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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

15 de maio de 2014 (*)

«Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 90.° — Redução do valor tributável — Âmbito das obrigações dos Estados-Membros — Efeito direto»

No processo C-337/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Kúria (Hungria), por decisão de 23 de maio de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de junho de 2013, no processo

Almos Agrárkülkereskedelmi Kft

contra

Nemzeti Adó- és Vámhivatal Közép-magyarországi Regionális Adó Főigazgatósága,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, J.-C. Bonichot (relator) e A. Arabadjiev, juízes,

advogado-geral: P. Cruz Villalón,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da Almos Agrárkülkereskedelmi Kft, por T. Garadnai, ügyvéd,

¾        em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo grego, por M. Germani, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Brighouse, na qualidade de agente, assistida por R. Hill, barrister,

¾        em representação da Comissão Europeia, por L. Lozano Palacios e A. Sipos, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 90.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1, a seguir «diretiva IVA»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Almos Agrárkülkereskedelmi Kft (a seguir «Almos») à Nemzeti Adó- és Vámhivatal Közép-magyarországi Regionális Adó Főigazgatósága (Administração Nacional dos Impostos e Alfândegas — Direção regional de finanças da Hungria central, a seguir «Administração Fiscal») a propósito da recusa por parte desta de admitir a retificação de faturas efetuada pela Almos tendo em vista a obtenção de uma redução do valor tributável do imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»), devido à não execução de uma venda.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O título VII da diretiva IVA, sob a epígrafe «Valor tributável», inclui os artigos 73.° e 90.°

4        Segundo o artigo 73.° desta diretiva:

«Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.° a 77.°, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

5        Nos termos do artigo 90.° da referida diretiva:

«1.      Em caso de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, o valor tributável é reduzido em conformidade, nas condições fixadas pelos Estados-Membros.

2.      Em caso de não pagamento total ou parcial, os Estados-Membros podem derrogar o disposto no n.° 1.»

6        O artigo 273.° da mesma diretiva estabelece:

«Os Estados-Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados-Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas no Capítulo 3.»

 Direito húngaro

7        Nos termos do artigo 77.° da Lei CXXVII de 2007 relativa ao IVA (általános forgalmi adóról szóló 2007. évi CXXVII. törvény, a seguir «lei do IVA»:

«(1)      Em caso de entrega de bens, de prestação de serviços ou de aquisição intracomunitária de bens, o valor tributável será reduzido a posteriori até ao montante da contrapartida que foi paga ou que deva ser paga a quem de direito, nos casos em que, posteriormente à execução da operação

a)      na hipótese de invalidade da operação:

aa)      a situação anterior à execução da operação tenha sido restabelecida, ou

ab)      a operação, embora inválida, tenha produzido efeitos antes da decisão que declarou a sua invalidade, ou

ac)      a operação tenha sido declarada válida mediante a eliminação de uma vantagem desproporcionada;

b)      na hipótese de vícios na execução da operação:

ba)      seja exercido o direito à resolução do contrato, ou

bb)      seja obtida uma redução do preço.

(2)      O valor tributável também será reduzido a posteriori

a)      no caso de o montante adiantado ser devolvido em razão da não execução;

b)      no caso de o devedor do imposto exercer o seu direito de resolução, em razão do não pagamento da totalidade do preço, de um contrato de entrega ou de locação de bens a que se refere o artigo 10.°, alínea a), da presente lei, quando as partes tenham restabelecido a situação anterior à execução da operação ou, se tal não for possível, tenham reconhecido que essa operação produziu efeitos até ao momento em que ocorreu o incumprimento;

c)      quando, em caso de compra de bens depositados, o depósito for devolvido.

(3)      O valor tributável pode ser reduzido a posteriori no caso de redução do preço, nos termos do artigo 71.°, n.° 1, alíneas a) e b), ocorrida após a execução.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8        Durante os meses de agosto e setembro de 2008, a Almos vendeu sementes de colza a outra empresa húngara, a Bio-Ma Magyarország Energiaszolgáltató Zrt (a seguir «Bio-Ma»). As sementes foram entregues e depositadas num armazém, mas o preço não foi pago pelo comprador.

9        Ficou, por isso, acordado entre as partes, por contrato celebrado em 1 de outubro de 2008, que as sementes de colza eram propriedade da Almos, que apenas esta podia delas dispor e que a Bio-Ma não podia nem onerá-las, nem vendê-las, nem entregá-las materialmente a terceiros. A data-limite para a devolução das sementes de colza foi fixada em de 10 de outubro de 2008, ficando a Bio-Ma obrigada a atuar como depositária até essa data.

10      Todavia, a mercadoria não foi devolvida em 10 de outubro de 2008, por, entretanto, ter sido apreendida.

11      A Almos intentou uma ação cível para recuperar as sementes de colza. O Szegedi Ítélőtábla (Tribunal Regional de Recurso de Szeged) condenou o comprador, por sentença transitada em julgado, à restituição de 2 263,796 toneladas de sementes de colza ou, na sua falta, ao pagamento do montante de 1 022 783 euros. A sentença especificava que as partes tinham resolvido o contrato de compra e venda que as vinculava e que, por isso, a Almos era proprietária das sementes de colza.

12      Por conseguinte, a Almos retificou as faturas relativas à venda à Bio-Ma e, na sua declaração fiscal mensal de dezembro de 2009, indicou um montante de 116 705 000 forints húngaros (HUF) de IVA reembolsável.

13      A Administração Fiscal considerou no entanto que, do montante total que figurava na referida declaração, 48 043 000 HUF não tinham justificação, pelo que aplicou a esse montante uma majoração de 10% a título de penalização. A Administração Fiscal alegou que, apesar do não pagamento da contrapartida, tinha havido uma entrega de bens, na aceção do artigo 9.°, n.° 1, da lei do IVA. Segundo aquela Administração, a retificação das faturas não se justificava e o acordo celebrado pelas partes após a entrega devia ser considerado uma nova operação. Além disso, entendeu que a situação inicial também não foi restabelecida, uma vez que as sementes de colza não foram restituídas e que o preço acordado não foi pago. O artigo 77.°, n.os 1 e 2, da lei do IVA prevê a redução a posteriori do valor tributável em caso de invalidade da operação, o que é diferente da resolução do contrato que ocorreu no caso em apreço. A lei do IVA não contém nenhuma disposição que permita uma redução a posteriori do valor tributável apenas com base no não pagamento total ou parcial dos bens em causa.

14      O tribunal de primeira instância negou provimento ao recurso interposto pela Almos contra a decisão da Administração Fiscal.

15      No recurso de cassação interposto no órgão jurisdicional de reenvio, a Almos sublinha que a resolução do contrato teve como efeito transferir de novo para si a propriedade dos bens vendidos. Em seu entender, não foi, por conseguinte, realizada uma operação autónoma do ponto de vista tributário, mas uma operação estrita e intrinsecamente relacionada com o contrato de compra e venda inicial, uma vez que o comprador só se teria tornado proprietário das sementes de colza se tivesse pagado o preço de venda. Alega que, à luz do artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA, não pode ser acusada de irregularidade de comportamento no que respeita à situação que deu origem ao seu direito a redução do valor tributável.

16      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, à data do pedido de reembolso, a lei do IVA não abrangia todas as hipóteses enumeradas no artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA e não previa, nomeadamente, a possibilidade de uma redução do valor tributável em caso de anulação, rescisão, resolução ou não pagamento total ou parcial da contrapartida. Por conseguinte, questiona-se sobre se esta lei não privou os sujeitos passivos dos direitos a que poderiam ter acesso ao abrigo da mesma diretiva.

17      Nestas condições, o Kúria (Supremo Tribunal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O disposto no artigo 77.°, n.os 1 e 2, da [lei do IVA], na versão em vigor até 31 de dezembro de 2010, é compatível com o disposto no artigo 90.°, n.° 1, da [diretiva IVA], no sentido de que [abrange todos os casos] de redução do valor tributável previstos nesta última disposição?

2)      Em caso de resposta negativa, um contribuinte que, posteriormente à realização de uma operação, não tenha obtido a contrapartida correspondente, pode, na falta de uma norma nacional nesta matéria, invocar o direito a uma redução do valor tributável com base nos princípios da neutralidade do imposto e da proporcionalidade, tendo em conta o disposto no artigo 90.°, n.° 1, da diretiva [IVA]?

3)      Caso o artigo 90.°, n.° 1, da [diretiva IVA] tenha efeito direto, a que requisitos está, nesse caso, subordinado o exercício do direito a uma redução do valor tributável? É suficiente que o vendedor tenha emitido uma fatura retificativa e a tenha enviado ao comprador, ou é igualmente necessário que demonstre que recuperou efetivamente a propriedade do bem, no sentido de que o mesmo lhe foi materialmente entregue?

4)      Em caso de resposta negativa à terceira questão, o Estado-Membro encontra-se obrigado, por força do direito [da União], a reparar o prejuízo decorrente do incumprimento da sua obrigação de harmonização, em consequência do qual o contribuinte foi privado da possibilidade de beneficiar de uma redução do valor tributável?

5)      Pode o artigo 90.°, n.° 2, da [diretiva IVA] ser interpretado no sentido de que os Estados-Membros têm o direito, em caso de não pagamento total ou parcial, de não conceder uma redução do valor tributável e, na afirmativa, é para tal necessário que uma norma de direito nacional exclua expressamente a possibilidade dessa redução ou pode considerar-se que o silêncio da lei aplicável relativamente a esta matéria os autoriza igualmente a recusar a redução em causa?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira e quinta questões

18      A título preliminar, cabe recordar que o sistema de cooperação estabelecido pelo artigo 267.° TFUE se baseia numa nítida separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça. No âmbito de um processo ao abrigo deste artigo, a interpretação das disposições nacionais cabe aos órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros e não ao Tribunal de Justiça, e não incumbe a este último pronunciar-se sobre a compatibilidade de normas de direito interno com as disposições do direito da União. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça tem competência para fornecer ao órgão jurisdicional nacional quaisquer elementos de interpretação do direito da União que lhe permitam apreciar a compatibilidade de normas de direito interno com a regulamentação comunitária (v., designadamente, acórdão Placanica e o., C-338/04, C-359/04 e C-360/04, EU:C:2007:133, n.° 36).

19      Por conseguinte, se não incumbe ao Tribunal de Justiça pronunciar-se, no âmbito do presente processo, sobre a compatibilidade do artigo 77.° da lei do IVA com o artigo 90.° da diretiva IVA, compete-lhe, em contrapartida, fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio quaisquer elementos de interpretação desta disposição que lhe permitam apreciar essa compatibilidade.

20      Assim, deve considerar-se que, com a sua primeira e quinta questões, que devem ser examinadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o disposto no artigo 90.° da diretiva IVA exige que as disposições de direito nacional que o transpõem prevejam expressamente todas as situações que dão origem, nos termos do n.° 1 do referido artigo, à redução do valor tributável do IVA.

21      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a transposição de uma diretiva para o direito nacional não exige necessariamente uma repetição formal e textual do seu conteúdo numa disposição legal expressa e específica, podendo, em função do seu conteúdo, ser para tanto suficiente um contexto jurídico geral, desde que este assegure efetivamente a plena aplicação da diretiva de um modo suficientemente claro e preciso, para que, no caso de a diretiva ter por fim criar direitos para os particulares, os beneficiários sejam colocados em condições de conhecer a plenitude dos seus direitos e, sendo caso disso, de os invocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais (v., designadamente, acórdãos Comissão/Suécia, C-287/04, EU:C:2005:330, n.° 6, e Comissão/Irlanda. C-427/07, EU:C:2009:457, n.° 54).

22      Deve recordar-se, a este respeito, que o artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA, que visa os casos de anulação, rescisão, resolução, não pagamento total ou parcial ou redução do preço depois de efetuada a operação, obriga os Estados-Membros a reduzir o valor tributável e, em consequência, o montante do IVA devido pelo sujeito passivo, sempre que este não receba, depois de efetuada uma transação, uma parte ou a totalidade da contrapartida. Esta disposição constitui a expressão de um princípio fundamental da diretiva IVA, nos termos do qual o valor tributável é constituído pela contrapartida efetivamente recebida, e que tem por corolário que a Administração Fiscal não pode cobrar um montante de IVA superior ao que foi recebido pelo sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão Kraft Foods Polska, C-588/10, EU:C:2012:40, n.os 26 e 27).

23      No entanto, o n.° 2 do referido artigo 90.° autoriza os Estados-Membros a derrogar a regra acima mencionada nos casos de não pagamento total ou parcial do preço da operação. Os sujeitos passivos não podem, por conseguinte, invocar, nos termos do artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA, um direito à redução do valor tributável do IVA nos casos de não pagamento do preço se o Estado-Membro em causa tiver decidido aplicar a derrogação prevista no n.° 2 do mesmo artigo.

24      Há que admitir que uma disposição nacional cuja enumeração das situações nas quais o valor tributável é reduzido não contemple a hipótese do não pagamento do preço da operação deve ser encarada como o resultado do exercício pelo Estado-Membro da faculdade de derrogação que lhe foi concedida pelo artigo 90.°, n.° 2, da diretiva IVA.

25      Com efeito, deve salientar-se a este propósito que, se o não pagamento total ou parcial do preço de compra acontecer sem que tenha havido resolução ou anulação do contrato, o comprador permanece responsável pelo pagamento do preço acordado e o vendedor, apesar de já não ser proprietário do bem, ainda dispõe, em princípio, do seu direito de crédito, que poderá ser exercido nos tribunais. No entanto, uma vez que não se pode excluir que esse crédito se torne efetivamente incobrável, o legislador da União decidiu deixar a cada Estado-Membro a escolha de determinar se o não pagamento do preço de compra, que, por si só, contrariamente à resolução ou à anulação do contrato, não coloca as partes na situação inicial, dá direito à redução correspondente do valor tributável nas condições fixadas pelo Estado-Membro, ou se, nesse caso, não é admitida qualquer redução.

26      Nestas condições, deve considerar-se, por um lado, que o simples facto de, na enumeração das situações em que é reduzido o valor tributável, a disposição nacional de transposição não reproduzir todas as situações elencadas no artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA não permite inferir, tendo em conta o contexto jurídico geral no qual se insere esta medida de transposição, que esta não permita assegurar efetivamente a plena aplicação da diretiva IVA de forma suficientemente clara e precisa.

27      Por outro lado, no que se refere a situações que não digam respeito ao não pagamento do preço, é necessário, pelo contrário, que as disposições nacionais de transposição tenham em consideração todas as situações em que o sujeito passivo não receba, depois de efetuada uma transação, uma parte ou a totalidade da contrapartida, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

28      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira e quinta questões que o disposto no artigo 90.° da diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma disposição nacional que não prevê a redução do valor tributável do IVA em caso de não pagamento do preço, se for aplicada a derrogação prevista no n.° 2 do mesmo artigo. No entanto, essa disposição deve abranger todas as situações em que, de acordo com o n.° 1 do referido artigo, o sujeito passivo não receba, depois de efetuada uma transação, uma parte ou a totalidade da contrapartida, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

 Quanto à segunda a quarta questões

29      Com a segunda a quarta questões, que devem ser examinadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, no caso de considerar, após a verificação a que deve proceder, e excluindo o caso de não pagamento do preço, que as disposições nacionais em causa no processo principal não traspõem corretamente o disposto no artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA, quais são os direitos que podem ser invocados pelo sujeito passivo, e, sendo esse o caso, em que condições, para obter uma redução do valor tributável do IVA ou uma medida equivalente.

30      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, assim, em primeiro lugar, se o artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA preenche as condições para produzir efeito direto relativamente aos sujeitos passivos.

31      Importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, em todos os casos em que, atento o seu conteúdo, as disposições de uma diretiva sejam incondicionais e suficientemente precisas, os particulares têm o direito de as invocar contra o Estado perante os órgãos jurisdicionais nacionais, quer quando este não tenha feito a sua transposição para o direito nacional nos prazos previstos na diretiva quer quando tenha feito uma transposição incorreta (v. acórdãos Pfeiffer e o., C-397/01 a C-403/01, EU:C:2004:584, n.° 103, e Association de médiation sociale, C-176/12, EU:C:2014:2, n.° 31).

32      Uma disposição de direito da União é incondicional quando prevê uma obrigação que não é acompanhada de condições nem subordinada, na sua execução ou nos seus efeitos, à intervenção de qualquer ato das instituições da União ou dos Estados-Membros (v., neste sentido, acórdão Pohl-Boskamp, C-317/05, EU:C:2006:684, n.° 41).

33      Neste caso, o artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA dispõe que, nas situações aí previstas, o valor tributável é reduzido correspondentemente, nas condições fixadas pelos Estados-Membros.

34      Embora este artigo deixe aos Estados-Membros uma certa margem de apreciação para fixarem as medidas necessárias para determinar o valor da redução, essa circunstância não afeta o caráter preciso e incondicional da obrigação de admitir a redução do valor tributável nos casos previstos no referido artigo. Este reúne, por conseguinte, as condições para produzir efeito direto (v., por analogia, acórdão Association de médiation sociale, EU:C:2014:2, n.° 33).

35      Consequentemente, uma vez que os sujeitos passivos podem invocar o artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA contra o Estado perante os tribunais nacionais para obter a redução do seu valor tributável do IVA, é irrelevante a questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio no sentido de saber se o Estado-Membro em causa estaria obrigado a reparar o prejuízo sofrido pelos interessados pelo facto de, não tendo transposto corretamente a referida diretiva, os ter privado do direito a redução.

36      Em segundo lugar, quanto à questão das formalidades a que pode estar sujeito o exercício do direito a redução do valor tributável, importa recordar que, nos termos do artigo 273.° da diretiva IVA, os Estados-Membros podem prever as obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, desde que essa faculdade não seja utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas no capítulo 3 da mesma diretiva.

37      Tendo em conta que, fora dos limites por elas estabelecidos, as disposições dos artigos 90.°, n.° 1, e 273.° da diretiva IVA não especificam as condições nem as obrigações que os Estados-Membros podem prever, há que concluir que essas disposições lhes conferem uma margem de apreciação, nomeadamente, quanto às formalidades a cumprir pelos sujeitos passivos perante as autoridades fiscais dos referidos Estados, para efeitos de proceder a uma redução do valor tributável (v., neste sentido, acórdão Kraft Foods Polska, EU:C:2012:40, n.° 23).

38      Decorre, no entanto, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as medidas adotadas para evitar fraudes ou evasões fiscais só podem, em princípio, derrogar as regras relativas ao valor tributável do IVA na medida do estritamente necessário à prossecução desse objetivo específico. Com efeito, essas medidas devem afetar o menos possível os objetivos e os princípios da diretiva IVA e não podem, por isso, ser utilizadas de forma a pôr em causa a neutralidade do IVA (v., neste sentido, acórdãos Kraft Foods Polska, EU:C:2012:40, n.° 28, e Petroma Transports e o., C-271/12, EU:C:2013:297, n.° 28).

39      É, assim, necessário que as formalidades a cumprir pelos sujeitos passivos perante as autoridades fiscais, para o exercício do direito a uma redução do valor tributável do IVA, se limitem às que são necessárias para provar que, depois de efetuada uma transação, não receberão, definitivamente, uma parte ou a totalidade da contrapartida. Neste contexto, incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar que é esse o caso das formalidades exigidas pelo Estado-Membro em causa.

40      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda a quarta questões que os sujeitos passivos podem invocar o artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA contra o Estado-Membro perante os tribunais nacionais para obterem a redução do valor tributável do IVA. Embora os Estados-Membros possam prever que o exercício do direito à redução do valor tributável fique sujeito ao cumprimento de determinadas formalidades que permitam provar que, depois de efetuada uma transação, o sujeito passivo não recebeu, definitivamente, uma parte ou a totalidade da contrapartida e que o mesmo podia invocar uma das situações elencadas no artigo 90.°, n.° 1, da diretiva IVA, tais medidas não devem exceder o que for necessário para fazer essa prova, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

 Quanto às despesas

41      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

1)      O disposto no artigo 90.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma disposição nacional que não prevê a redução do valor tributável do imposto sobre o valor acrescentado em caso de não pagamento do preço, se for aplicada a derrogação prevista no n.° 2 do mesmo artigo. No entanto, essa disposição deve abranger todas as situações em que, de acordo com o n.° 1 do referido artigo, o sujeito passivo não receba, depois de efetuada uma transação, uma parte ou a totalidade da contrapartida, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

2)      Os sujeitos passivos podem invocar o artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 contra o Estado-Membro perante os tribunais nacionais para obterem a redução do valor tributável do imposto sobre o valor acrescentado. Embora os Estados-Membros possam prever que o exercício do direito à redução do valor tributável fique sujeito ao cumprimento de determinadas formalidades que permitam provar que, depois de efetuada uma transação, o sujeito passivo não recebeu, definitivamente, uma parte ou a totalidade da contrapartida e que o mesmo podia invocar uma das situações elencadas no artigo 90.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112, tais medidas não devem exceder o que for necessário para fazer essa prova, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

Assinaturas


* Língua do processo: húngaro.