissão Europeia, as disposições em causa da Segunda Diretiva não são suscetíveis de se oporem a uma regulamentação nacional que institui o princípio da responsabilidade de uma sociedade emitente pela divulgação de informações incorretas em violação do direito dos mercados de capitais e que prevê que, por força dessa responsabilidade, essa sociedade é obrigada a reembolsar ao adquirente um montante correspondente ao preço de aquisição das ações e a reavê-las.
29 Com efeito, nesse caso, a responsabilidade da sociedade em causa relativamente aos investidores, que são também acionistas, devido às irregularidades cometidas por essa sociedade antes ou no momento da aquisição de ações desta, não decorre do contrato de sociedade e não abrange apenas as relações internas da referida sociedade. Trata-se, nesse caso, de uma responsabilidade que tem a sua origem no contrato de aquisição de ações.
30 Por outro lado, no que se refere ao princípio segundo o qual os acionistas devem ser tratados de forma igual, enunciado no artigo 42.° da Segunda Diretiva, há que salientar que os acionistas que sofreram danos devido a uma falta cometida pela sociedade antes ou no momento da aquisição de ações desta não estão numa situação idêntica à dos acionistas da mesma sociedade cuja situação jurídica não foi afetada por essa falta.
31 É precisamente essa a razão pela qual o artigo 20.°, n.° 1, alínea d), da Segunda Diretiva permite a uma sociedade adquirir as suas próprias ações em virtude, nomeadamente, de uma obrigação legal. Não se pode considerar que essa aquisição tem por objetivo a redução do capital da sociedade ou o aumento artificial da cotação das suas ações.
32 Nestas condições, um pagamento efetuado por uma sociedade a um acionista devido a irregularidades que cometeu antes ou no momento da aquisição de ações desta não constitui uma distribuição de capital na aceção do artigo 15.° da Segunda Diretiva e, por conseguinte, esse pagamento não deve estar sujeito às condições enunciadas neste artigo.
33 O argumento invocado pela Immofinanz na audiência, segundo o qual o referido artigo da Segunda Diretiva se opõe a uma ação de responsabilidade civil intentada por um investidor contra uma sociedade que o induziu em erro devido à divulgação de informações enganadoras, não pode, pois, ser acolhido.
34 Do mesmo modo, o facto de uma sociedade reaver as ações de um investidor que as tinha comprado com base em informações incorretas, cuja divulgação é imputável a esta sociedade, não é suscetível de ser abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 18.° da Segunda Diretiva. Essa aquisição pela sociedade das suas próprias ações resulta da obrigação legal por força da qual esta sociedade é obrigada a indemnizar o investidor lesado, sendo essa obrigação totalmente alheia à ratio legis deste artigo.
35 Além disso, resulta da decisão de reenvio e, mais especialmente, da redação das questões prejudiciais que a regulamentação nacional em causa no processo principal visa transpor para a ordem jurídica nacional, nomeadamente, os artigos 6.° e 25.° da diretiva «prospeto», 7.°, 17.° e 28.° da diretiva «transparência» e 14.° da diretiva «abuso de mercado».
36 O artigo 6.°, n.° 1, da diretiva «prospeto» prevê, em especial, que os Estados-Membros devem assegurar que a responsabilidade pela informação prestada num prospeto incumba, pelo menos, ao emitente.
37 Por outro lado, o artigo 7.° da diretiva «transparência» dispõe que os Estados-Membros devem assegurar que a responsabilidade pelas informações a elaborar e publicar nos termos dessa diretiva incumba, no mínimo, ao emitente. Segundo o artigo 17.°, n.° 1, dessa diretiva, o referido emitente deve assegurar um tratamento igual a todos os titulares de ações que se encontrem em condições idênticas.
38 Há que constatar que uma regulamentação nacional que prevê a responsabilidade de uma sociedade anónima, na qualidade de emitente de valores mobiliários, relativamente a um investidor em caso de violação dos deveres de informação que se impõem a essa sociedade, preenche as exigências enunciadas nos artigos 6.°, n.° 1, da diretiva «prospeto» e 7.° da diretiva «transparência», sem pôr em causa o princípio da igualdade de tratamento consagrado no artigo 17.°, n.° 1, desta última diretiva.
39 Por outro lado, os artigos 25.°, n.° 1, da diretiva «prospeto», 28.°, n.° 1, da diretiva «transparência» e 14.°, n.° 1, da diretiva «abuso de mercado», redigidos em termos similares, dispõem, nomeadamente, que, sem prejuízo do direito de imporem sanções penais, os Estados-Membros devem assegurar, em conformidade com o seu direito nacional, que possam ser tomadas medidas administrativas adequadas ou impostas sanções administrativas contra as pessoas responsáveis, em caso de incumprimento das disposições aprovadas em execução dessas diretivas, devendo essas medidas ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas.
40 Embora seja verdade que, contrariamente ao artigo 25.°, n.° 1, da diretiva «prospeto», os artigos 28.°, n.° 1, da diretiva «transparência» e 14.°, n.° 1, da diretiva «abuso de mercado» não se referem expressamente aos regimes de responsabilidade civil dos Estados-Membros, não é menos certo que o Tribunal de Justiça já declarou que, no que diz respeito à atribuição de uma indemnização por perdas e danos e a uma eventual possibilidade de conceder indemnizações a título de sanção, na falta de disposições do direito da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro fixar os critérios que permitem determinar a amplitude da reparação, desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efetividade (v., por analogia, acórdãos de 13 de julho de 2006, Manfredi e o., C-295/04 a C-298/04, Colet., p. I-6619, n.° 92, e de 6 de junho de 2013, Donau Chemie e o., C-536/11, n.os 25 a 27).
41 Por conseguinte, resulta do exposto que os Estados-Membros dispõem de uma ampla margem de apreciação quanto à escolha das sanções aplicadas devido à violação pelas sociedades emitentes das obrigações decorrentes das referidas diretivas, sem prejuízo do respeito do direito da União.
42 Daqui resulta também que, quando a responsabilidade de um emitente de ações é acionada, a escolha de uma medida de reparação civil incumbe aos Estados-Membros.
43 No caso em apreço, o regime de responsabilidade civil previsto na regulamentação nacional em causa no processo principal constitui uma reparação adequada para o dano sofrido pelo investidor assim como para a violação do dever de informação desse emitente. Por outro lado, é suscetível de dissuadir os emitentes de induzirem os investidores em erro.
44 O estabelecimento desse regime de responsabilidade insere-se, portanto, no âmbito da margem de apreciação conferida aos Estados-Membros e não é contrário ao direito da União.
45 Por conseguinte, há que responder à primeira e segunda questões que os artigos 12.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.° e 42.° da Segunda Diretiva devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que, no âmbito da transposição das diretivas «prospeto», «transparência» e «abuso de mercado», por um lado, prevê a responsabilidade de uma sociedade anónima, na qualidade de emitente, relativamente a um adquirente de ações da mesma sociedade, com base numa violação dos deveres de informação previstos nestas últimas diretivas, e, por outro, impõe, devido a essa responsabilidade, a obrigação de a sociedade em causa reembolsar ao adquirente o montante correspondente ao preço de aquisição das ações e reavê-las.
Quanto à terceira questão
46 Com a terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os artigos 12.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.° e 42.° da Segunda Diretiva devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que a regulamentação nacional preveja que a obrigação de a sociedade emitente reembolsar ao adquirente o montante correspondente ao preço de aquisição das ações e reavê-las possa abranger os ativos obrigatórios da sociedade (capital subscrito e reservas) e ter como consequência a insolvência desta última.
47 Como salientou a advogada-geral no n.° 84 das suas conclusões, esta questão apresenta um caráter puramente hipotético, uma vez que, no pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio não explicou o motivo pelo qual a resposta à referida questão lhe pode ser útil para a resolução do litígio no processo principal limitando-se a referir, em termos genéricos, o risco de uma potencial insolvência da sociedade emitente.
48 Nestas condições, não há que responder à terceira questão.
Quanto à quarta questão
49 Com a quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 12.° e 13.° da Diretiva 2009/101 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que, em circunstâncias como as do processo principal, prevê a anulação retroativa do contrato de aquisição de ações.
50 O artigo 12.°, primeiro parágrafo, alíneas a) e b), da Diretiva 2009/101 enumera, de forma exaustiva, as regras através das quais a invalidade do contrato de sociedade pode ser reconhecida por decisão judicial. O segundo parágrafo desse artigo dispõe que, fora dos casos de invalidade previstos no primeiro parágrafo, as sociedades não podem ser declaradas nulas, nem ficarem sujeitas a qualquer outra causa de inexistência, de nulidade absoluta, de nulidade relativa ou de anulabilidade.
51 Quanto ao artigo 13.° da referida diretiva, determina, nomeadamente, as consequências do reconhecimento de tal nulidade.
52 Há que recordar que a regulamentação nacional em causa no processo principal institui o princípio da responsabilidade de uma sociedade emitente devido à divulgação de informações incorretas em violação do direito dos mercados de capitais e prevê que, por força desta responsabilidade, essa sociedade é obrigada a reembolsar ao adquirente um montante correspondente ao preço de aquisição das ações e a reavê-las.
53 Essa regulamentação visa, nomeadamente, assegurar que a pessoa lesada seja reposta na situação em que se encontrava antes da ocorrência do ato que lhe causou danos, exigindo, por um lado, a restituição ao adquirente de um montante correspondente ao preço que pagou pela aquisição das ações, acrescido de juros, e, por outro, que estas sejam conservadas no capital social da sociedade em causa, ao mesmo título que as outras ações.
54 Daqui resulta que um regime de responsabilidade aplicável às sociedades devido à violação de determinadas disposições do direito dos mercados de capitais é totalmente alheio aos processos de declaração de nulidade das sociedades, como resultam dos artigos 12.° e 13.° da Diretiva 2009/101.
55 Por conseguinte, uma vez que a anulação retroativa do contrato de aquisição de ações em causa no processo principal não é suscetível de acarretar a nulidade da sociedade, os artigos 12.° e 13.° da Diretiva 2009/101 são irrelevantes para a quarta questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.
56 O órgão jurisdicional de reenvio interroga-se, em especial, acerca da eventual aplicabilidade, no caso em apreço, da jurisprudência resultante do acórdão E. Friz, já referido.
57 Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar-se a respeito da compatibilidade com a Diretiva 85/577/CEE do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, relativa à proteção dos consumidores no caso de contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais (JO L 372, p. 31; EE 15 F6 p. 131), de uma regulamentação nacional que só atribuía efeitos ex nunc à renúncia de um consumidor à sua adesão a um fundo imobiliário constituído sob a forma de uma sociedade de pessoas.
58 Após ter recordado, no n.° 44 do acórdão E. Friz, que a proteção do consumidor garantida pela Diretiva 85/577 não era absoluta, o Tribunal de Justiça declarou, no n.° 50 desse acórdão, que essa diretiva não se opunha a que a resolução do contrato tivesse efeitos ex nunc.
59 A este respeito, há que salientar que os factos que estão na origem do litígio que culminou no acórdão E. Friz, já referido, não eram comparáveis aos do processo principal.
60 Com efeito, no processo que deu origem ao acórdão E. Friz, já referido, a renúncia pelo consumidor ao contrato que tinha assinado para aderir a um fundo imobiliário fundamentava-se não num comportamento culposo do cocontratante, mas apenas no exercício de um direito, conferido a todos os consumidores pelo artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva 85/577, que lhes permite renunciar aos contratos celebrados aquando de uma visita de um comerciante a sua casa.
61 Nestas condições, o Tribunal de Justiça pôde considerar, nos n.os 46 a 48 do acórdão E. Friz, já referido, que a Diretiva 85/577 não se opunha à norma nacional em causa no processo principal desde que esta se destinasse a assegurar, em conformidade com os princípios gerais de direito civil, um equilíbrio satisfatório e uma repartição equitativa dos riscos entre as diferentes partes interessadas. De resto, o Tribunal de Justiça já tinha declarado que resultava tanto da economia geral como da redação de diversas disposições dessa diretiva que a proteção dos consumidores estava sujeita a certos limites (v. acórdão de 10 de abril de 2008, Hamilton, C-412/06, Colet., p. I-2383, n.os 39 e 40).
62 Em contrapartida, no processo principal, é pacífico que a anulação do contrato de aquisição de ações se fundamenta unicamente nas irregularidades cometidas pela sociedade emitente que causaram danos ao adquirente. Neste caso, não se justifica recorrer, enquanto instrumento de apreciação da compatibilidade de uma norma nacional com o direito da União, ao critério do equilíbrio satisfatório e da repartição equitativa dos riscos entre as diferentes partes interessadas, como foi evocado no acórdão E. Friz, já referido.
63 Por conseguinte, há que responder à quarta questão que os artigos 12.° e 13.° da Diretiva 2009/101 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que, em circunstâncias como as do processo principal, prevê a anulação retroativa de um contrato de aquisição de ações.
Quanto à quinta questão
64 Com a quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os artigos 12.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.° e 42.° da Segunda Diretiva, bem como os artigos 12.° e 13.° da Diretiva 2009/101, devem ser interpretados no sentido de que a responsabilidade instituída pela regulamentação nacional em causa no processo principal é limitada ao valor das ações, calculado segundo a cotação destas se a sociedade for cotada em Bolsa, na data de reivindicação do direito.
65 No que se refere, em primeiro lugar, aos artigos 12.° e 13.° da Diretiva 2009/101, basta recordar que, no n.° 54 do presente acórdãos, o Tribunal de Justiça declarou que um regime de responsabilidade aplicável às sociedades devido à violação de determinadas disposições do direito dos mercados de capitais é totalmente alheio aos processos de declaração de nulidade das sociedades.
66 Daqui decorre que os referidos artigos, que se referem apenas à nulidade do contrato de sociedade, não são pertinentes para a apreciação da questão relativa ao alcance da responsabilidade dessas sociedades. A sua interpretação não pode, em qualquer caso, sustentar a tese da Immofinanz segundo a qual, no processo principal, a responsabilidade da sociedade deve necessariamente ser limitada ao valor das suas ações, calculado segundo a sua cotação se for cotada em Bolsa, na data de reivindicação do direito.
67 No que se refere, em segundo lugar, aos artigos 12.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.° e 42.° da Segunda Diretiva, há que salientar que a sua interpretação feita pelo Tribunal de Justiça no âmbito das duas primeiras questões prejudiciais permitiu concluir, no n.° 28 do presente acórdão, que esses artigos não são suscetíveis de se oporem a uma regulamentação nacional que institui o princípio da responsabilidade de uma sociedade emitente devido à divulgação de informações incorretas em violação do direito dos mercados de capitais e que prevê que, por força desta responsabilidade, a referida sociedade é obrigada a reembolsar ao adquirente um montante correspondente ao preço de aquisição das ações e a reavê-las.
68 Por outro lado, o Tribunal de Justiça concluiu, no n.° 44 do presente acórdão, que o estabelecimento desse regime de responsabilidade civil se insere no âmbito da margem de apreciação conferida aos Estados-Membros pelas diretivas «prospeto», «transparência» e «abuso de mercado» e não é contrário ao direito da União.
69 Nestas condições, há que constatar que a escolha entre um regime de responsabilidade civil que prevê a restituição ao adquirente de um montante correspondente ao preço de compra das ações, acrescido de juros, e um regime que limita esta responsabilidade ao pagamento do preço das ações no momento da apresentação do pedido de indemnização compete aos Estados-Membros.
70 Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à quinta questão que os artigos 12.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.° e 42.° da Segunda Diretiva, bem como os artigos 12.° e 13.° da Diretiva 2009/101, devem ser interpretados no sentido de que a responsabilidade instituída pela regulamentação nacional em causa no processo principal não é necessariamente limitada ao valor das ações, calculado segundo a cotação destas se a sociedade for cotada em Bolsa, na data de reivindicação do direito.
Quanto às despesas
71 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:
1) Os artigos 12.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.° e 42.° da Segunda Diretiva 77/91/CEE do Conselho, de 13 de dezembro de 1976, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo [48.° CE], no que respeita à constituição da sociedade anónima, bem como à conservação e às modificações do seu capital social, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade, conforme alterada pela Diretiva 92/101/CEE do Conselho, de 23 de novembro de 1992, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que, no âmbito da transposição das Diretivas
¾ 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa ao prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação e que altera a Diretiva 2001/34/CE;
¾ 2004/109/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2004, relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado e que altera a Diretiva 2001/34/CE;
¾ e 2003/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (abuso de mercado);
por um lado, prevê a responsabilidade de uma sociedade anónima, na qualidade de emitente, relativamente a um adquirente de ações da mesma sociedade, com base numa violação dos deveres de informação previstos nestas últimas diretivas, e, por outro, impõe, devido a essa responsabilidade, a obrigação de a sociedade em causa reembolsar ao adquirente o montante correspondente ao preço de aquisição das ações e reavê-las.
2) Os artigos 12.° e 13.° da Diretiva 2009/101/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, tendente a coordenar as garantias que, para proteção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na aceção do segundo parágrafo do artigo [48.° CE], a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que, em circunstâncias como as do processo principal, prevê a anulação retroativa de um contrato de aquisição de ações.
3) Os artigos 12.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.° e 42.° da Segunda Diretiva 77/91, conforme alterada pela Diretiva 92/101, bem como os artigos 12.° e 13.° da Diretiva 2009/101, devem ser interpretados no sentido de que a responsabilidade instituída pela regulamentação nacional em causa no processo principal não é necessariamente limitada ao valor das ações, calculado segundo a cotação destas se a sociedade for cotada em Bolsa, na data de reivindicação do direito.
Assinaturas
* Língua do processo: alemão.