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CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 4 de setembro de 2014 (1)

Processo C-87/13

Staatssecretaris van Financiën

contra

X

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Reino dos Países Baixos)]

«Legislação fiscal – Liberdade de estabelecimento – Imposto nacional sobre o rendimento das pessoas singulares – Dedução de montante superior para as despesas de conservação de um monumento afeto a utilização própria – Nacional neerlandês que reside na Bélgica, num edifício protegido como monumento, exerce uma atividade remunerada nos Países Baixos e aí está ilimitadamente sujeito a imposto»





I –    Introdução

1.        O Reino dos Países Baixos pretende promover a conservação do seu património cultural, através de benefícios fiscais. Por isso, concede uma dedução de montante superior para as despesas de conservação de monumentos neerlandeses.

2.        O processo principal diz respeito a um nacional neerlandês que de facto conserva e vive num edifício classificado como monumento nacional, mas sito na Bélgica. Embora todo o rendimento desse nacional neerlandês seja tributado nos Países Baixos, aquele não obtém nenhum benefício fiscal pela conservação do monumento belga, pois o Reino dos Países Baixos apenas pretende beneficiar monumentos neerlandeses. O Tribunal de Justiça terá de esclarecer, no presente processo, se essa restrição do benefício fiscal ao património cultural nacional está em consonância com as liberdades fundamentais.

II – Quadro jurídico

3.        Nos termos do Artigo 2.5, n.° 1, da Wet inkomstenbelasting 2001, na redação de 2004 (a seguir «Lei neerlandesa do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares»), o residente noutro Estado-Membro pode optar por ser tratado, nos Países Baixos, como residente no território nacional.

4.        Segundo a Lei neerlandesa do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, são tributados os rendimentos provenientes de edifícios de habitação propriedade de um sujeito passivo, quer tenham sido dados de arrendamento, quer estejam afetos a utilização pelo próprio sujeito passivo.

5.        Aos rendimentos provenientes de edifícios da habitação afetos a utilização pelo próprio sujeito passivo podem ser deduzidas despesas conexas com o edifício de habitação, em montante limitado. No caso de um edifício classificado como monumento, as despesas que excedam esse montante podem ser invocadas a título da chamada dedução pessoal. Esta norma aplica-se também a edifícios dados de arrendamento. De acordo com o artigo 6.31 da Lei neerlandesa do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, a dedução pressupõe que o edifício está inscrito num registo para efeitos do artigo 6.° ou 7.° da Monumentenwet 1988 (a seguir «Lei neerlandesa dos monumentos»). Estas normas são interpretadas pelo órgão jurisdicional de reenvio no sentido de que só é possível a inscrição, no registo, de um edifício sito nos Países Baixos.

III – Processo principal

6.        O processo principal diz respeito a uma decisão em matéria de imposto neerlandês sobre o rendimento das pessoas singulares de 2004, de que o Sr. X é destinatário.

7.        X tem nacionalidade neerlandesa. Em 2004, mudou a sua residência dos Países Baixos para um castelo na Bélgica. X é proprietário do castelo, que, de acordo com o direito belga, está protegido, juntamente com as suas imediações, como monumento e como património rural. Nos Países Baixos, X continuou a exercer a sua atividade de gerente de uma sociedade, de que é sócio único. Na Bélgica, não aufere rendimentos provenientes de atividades profissionais.

8.        Para efeitos do imposto neerlandês sobre o rendimento das pessoas singulares de 2004, X foi tratado, a seu pedido, como sujeito passivo nacional. Na sua declaração de rendimentos, declarou 18 140 euros a título da chamada dedução pessoal de despesas de conservação e amortização, respeitantes ao castelo na Bélgica. X também podia ter declarado estas despesas para efeitos do imposto belga sobre o rendimento das pessoas singulares, mediante a opção por um determinado tipo de tributação. No entanto, absteve-se de o fazer, porque, em última análise, isso não lhe era fiscalmente vantajoso.

9.        A autoridade tributária neerlandesa recusou a dedução pessoal, porque o castelo belga não está inscrito num registo para efeitos do artigo 6.° ou 7.° da Lei neerlandesa dos monumentos. X impugnou judicialmente esta decisão.

IV – Processo no Tribunal de Justiça

10.      O Hoge Raad der Nederlanden, entretanto chamado a conhecer do processo, considera que é possível que as normas neerlandesas sobre deduções pessoais conexas com edifícios protegidos como monumentos nacionais violem o direito da União. Por isso, em 21 de fevereiro de 2013 submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.° TFUE, as seguintes questões:

«1)      O direito da União e, em especial, os regimes da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais opõem-se a que um residente na Bélgica, que a seu pedido é tributado nos Países Baixos como aí residente e efetuou despesas relativas a um castelo, situado na Bélgica e aí classificado como monumento legalmente protegido e património rural, que usa para habitação própria, não possa deduzir essas despesas nos Países Baixos, para efeitos da cobrança do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, com o fundamento de que o castelo não está inscrito nos Países Baixos como monumento protegido?

2)      Em que medida é relevante, para esse efeito, o facto de a pessoa em questão poder deduzir as despesas no seu país de residência (Bélgica), para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, aos seus rendimentos de capitais e de bens móveis, atuais ou futuros, mediante a opção pela tributação progressiva desses rendimentos?»

11.      Num primeiro momento, o presente processo foi apensado ao processo C-133/13, para tramitação e decisão conjuntas. X, Q (parte no processo principal no processo C-133/13), a República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha, a Republica Francesa, a República Italiana, o Reino dos Países Baixos, o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas em relação aos processos apensos em julho de 2013. Posteriormente, os processos foram desapensados.

V –    Apreciação jurídica

12.      Através das duas questões prejudiciais, às quais responderei em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se, segundo o direito da União, um benefício fiscal para edifícios classificados como monumentos e afetos a habitação própria podem ser restringidos a edifícios nacionais. O órgão jurisdicional de reenvio considera possível, em particular, que o regime neerlandês seja incompatível com a liberdade de estabelecimento prevista no artigo 43.° CE (ver, a este respeito, secção A infra) e com a liberdade de movimentos de capitais prevista no artigo 56.°, n.° 1, CE (v., a este respeito, secção B infra).

A –    Liberdade de estabelecimento

1.      Restrição

13.      Um regime de benefícios fiscais como o neerlandês poderá restringir a liberdade de estabelecimento de um sujeito passivo como X.

14.      Em princípio, X pode invocar, a seu respeito, a liberdade de estabelecimento. Enquanto gerente de uma sociedade de que é sócio único, X exerce uma atividade não assalariada na aceção do artigo 43.°, segundo período, CE (2). Também não obsta à aplicação da liberdade de estabelecimento o facto de o próprio X, que exerce a sua atividade profissional nos Países Baixos, ser nacional neerlandês. Embora, segundo a letra do artigo 43.°, n.° 1, primeiro período, CE, só seja protegido o estabelecimento «dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro», o que não diz respeito ao estabelecimento do nacional neerlandês X nos Países Baixos, o Tribunal de Justiça alargou o âmbito de proteção da liberdade de estabelecimento através da sua jurisprudência. Segundo esta jurisprudência, cada cidadão da União, independentemente da sua nacionalidade, é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 43.° CE, desde que tenha exercido uma atividade profissional num Estado-Membro diferente do de residência (3). É o que sucedia com no caso de X, visto que este, no período relevante, tinha residência na Bélgica e geria nos Países Baixos as atividades da sua sociedade.

15.      A liberdade de estabelecimento pode ser restringida por qualquer regime nacional que prejudique os não residentes face aos residentes (4). Por força do regime neerlandês, um não residente, ao contrário de um residente, não tem a possibilidade de declarar, a título de dedução pessoal, as despesas conexas com um edifício protegido como monumento, em que ele próprio habita. A circunstância de, como o Reino dos Países Baixos sublinha, o benefício fiscal também se aplicar a bens imóveis que não estão afetos a utilização própria e, nesse aspeto, tratar de igual modo os residentes e os não residentes, em nada altera esta constatação.

16.      Ao contrário do que a República Federal da Alemanha entende, este tratamento desfavorável de não residentes também prejudica o exercício, por uma pessoa como X, das suas atividades remuneradas protegidas pela liberdade de estabelecimento. Isto porque o regime dos benefícios fiscais acaba por levar a uma tributação diferente dos rendimentos provenientes da atividade remunerada, consoante X habite num edifício classificado como monumento nos Países Baixos ou noutro Estado-Membro.

17.      Considero forçosa esta visão ampla do conceito de restrição, pois o Tribunal de Justiça já decidiu, no âmbito de outro processo, que o benefício fiscal só para os edifícios de habitação afetos a utilização própria sitos no território nacional restringe a livre circulação de trabalhadores que assiste a pessoas que pretendem adquirir um edifício para habitação própria noutro Estado-Membro (5).

18.      Por conseguinte, conclui-se que se verifica uma restrição à liberdade de estabelecimento no caso vertente.

19.      Segundo a jurisprudência, semelhante restrição só é admissível se disser respeito a situações que não são objetivamente comparáveis entre si (v., a este respeito, ponto 2, já a seguir), ou se for justificada por uma razão imperiosa de interesse geral (6) (v., a este respeito, ponto 3 infra).

2.      Comparabilidade objetiva das situações

20.      No acórdão Nordea Bank Danmark, o Tribunal de Justiça não seguiu a minha proposta de abandonar o critério da comparabilidade objetiva das situações. Pelo contrário, o Tribunal parece reatribuir uma importância acrescida a este critério no âmbito do direito tributário (7).

21.      No caso vertente, levanta-se a questão de saber se a situação de um sujeito passivo, cujo edifício classificado como monumento e afeto a utilização pelo próprio se situa nos Países Baixos, e cujos rendimentos provenientes do mesmo edifício são tributados nesse país, e a situação de um sujeito passivo, cujo edifício classificado como monumento e afeto a utilização pelo próprio se situa noutro Estado-Membro, mas cujos rendimentos provenientes do mesmo edifício são igualmente tributados nos Países Baixos, são objetivamente comparáveis entre si.

22.      Há duas diferenças entre as situações em comparação que põem em causa a sua comparabilidade objetiva. Primeiro, num caso trata-se de um residente, noutro de um não residente. Segundo, num caso o edifício está protegido como monumento nos termos da lei neerlandesa, noutro nos termos da lei belga.

a)      Quanto às residências diferentes dos sujeitos passivos

23.      No tocante às residências diferentes dos sujeitos passivos em comparação, há que referir a jurisprudência assente no sentido de que, em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, as pessoas singulares residentes e as pessoas singulares não residentes em princípio não se encontram numa situação objetivamente comparável. Isto porque entre umas e outras há diferenças objetivas, tanto do ponto de vista da fonte dos rendimentos como do ponto de vista da capacidade contributiva pessoal do sujeito passivo ou da consideração da situação pessoal e familiar (8). Por conseguinte, regra geral, não é discriminatório o facto de um Estado-Membro não conceder a um não residente certos benefícios fiscais que concede ao residente (9).

24.      Porém, esta linha jurisprudencial tem uma aplicabilidade limitada, pelo que se pode duvidar que constitua um princípio. Isto porque o Tribunal de Justiça defende, simultaneamente, que se deve admitir que se verifica uma discriminação sempre que os residentes e não residentes, independentemente de residirem em Estados-Membros diferentes, se encontram numa situação análoga, face ao conteúdo e ao objeto das disposições nacionais analisadas (10). Só uma visão semelhante do caso concreto corresponde também à jurisprudência assente no sentido de que a comparabilidade objetiva das situações deve ser analisada face ao objetivo dos respetivos regimes jurídicos (11). Por isso, o Tribunal exigiu repetidamente, também e sobretudo no caso dos benefícios fiscais, que é necessário que exista uma diferença objetiva entre as categorias dos residentes e dos não residentes, para se poder negar a comparabilidade objetiva das respetivas situações (12).

25.      Daqui se conclui que, em cada caso concreto, há sempre que verificar se a situação dos residentes e dos não residentes é comparável. Em última análise, não é possível extrair da jurisprudência um princípio segundo o qual essa não é a regra.

b)      Quanto às diferentes normas sobre a proteção como monumento

26.      Por conseguinte, no caso vertente a comparabilidade objetiva das situações só pode cair face à segunda diferença, designadamente a circunstância de, no caso de um residente, o edifício para habitação estar protegido como monumento pelo direito neerlandês, mas, no caso de X, estar protegido como monumento pelo direito belga.

27.      O regime, ora em apreço, de dedução fiscal de, entre outras, determinadas despesas de conservação de edifícios protegidos como monumentos tem, de acordo com as informações do órgão jurisdicional de reenvio, como objetivo a conservação do património cultural nos Países Baixos.

28.      Neste contexto, um monumento belga não pode ser considerado objetivamente comparável a um monumento neerlandês. Isto porque o objetivo desse regime só é a promoção do património cultural sito nos Países Baixos.

29.      Semelhante entendimento não me parece adequado.

30.      É verdade que a República Francesa alegou, com razão, que o Tribunal de Justiça só admitiu, em especial no acórdão Persche, a comparabilidade objetiva das situações de uma instituição nacional e de uma instituição estrangeira, no tocante a um benefício fiscal, se ambas prosseguissem o mesmo interesse geral da coletividade (13). Segundo o Tribunal, é possível uma diferenciação se as instituições prosseguirem objetivos diferentes dos prosseguidos pelo regime tributário nacional (14).

31.      Contudo, o objetivo de um regime nacional de benefícios fiscais não deve ser definido em termos puramente nacionais, para efeitos da análise da comparabilidade objetiva. É que, no caso contrário, cada Estado-Membro seria livre de excluir, sem mais, uma situação transfronteiriça, mediante o estabelecimento de um objetivo definido em termos puramente nacionais para um regime de benefícios fiscais. Pelo contrário, a aplicação de um regime jurídico em termos puramente nacionais é o fundamento para admitir a existência de uma restrição a uma liberdade fundamental. Na segunda fase da análise da comparabilidade objetiva das situações, esta aplicação em termos puramente nacionais não pode levar logo a que a restrição seja admissível. Por isso, a comparabilidade objetiva das situações deve efetivamente ser analisada face ao objetivo de um regime nacional. Porém, esse objetivo deve ser definido abstraindo precisamente da aplicação puramente nacional do regime de benefícios fiscais.

32.      No caso vertente, isto significa que a situação de X, não residente no território nacional, é objetivamente comparável com a situação de um residente no território nacional, se o seu edifício merecer igualmente proteção como património cultural. Pode-se partir do princípio de que é isso que sucede, uma vez que o castelo de X está protegido como monumento nos termos do direito belga.

33.      Esta comparabilidade objetiva das situações não obsta – ao contrário do que entende a República Francesa – a que os bens imóveis belgas não estejam sujeitos às normas neerlandesas sobre a classificação de monumentos, em especial aos deveres e restrições que normalmente estão associados a essa classificação. Isto porque, por um lado, o direito belga poderá conter obrigações análogas para o proprietário de um bem imóvel belga. Por outro, também não se poderá negar a comparabilidade objetiva das situações, porque um sujeito passivo como X pode, se for caso disso, sujeitar-se livremente às normas neerlandesas sobre a proteção como monumento.

c)      Conclusão quanto à comparabilidade objetiva das situações

34.      Por conseguinte, no caso vertente a situação de um sujeito passivo, cujo edifício protegido como monumento e afeto a utilização pelo próprio se situa nos Países Baixos, e cujos rendimentos provenientes do mesmo edifício são tributados nesse país, e a situação de um sujeito passivo, cujo edifício protegido como monumento e afeto a utilização pelo próprio se situa noutro Estado-Membro, mas cujos rendimentos provenientes do mesmo edifício são igualmente tributados nos Países Baixos, são objetivamente comparáveis.

3.      Razão imperiosa de interesse geral

35.      Resta apurar se um regime de benefícios fiscais para monumentos como o regime neerlandês, que considera exclusivamente os monumentos sitos no território nacional, é justificado por uma razão imperiosa de interesse geral.

36.      Preliminarmente, há que esclarecer que, no âmbito da justificação, não se pode abordar a questão de saber se o Reino dos Países Baixos pode promover monumentos nacionais. É que este objetivo também será assegurado se as normas neerlandesas sobre benefícios fiscais também forem aplicadas a monumentos estrangeiros. A isso não poderá o Reino dos Países Baixos contrapor que o alargamento dos benefícios fiscais a monumentos estrangeiros levará à redução das receitas fiscais. É que, segundo jurisprudência assente, a necessidade de evitar a redução de receitas fiscais não figura entre as razões imperiosas de interesse geral suscetíveis de justificar uma restrição a uma liberdade instituída pelo Tratado (15).

37.      Por conseguinte, no presente processo só se levanta a questão de saber se se encontra uma justificação para a restrição, por um Estado-Membro, do seu benefício fiscal aos monumentos nacionais.

38.      Neste contexto, o acórdão Comissão/Itália, a que várias partes no processo aludiram, tem uma relevância limitada para o caso vertente. Segundo esse acórdão, a conservação do património histórico e artístico (nacional) pode constitui uma razão imperiosa que justifica uma restrição à livre prestação de serviços (16). Porém, o objeto dessa decisão eram restrições às atividades de operadores económicos estrangeiros no Estado-Membro em causa – em todo o caso, de guias turísticos –, por razões de conservação do património cultural nacional. No entanto, não se suscitava a questão de saber se o regime de benefícios fiscais de um Estado-Membro pode ser limitado ao património cultural nacional.

39.      Pelo contrário, tem relevância para esta questão o facto de, segundo a jurisprudência, os Estados-Membros serem livres de decidir quais os interesses da coletividade que pretendem promover através de medidas fiscais (17). Assim, a definição do objetivo prosseguido por um regime de benefícios fiscais é da competência dos Estados-Membros.

40.      No entanto, em várias decisões o Tribunal não admitiu uma restrição dos benefícios fiscais a situações de facto nacionais, porque o objetivo através do benefício fiscal também pode ser concretizado com o auxílio de estrangeiros. Assim, no acórdão Petersen o Tribunal não conseguiu apurar por que razão a política de desenvolvimento alemã só pode ser promovida por empresas nacionais (18). Além disso, no acórdão sobre as subvenções à habitação, o Tribunal considerou que o objetivo de satisfazer a procura de habitação é igualmente alcançado se também for promovida a aquisição, no estrangeiro, de habitações para utilização própria no estrangeiro (19). Além disso, em vários acórdãos sobre a dedução de donativos, o Tribunal decidiu que um Estado-Membro não pode conceder benefícios fiscais só às instituições que prossigam determinados objetivos de interesse geral e tenham sede no território nacional (20).

41.      No entanto, todas estas decisões diziam respeito, em última análise, à questão de saber como é que o objetivo definido pelo Estado-Membro pode também ser promovido com o auxílio de operadores económicos estrangeiros. Porém, no caso vertente X, residente no estrangeiro, não promove o objetivo prosseguido pelo regime neerlandês de benefícios fiscais. Isto porque as despesas de conservação, que X invoca no âmbito da tributação neerlandesa, não servem para a conservação de monumentos nos Países Baixos.

42.      Porém, se, de acordo com a jurisprudência, o Reino dos Países Baixos puder definir o objetivo dos benefícios fiscais, então a decisão de só os conceder a monumentos sitos nos Países Baixos poderá levar a que seja justificada a restrição à liberdade de estabelecimento.

43.      Não obstante, por força do direito da União os Estados-Membros não podem ser totalmente livres de definir o objetivo dos benefícios fiscais. Isto vale não somente à luz da proibição de auxílios de Estado constante do artigo 87.°, n.° 1, CE (atual artigo 107.°, n.° 1, TFUE); também para efeitos da justificação de uma restrição às liberdades fundamentais, no mínimo o objetivo do benefício fiscal não pode, enquanto tal, ser abertamente protecionista, por exemplo se um regime fiscal só tiver por objetivo a promoção de atividades económicas de empresas nacionais, ou de produtos nacionais (21).

44.      Contudo, no caso vertente o objetivo que o Estado-Membro prossegue com o regime de benefícios fiscais encontra, por seu lado, apoio nos Tratados e pode, por isso, justificar uma restrição a uma liberdade fundamental. Assim, o artigo 30.° CE (atual artigo 36.° TFUE) contém um motivo de justificação «por razões de proteção do património nacional de valor artístico, histórico ou arqueológico». Além disso, segundo o artigo 167.°, n.° 1, TFUE, a União está obrigada a contribuir «para o desenvolvimento das culturas dos Estados-Membros, respeitando a sua diversidade nacional e regional». Resulta destas disposições que os Tratados classificam a conservação do património cultural num contexto puramente nacional, pelo que a promoção da cultura nacional é um objetivo admissível no direito da União (22).

45.      Acresce que, segundo a jurisprudência, também a vontade de garantir a existência de uma determinada conexão entre a sociedade do Estado-Membro em causa e o beneficiário de uma prestação pode constituir uma consideração objetiva de interesse geral (23). No caso vertente, existe esta conexão entre a sociedade do Reino dos Países Baixos e o património cultural neerlandês, cuja conservação é o objetivo do regime de benefícios fiscais. Como este regime não pretende beneficiar nenhum particular em especial, são irrelevantes os laços de X com a sociedade neerlandesa.

46.      Por conseguinte, a restrição à liberdade de estabelecimento pelo regime neerlandês de benefícios fiscais é justificado pelo objetivo admissível da conservação do património cultural nacional. No contexto deste objetivo dos benefícios fiscais, a exclusão da promoção do património cultural de outros Estados-Membros não vai além do necessário para alcançar o objetivo dos benefícios fiscais neerlandeses.

4.      Conclusão

47.      Por conseguinte, a liberdade de estabelecimento não obsta a que um benefício fiscal nacional, para edifícios protegidos como monumentos e afetos a habitação própria, seja restringido a edifícios sitos no território nacional, se o objetivo do benefício fiscal for a conservação do património cultural nacional.

B –    Livre circulação de capitais

48.      Independentemente de saber se, nas circunstâncias ora em apreço, o regime neerlandês de benefícios fiscais também constitui uma restrição à livre circulação de capitais consagrada no artigo 56.°, n.° 1, CE, essa restrição seria, em todo o caso, justificada pelo objetivo admissível da promoção do património cultural neerlandês, aplicando-se então, com as necessárias adaptações, as considerações que expendi supra.

C –    Conclusão

49.      Por conseguinte, as liberdades fundamentais referidas não se opõem a um regime como o ora em apreço, segundo o qual um benefício fiscal para edifícios protegidos como monumentos e afetos a habitação própria está restringido a edifícios nacionais.

VI – Conclusão

50.      Por conseguinte, proponho que à questão submetida pelo Hoge Raad der Nederlanden se responda da seguinte forma:

Nem a liberdade de estabelecimento, constante do artigo 43.° CE, nem a livre circulação de capitais, constante do artigo 56.°, n.° 1, CE, se opõem a um regime nacional, segundo o qual um residente na Bélgica, cujos rendimentos são tributados nos Países Baixos a seu pedido e efetuou despesas com um castelo que utiliza para habitação própria, sito na Bélgica e que aí está protegido como monumento e como património rural, não pode deduzir essas despesas em sede de tributação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, porque o castelo não está registado como monumento nos Países Baixos.


1 – Língua original: alemão.


2 – V. acórdão Asscher (C-107/94, EU:C:1996:251, n.° 26).


3 – V. acórdão Comissão/Alemanha (C-152/05, EU:C:2008:17, n.° 20); v. também, no mesmo sentido, acórdão N (C-470/04, EU:C:2006:525, n.° 28); v., em relação à livre circulação de trabalhadores, acórdão Renneberg (C-527/06, EU:C:2008:566, n.° 36, e jurisprudência aí referida).


4 – V., neste sentido, entre outros, acórdãos Stanton e L’Étoile 1905 (143/87, EU:C:1988:378, n.° 13); Bosman (C-415/93, EU:C:1995:463, n.° 94); Renneberg (C-527/06, EU:C:2008:566, n.° 43), e Filipiak (C-314/08, EU:C:2009:719, n.° 58).


5 – Acórdão Comissão/Alemanha (C-152/05, EU:C:2008:17, n.os 24 e 25).


6 – V., por todos, acórdão Nordea Bank Danmark (C-48/13, EU:C:2014:2087, n.° 23, e jurisprudência aí referida).


7 – V., as minhas conclusões Nordea Bank Danmark (C-48/13, EU:C:2014:153, n.os 22 a 28) e acórdão Nordea Bank Danmark (C-48/13, EU:C:2014:2087, n.os 23 e 24).


8 – V., entre outros, acórdãos Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31, n.° 31 e 32); Wielockx (C-80/94, EU:C:1995:271, n.° 18); Gielen (C-440/08, EU:C:2010:148, n.° 43), e Comissão/Estónia (C-39/10, EU:C:2012:282, n.° 50).


9 – V., por todos, acórdãos Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31, n.° 34), e Comissão/Estónia (C-39/10, EU:C:2012:282, n.° 50).


10 – V. acórdãos Gschwind (C-391/97, EU:C:1999:409, n.° 26) e Comissão/Estónia (C-39/10, EU:C:2012:282, n.° 51).


11 – V., por todos, acórdãos X Holding (C-337/08, EU:C:2010:89, n.° 22), e SCA Group Holding e o. (C-39/13, C-40/13 e C-41/13, EU:C:2014:1758, n.° 28).


12 – V., entre outros, acórdãos Talotta (C-383/05, EU:C:2007:181, n.° 19); Renneberg (C-527/06, EU:C:2008:566, n.° 60), e Gielen (C-440/08, EU:C:2010:148, n.° 44).


13 – Acórdão Persche (C-318/07, EU:C:2009:33, n.° 48 a 50).


14 – Acórdão Persche (C-318/07, EU:C:2009:33, n.° 47).


15 – Acórdão Comissão/Áustria (C-10/10, EU:C:2011:399, n.° 40 e jurisprudência aí referida).


16 – Acórdão Comissão/Itália (C-180/89, EU:C:1991:78, n.os 19 e 20).


17 – V. acórdãos Centro di Musicologia Walter Stauffer (C-386/04, EU:C:2006:568, n.° 39); Persche (C-318/07, EU:C:2009:33, n.° 48), e Tankreederei I (C-287/10, EU:C:2010:287, n.° 30).


18 – Acórdão Petersen (C-544/11, EU:C:2013:124, n.° 61).


19 – V. acórdão Comissão/Alemanha (C-152/05, EU:C:2008:17, n.° 28).


20 – V. acórdãos Persche (C-318/07, EU:C:2009:33, n.° 44) e Comissão/Áustria (C-10/10, EU:C:2011:399, n.° 33).


21 – V., neste sentido, também acórdão Tankreederei I (C-287/10, EU:C:2010:287, n.° 32).


22 – V. também, desde logo, acórdão Centro di Musicologia Walter Stauffer (C-386/04, EU:C:2006:568, n.° 45), na versão francesa.


23 – V. acórdão Gottwald (C-103/08, EU:C:2009:597, n.° 32 e jurisprudência aí referida).