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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

12 de fevereiro de 2015 (*)

«Reenvio prejudicial — IVA — Diretiva 2006/112/CE — Dedução do imposto pago a montante — Operações constitutivas de uma prática abusiva — Direito fiscal nacional — Procedimento especial nacional no caso de suspeitas sobre a existência de práticas abusivas em matéria fiscal — Princípios da efetividade e da equivalência»

No processo C-662/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), por decisão de 4 de dezembro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 13 de dezembro de 2013, no processo

Surgicare — Unidades de Saúde, SA,

contra

Fazenda Pública,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: K. Jürimäe (relatora), presidente de secção, J. Malenovský e M. Safjan, juízes,

advogado-geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da Surgicare — Unidades de Saúde, SA, por R. Barreira, advogado,

¾        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, R. Laires e M. Rebelo, na qualidade de agentes,

¾        em representação da Comissão Europeia, por P. Guerra e Andrade e L. Lozano Palacios, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Surgicare — Unidades de Saúde, SA (a seguir «Surgicare»), à Fazenda Pública, a respeito da recusa desta em reembolsar o imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA») pago a montante pela Surgicare, com fundamento em ela ter usado abusivamente do seu direito a dedução.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 273.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112 prevê:

«Os Estados-Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados-Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.»

4        Nos termos do artigo 342.° desta diretiva:

«Os Estados-Membros podem tomar medidas relativas ao direito à dedução do IVA a fim de evitar que os sujeitos passivos revendedores abrangidos por um dos regimes previstos na secção 2 beneficiem de vantagens injustificadas ou sofram prejuízos injustificados.»

 Direito português

5        A Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.° 398/98, de 17 de dezembro, estabelece os princípios fundamentais do sistema fiscal, as garantias dos contribuintes e os poderes da Administração Tributária. O seu artigo 38.°, intitulado «Ineficácia de atos e negócios jurídicos», dispõe:

«1.      A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes.

2.      São ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação, ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.»

6        O Código de Procedimento e de Processo Tributário (a seguir «CPPT») foi aprovado pelo Decreto-Lei n.° 433/99, de 26 de outubro de 1999, e entrou em vigor em 1 de janeiro de 2000. O seu artigo 63.°, intitulado «Aplicação das normas antiabuso», na sua versão aplicável aos factos do processo principal, tinha a seguinte redação:

«1 — A liquidação dos tributos com base em quaisquer disposições antiabuso nos termos dos códigos e outras leis tributárias depende da abertura para o efeito de procedimento próprio.

2 — Consideram-se disposições antiabuso, para os efeitos do presente Código, quaisquer normas legais que consagrem a ineficácia perante a administração tributária de negócios ou atos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro modo seriam devidos.

3 — O procedimento referido no número anterior pode ser aberto no prazo de três anos após a realização do ato ou da celebração do negócio jurídico objeto da aplicação das disposições antiabuso.

4 — A aplicação das disposições antiabuso depende da audição do contribuinte, nos termos da lei.

5 — O direito de audição será exercido no prazo de 30 dias após a notificação, por carta registada, do contribuinte, para esse efeito.

6 — No prazo referido no número anterior, poderá o contribuinte apresentar as provas que entender pertinentes.

7 — A aplicação das disposições antiabuso será prévia e obrigatoriamente autorizada, após a observância do disposto nos números anteriores, pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário em quem ele tiver delegado essa competência.

8 — As disposições não serão aplicáveis se o contribuinte tiver solicitado à administração tributária informação vinculativa sobre os factos que a tiverem fundamentado e a administração tributária não responder no prazo de seis meses.

9 — Salvo quando de outro modo resulte de lei, a fundamentação da decisão referida no n.° 7 conterá:

a)      A descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado e da sua verdadeira substância económica;

b)      A indicação dos elementos que demonstrem que a celebração do negócio ou prática do ato tiveram como fim único ou determinante evitar a tributação que seria devida em caso de negócio ou ato de substância económica equivalente;

c)      A descrição dos negócios ou atos de substância económica equivalente aos efetivamente celebrados ou praticados e das normas de incidência que se lhes aplicam.

10 — A autorização referida no n.° 7 do presente artigo é passível de recurso contencioso autónomo.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

7        A Surgicare é uma sociedade de direito português cujas atividades consistem, por um lado, na construção, na exploração e na gestão de unidades de saúde pertencentes à própria sociedade ou a terceiras entidades, públicas ou privadas, e, por outro lado, na prestação de serviços médicos e cirúrgicos em geral, de cuidados no domicílio e ambulatórios, bem como em atividades de diagnóstico e terapêutica e em atividades conexas ou complementares.

8        Nos anos de 2003 a 2007, a Surgicare construiu, em terreno de sua propriedade, um estabelecimento hospitalar e equipou-o com material médico. Durante o período de construção e de montagem do estabelecimento hospitalar, a Surgicare não efetuou operações tributáveis, pelo que acumulou créditos de IVA.

9        Após a edificação do estabelecimento hospitalar, a Surgicare cedeu, a partir de 1 de julho de 2007, a exploração deste à Clínica Parque dos Poetas, SA, uma sociedade que tinha os mesmos acionistas e pertencia ao mesmo grupo de sociedades da Surgicare, ou seja, ao grupo Espírito Santo Saúde.

10      Na sequência desta cessão, que considerou uma operação sujeita a IVA, a Surgicare deduziu do imposto devido aos cofres do Estado a título de rendas recebidas do cessionário o IVA suportado na aquisição de bens e serviços relativos à construção e à montagem do estabelecimento hospitalar. Enquanto sujeito passivo misto, utilizou o método de afetação real de todos os bens e serviços adquiridos.

11      A Fazenda Pública efetuou uma inspeção à atividade da Surgicare, referente aos anos de 2005 a 2007, e concluiu que a referida sociedade usou abusivamente do direito ao reembolso do IVA. Segundo esta autoridade, a cessão de exploração a uma sociedade criada para o efeito pelo mesmo grupo de sociedades teve como único objetivo permitir à Surgicare justificar a posteriori a existência de um direito à dedução do IVA pago a montante no período em que decorreu a construção e o equipamento do imóvel, quando, se ela própria tivesse explorado esse estabelecimento hospitalar, não poderia ter beneficiado desse direito, uma vez que essa atividade está isenta de IVA. Por conseguinte, em 2010, a Fazenda Pública notificou à Surgicare um aviso de liquidação do IVA abusivamente deduzido por ela durante os exercícios dos anos 2005 a 2007, acrescido de juros compensatórios, ou seja, um montante total de 1 762 111,04 euros.

12      A Surgicare impugnou esse aviso de liquidação no Tribunal Tributário de Lisboa, considerando que este ato era ilegal porque, por um lado, a Fazenda Pública não tinha aplicado o procedimento especial obrigatório estabelecido no artigo 63.° do CPPT e, por outro lado, as práticas em causa não eram abusivas.

13      Por decisão de 25 de outubro de 2012, esse órgão jurisdicional julgou a impugnação improcedente. A Surgicare interpôs recurso desta decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.

14      Este último considera que a Fazenda Pública, caso suspeite da existência de uma prática abusiva, deve dar início ao procedimento previsto no artigo 63.° do CPPT. Todavia, sendo o sistema do IVA de génese comunitária, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre se deve ou não ser seguido este procedimento.

15      Nestas circunstâncias, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:

«Suspeitando a Administração Tributária de prática abusiva destinada a obter reembolso de IVA e prevendo o direito português um procedimento prévio obrigatório aplicável a práticas abusivas em matéria de impostos, deve ou não entender-se que tal procedimento é inaplicável em matéria de IVA atenta a génese comunitária deste imposto?»

 Quanto à questão prejudicial

 Quanto à admissibilidade

16      O Governo português sustenta, a título principal, que o pedido de decisão prejudicial é manifestamente inadmissível, pelos seguintes motivos: em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio não indica as disposições ou as regras do direito da União cuja interpretação pretende; em segundo lugar, não explica a natureza das suas dúvidas quanto à compatibilidade da regra de direito nacional em causa no processo principal com o direito da União; e, em terceiro lugar, apresenta duas versões diferentes do artigo 63.° do CPPT, não sendo nenhuma das duas pertinente para efeitos da apreciação dos factos em causa no processo principal. Além do mais, o artigo 63.° do CPPT é uma disposição de natureza exclusivamente interna, que não visa reproduzir nem transpor qualquer norma do direito da União, pelo que não compete ao Tribunal de Justiça, no contexto de um processo de reenvio prejudicial, pronunciar-se sobre o teor, o conteúdo ou o alcance dessa disposição de direito nacional.

17      Em primeiro lugar, no que respeita à imprecisão das disposições do direito da União cuja interpretação é pedida, há que recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando uma questão prejudicial se limita a remeter para o direito da União, sem mencionar as disposições desse direito a que é feita referência, cabe ao Tribunal de Justiça extrair do conjunto dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, nomeadamente da fundamentação da decisão de reenvio, as disposições de direito da União que necessitam de uma interpretação, tendo em conta o objeto do litígio (v., neste sentido, acórdãos Bekaert, 204/87, EU:C:1988:192, n.os 6 e 7, e Kattner Stahlbau, C-350/07, EU:C:2009:127, n.° 26).

18      Ora, resulta claramente da decisão de reenvio que esta questão visa determinar se o direito da União em matéria de IVA, nomeadamente as disposições desse direito relativas ao combate à fraude ao IVA, se opõe ao estabelecimento, no direito interno, de um procedimento administrativo que a Administração Tributária é obrigada a aplicar quando suspeite da existência de uma prática abusiva em matéria fiscal.

19      A este respeito, importa recordar que o combate à fraude, à evasão fiscal e aos eventuais abusos é um objetivo reconhecido e incentivado pelas diretivas da União em matéria de IVA (v. acórdãos Gemeente Leusden e Holin Groep, C-487/01 e C-7/02, EU:C:2004:263, n.° 76; Halifax e o., C-255/02, EU:C:2006:121, n.° 71; R., C-285/09, EU:C:2010:742, n.° 36; Tanoarch, C-504/10, EU:C:2011:707, n.° 50; e Bonik, C-285/11, EU:C:2012:774, n.° 35).

20      Assim, em conformidade com o artigo 273.° da Diretiva 2006/112, os Estados-Membros podem tomar as medidas necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude. No que respeita, nomeadamente, ao direito a dedução do IVA, os Estados-Membros estão habilitados, em virtude do artigo 342.° da mesma diretiva, a prever os mecanismos que permitam evitar que os sujeitos passivos beneficiem de vantagens injustificadas ou sofram prejuízos injustificados.

21      Em segundo lugar, quanto ao facto de o órgão jurisdicional de reenvio não ter precisado as razões por que teve dúvidas sobre a compatibilidade do direito nacional com o direito da União, há que salientar que o referido órgão jurisdicional apresentou ao Tribunal de Justiça os argumentos em que as partes manifestavam essas dúvidas. Quanto à necessidade de resposta à questão submetida, para a resolução do litígio no processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, caso o Tribunal de Justiça venha a concluir pela compatibilidade deste procedimento nacional com o direito da União, já não haveria que examinar a questão de saber se podia ser declarada uma prática abusiva nas circunstâncias do processo principal.

22      Em terceiro lugar, no que respeita à apresentação pretensamente inexata da regulamentação nacional na decisão de reenvio, há que recordar que cabe ao Tribunal de Justiça ter em conta o contexto factual e regulamentar tal como definido pelo órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, a determinação da legislação nacional aplicável ratione temporis constitui uma questão de interpretação do direito nacional que não é da competência do Tribunal de Justiça no âmbito de um pedido de decisão prejudicial (v. acórdão Texdata Software, C-418/11, EU:C:2013:588, n.os 29 e 41). Por conseguinte, há que responder à questão submetida, tendo em conta a versão do artigo 63.° do CPPT que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, era aplicável na altura dos factos em causa no processo principal.

23      Resulta do que precede que o presente pedido de decisão prejudicial é admissível.

 Quanto ao mérito

24      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2006/112 se opõe à aplicação prévia e obrigatória de um procedimento administrativo nacional, como o previsto no artigo 63.° do CPPT, no caso de a Administração Tributária suspeitar da existência de uma prática abusiva.

25      Embora a Diretiva 2006/112 habilite os Estados-Membros, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.° 19 do presente acórdão, a tomarem as medidas necessárias para garantir a cobrança exata do imposto e para evitar a fraude, não contém nenhuma disposição que precise em concreto o conteúdo das medidas que devem ser tomadas pelos Estados-Membros para esse efeito.

26      Na falta de regulamentação da União nesta matéria, a implementação de medidas de combate à fraude ao IVA compete ao ordenamento jurídico interno dos Estados-Membros ao abrigo do princípio da autonomia processual destes últimos. A este respeito, resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que cabe à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro, nomeadamente, não só designar as autoridades competentes para combater a fraude ao IVA mas também regular as modalidades dos procedimentos destinados a assegurar a salvaguarda dos direitos que o direito da União confere aos particulares, desde que essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e não tornem, na prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (v., neste sentido, acórdãos Marks & Spencer, C-62/00, EU:C:2002:435, n.° 34; Fallimento Olimpiclub, C-2/08, EU:C:2009:506, n.° 24; Alstom Power Hydro, C-472/08, EU:C:2010:32, n.° 17; e ADV Allround, C-218/10, EU:C:2012:35, n.° 35).

27      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a compatibilidade das medidas nacionais com esses princípios, tendo em conta todas as circunstâncias do processo principal (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., C-591/10, EU:C:2012:478, n.° 30). Todavia, o Tribunal de Justiça, ao pronunciar-se sobre um reenvio prejudicial, pode fornecer-lhe todos os elementos úteis a esse respeito (v., nomeadamente, neste sentido, acórdão Partena, C-137/11, EU:C:2012:593, n.° 30).

28      Em primeiro lugar, no que respeita ao princípio da efetividade, importa recordar que cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos que a ordem jurídica da União confere aos particulares deve ser analisado tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, na tramitação deste e nas suas particularidades, perante as várias instâncias nacionais. Nesta perspetiva, há que tomar em consideração os princípios que estão na base do sistema jurisdicional nacional, como a proteção dos direitos de defesa, o princípio da segurança jurídica e a correta tramitação do processo (v. acórdãos Peterbroeck, C-312/93, EU:C:1995:437, n.° 14, e Fallimento Olimpiclub, EU:C:2009:506, n.° 27).

29      No caso vertente, importa salientar que o procedimento especial previsto no artigo 63.° do CPPT, sujeito a um prazo de prescrição de três anos, se caracteriza pela audição da pessoa em causa no prazo de 30 dias, pela apresentação, pelo interessado, das provas que entender pertinentes e pela obtenção de uma autorização do dirigente máximo do serviço ou do funcionário em quem este último tiver delegado a competência para aplicar as disposições antiabuso. Além disso, em conformidade com esta disposição, a decisão proferida deve ser fundamentada. Resulta destes elementos que o referido procedimento nacional é favorável à pessoa suspeita de ter cometido um abuso de direito, na medida em que visa garantir o respeito de certos direitos fundamentais, nomeadamente o direito de ser ouvido.

30      Em segundo lugar, quanto ao princípio da equivalência, importa recordar que o respeito desse princípio pressupõe que a regra nacional em causa seja aplicável indiferentemente aos recursos fundados na violação do direito da União e aos fundados na violação do direito interno que tenham um objeto e uma causa semelhantes (v. acórdão Littlewoods Retail e o., EU:C:2012:478, n.° 31).

31      No que respeita ao processo principal, como resulta das considerações que figuram no n.° 29 do presente acórdão, não se pode excluir que o respeito do princípio da equivalência imponha a aplicação do procedimento especial quando um sujeito passivo é suspeito da prática de uma fraude ao IVA.

32      Em qualquer caso, tendo em conta os elementos apresentados ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional nacional, não se afigura que a aplicação do procedimento nacional previsto no artigo 63.° do CPPT contrarie o objetivo do combate à fraude, à evasão fiscal e aos eventuais abusos, reconhecido pela jurisprudência referida no n.° 19 do presente acórdão.

33      Além disso, embora a aplicação efetiva desse objetivo deva ser assegurada pelo legislador nacional, também é verdade que este é obrigado, nesse âmbito, a respeitar as exigências de uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos que o direito da União confere aos particulares, como é garantida pelo artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (v., neste sentido, acórdão Banif Plus Bank, C-472/11, EU:C:2013:88, n.° 29 e jurisprudência referida).

34      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida que a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que não se opõe à aplicação prévia e obrigatória de um procedimento administrativo nacional, como o previsto no artigo 63.° do CPPT, no caso de a Administração Tributária suspeitar da existência de uma prática abusiva.

 Quanto às despesas

35      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe à aplicação prévia e obrigatória de um procedimento administrativo nacional, como o previsto no artigo 63.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no caso de a Administração Tributária suspeitar da existência de uma prática abusiva.

Assinaturas


* Língua do processo: português.