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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

17 de dezembro de 2015 (*)

«Reenvio prejudicial – Reconhecimento das qualificações profissionais – Diretiva 2005/36/CE – Artigo 5.° – Livre prestação de serviços – Diretiva 2006/123/CE – Artigos 16.° e 17.°, ponto 6 – Artigo 56.° TFUE – Sociedade de consultores fiscais estabelecida num Estado-Membro e que presta serviços noutro Estado-Membro – Legislação de um Estado-Membro que exige o registo e o reconhecimento das sociedades de consultores fiscais»

No processo C-342/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Bundesfinanzhof (Tribunal Tributário Federal, Alemanha), por decisão de 20 de maio de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de julho de 2014, no processo

X-Steuerberatungsgesellschaft

contra

Finanzamt Hannover-Nord,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: L. Bay Larsen, presidente da Terceira Secção, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, J. Malenovský, M. Safjan, A. Prechal (relator) e K. Jürimäe, juízes,

advogado-geral: P. Cruz Villalón,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 13 de maio de 2015,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da X-Steuerberatungsgesellschaft, por H.-P. Taplick, Belastingadviseur, e K. Hübner, Rechtsanwalt,

–        em representação do Finanzamt Hannover-Nord, por S. Rechlin e B. Beckmann, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo alemão, por T. Henze e B. Beutler, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman, M. de Ree e B. Koopman, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por W. Mölls, H. Støvlbæk e H. Tserepa-Lacombe, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 1 de outubro de 2015,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.° da Diretiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais (JO L 255, p. 22), como alterado pelo Regulamento (UE) n.° 623/2012 da Comissão, de 11 de julho de 2012 (JO L 180, p. 9, a seguir «Diretiva 2005/36»), do artigo 16.° da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO L 376, p. 36), e do artigo 56.° TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no contexto de um litígio que opõe a X-Steuerberatungsgesellschaft (a seguir «X») ao Finanzamt Hannover-Nord (Serviço de finanças de Hannover-Norte, a seguir «Finanzamt») a propósito da recusa deste último em reconhecer a X como representante de uma sociedade no âmbito de um procedimento de fixação do imposto sobre o volume de negócios.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2005/36

3        O artigo 1.° da Diretiva 2005/36, com a epígrafe «Objeto», prevê:

«A presente diretiva estabelece as regras segundo as quais um Estado-Membro que subordina o acesso a uma profissão regulamentada ou o respetivo exercício no seu território à posse de determinadas qualificações profissionais (adiante denominado ‘Estado-Membro de acolhimento’) reconhece, para o acesso a essa profissão e para o seu exercício, as qualificações profissionais adquiridas noutro ou em vários outros Estados-Membros […] que permitem ao seu titular nele exercer a mesma profissão.»

4        O artigo 2.° da referida diretiva, intitulado «Âmbito de aplicação», prevê, no seu n.° 1:

«A presente diretiva é aplicável a qualquer nacional de um Estado-Membro que pretenda exercer uma profissão regulamentada, incluindo as profissões liberais, por conta própria ou por conta de outrem, num Estado-Membro diferente daquele em que adquiriu as suas qualificações profissionais.»

5        No Título II da referida diretiva, intitulado «Livre prestação de serviços», figura o artigo 5.°, com a epígrafe «Princípio da livre prestação de serviços». O referido artigo 5.° dispõe:

«1.      […] [O]s Estados-Membros não poderão restringir, por razões relativas às qualificações profissionais, a livre prestação de serviços noutro Estado-Membro:

a)      Se o prestador de serviços estiver legalmente estabelecido num Estado-Membro para nele exercer a mesma profissão (adiante designado ‘Estado-Membro de estabelecimento’); e

b)      Em caso de deslocação, se o prestador de serviços tiver exercido essa profissão no Estado-Membro de estabelecimento durante, pelo menos, dois anos no decurso dos 10 anos anteriores à prestação de serviços, se a profissão não se encontrar aí regulamentada. A condição relativa aos dois anos de exercício não se aplicará se a profissão ou a formação conducente à profissão estiver regulamentada.

2.      As disposições do presente título apenas serão aplicáveis quando o prestador de serviços se deslocar ao território do Estado-Membro de acolhimento para exercer, de forma temporária e ocasional, a profissão referida no n.° 1.

[...]»

 Diretiva 2006/123

6        O artigo 16.° da Diretiva 2006/123, com a epígrafe «Liberdade de prestação de serviços», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1. Os Estados-Membros devem respeitar o direito de os prestadores prestarem serviços num Estado-Membro diferente daquele em que se encontram estabelecidos.

O Estado-Membro em que o serviço é prestado deve assegurar o livre acesso e exercício da atividade no setor dos serviços no seu território.

[...]

2.      Os Estados-Membros não podem restringir a liberdade de prestar serviços de um prestador estabelecido noutro Estado-Membro através da imposição de algum dos seguintes requisitos:

[...]»

7        Nos termos do artigo 17.° da referida diretiva, com a epígrafe «Exceções adicionais à liberdade de prestação de serviços»:

«O artigo 16.° não é aplicável:

[...]

6)      Às matérias abrangidas pelo Título II da Diretiva [2005/36], bem como às disposições dos Estados-Membros onde o serviço é prestado que reservam certas atividades a uma profissão determinada;

[...]».

 Direito alemão

8        Nos termos do § 80, n.° 5, do Código dos Impostos (Abgabenordnung), na sua versão em vigor durante o período em causa no processo principal (a seguir «Código dos Impostos»), os representantes e os consultores que prestam assistência em matéria fiscal a título profissional sem estarem habilitados para o efeito não estão autorizados a representar ou a assistir os respetivos mandantes ou clientes perante a Administração Fiscal.

9        Nos termos do § 2, primeiro período, da Lei relativa à assistência em matéria fiscal (Steuerberatungsgesetz, BGBl. 1975 I, p. 2735), na sua versão em vigor durante o período em causa no processo principal (a seguir «Lei relativa à assistência em matéria fiscal»), uma atividade de assistência em matéria fiscal só pode ser prestada por pessoas ou associações habilitadas para esse efeito.

10      Nos termos do § 3 da Lei relativa à assistência em matéria fiscal:

«Estão habilitados a prestar assistência em matéria fiscal a título profissional:

«1)      os consultores fiscais, os representantes fiscais, os advogados, os advogados europeus estabelecidos, os auditores e técnicos de contas acreditados;

2)      as sociedades civis profissionais cujos sócios sejam exclusivamente as pessoas referidas no n.° 1 supra;

3)      as sociedades de consultores fiscais, as sociedades de advogados, as sociedades de auditoria e as sociedades de técnicos de contas.»

11      A assistência em matéria fiscal exercida de forma temporária e ocasional é regida pelo § 3a da Lei relativa à assistência em matéria fiscal, que visa aplicar a Diretiva 2005/36/CE no que diz respeito à assistência em matéria fiscal a título profissional na Alemanha por pessoas e associações de outro Estado-Membro. Este preceito tem a seguinte redação:

«1.      As pessoas que estão profissionalmente estabelecidas noutro Estado-Membro da União Europeia ou noutro Estado parte do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu [, de 2 maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3)] ou na Suíça e aí prestam legalmente serviços de assistência fiscal a título profissional segundo o direito do Estado de estabelecimento podem prestar, de forma temporária e ocasional, serviços de assistência em matéria fiscal, a título profissional, no território da República Federal da Alemanha. O alcance da autorização para prestar serviços de assistência em matéria fiscal na Alemanha depende do alcance da autorização de que esses serviços gozam no Estado de estabelecimento. No exercício da sua atividade na Alemanha, as referidas pessoas estão sujeitas às mesmas regras profissionais a que estão sujeitas as pessoas mencionadas no § 3. No caso de no Estado de estabelecimento, não estarem regulamentadas nem a profissão nem a formação exigida para o respetivo exercício, a autorização para a prestação de serviços de assistência em matéria fiscal na Alemanha, a título profissional, só se aplica se o interessado tiver exercido a profissão nesse Estado durante pelo menos dois anos nos últimos dez anos. [...]

2.      A assistência em matéria fiscal a título profissional nos termos do n.° 1 só é permitida se antes de primeira prestação na Alemanha o interessado tiver apresentado uma declaração escrita no serviço competente.

[...]

A declaração deve conter os seguintes elementos:

[...]

5)      um certificado em que conste que o interessado se encontra legalmente estabelecido para o exercício da atividade de assistência em matéria fiscal a título profissional num Estado-Membro da União Europeia ou num Estado parte do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu ou na Suíça e que, no momento da apresentação do certificado, não está proibido do exercício dessa atividade, ainda que temporariamente;

6)      uma prova da qualificação profissional;

7)      uma prova que demonstre que o interessado exerceu a profissão no Estado de estabelecimento pelo menos dois anos durante os dez últimos anos, se nesse Estado não estiverem regulamentadas a profissão nem a formação exigida para o respetivo exercício;

[...]»

12      O § 5, n.° 1, primeira frase, da Lei relativa à assistência em matéria fiscal prevê:

«As pessoas e associações que não sejam as mencionadas nos §§ 3, 3a e 4 […] não podem prestar assistência em matéria fiscal a título profissional e não podem, em especial, prestar conselho a título profissional em matéria fiscal.»

13      O § 32 da Lei relativa à assistência em matéria fiscal dispõe:

«1.      Os consultores fiscais, os representantes fiscais e as sociedades de consultores fiscais prestam assistência em matéria fiscal a título profissional nos termos do disposto na presente lei.

2.      Os consultores fiscais e os representantes fiscais devem ser nomeados e exercem uma profissão liberal. A sua atividade não é uma atividade comercial.

3.      As sociedades de consultores fiscais devem ser reconhecidas. O reconhecimento exige prova de que a sociedade é gerida sob a responsabilidade de um consultor fiscal.

14      Segundo o § 35, n.° 1, primeira frase, da Lei relativa à assistência em matéria fiscal, só deve ser nomeado consultor fiscal quem tiver sido aprovado no exame de consultor fiscal ou tiver sido dispensado do mesmo.

 Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      Resulta da decisão de reenvio que a X é a uma sociedade de capitais de direito britânico com sede no Reino Unido e filiais na Bélgica e nos Países Baixos. Tem por objeto a consultoria empresarial, a consultoria fiscal e a contabilidade. Não está reconhecida como sociedade de consultores fiscais nos termos da Lei relativa à assistência em matéria fiscal.

16      A X presta aconselhamento em matéria fiscal a vários clientes estabelecidos na Alemanha, assegurando a respetiva representação em procedimentos administrativos fiscais. Para os envios postais, designou como representante encarregado de receber as notificações a A -Ltd, uma empresa de serviços administrativos estabelecida na Alemanha.

17      A X participou na elaboração da declaração de imposto sobre o volume de negócios relativa ao exercício de 2010 da C –Ltd, estabelecida na Alemanha. Esta declaração chegou ao Finanzamt no início de 2012. Por decisão de 12 de março de 2012, este recusou reconhecer a X como representante da C –Ltd no procedimento de fixação do imposto sobre o volume de negócios relativo ao exercício de 2010, em aplicação do § 80, n.° 5, do Código dos Impostos. O motivo indicado foi o facto de a X não estar habilitada a prestar assistência em matéria fiscal a título profissional.

18      A X recorreu para o Finanzgericht Niedersachsen (Tribunal Tributário da Baixa Saxónia), que negou provimento ao recurso.

19      Tendo-lhe sido apresentado um recurso de «Revision», o órgão jurisdicional de reenvio constata que estão reunidos os requisitos do § 80, n.° 5, do Código dos Impostos para que a X não seja autorizada a intervir como representante perante a Administração Fiscal. Com efeito, a X não estava habilitada a prestar assistência em matéria fiscal a título profissional quer nos termos do § 3, ponto 3, da Lei relativa à assistência em matéria fiscal quer nos termos do § 3a da mesma. Contudo, tendo a X invocado, designadamente, os artigos 5.° da Diretiva 2005/36, 16.° da Diretiva 2006/123 e 56.° TFUE, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta-se se a X pode invocar diretamente estas disposições com sucesso.

20      O referido órgão jurisdicional explica que tem dúvidas quanto à situação de uma sociedade de consultores fiscais, constituída em conformidade com a legislação de um Estado-Membro, que elabora, no Estado-Membro onde tem o seu estabelecimento e no qual a atividade de consultoria fiscal não está regulamentada, uma declaração fiscal para um destinatário noutro Estado-Membro e que envia a referida declaração para a autoridade tributária deste último, no qual as disposições nacionais preveem uma regulamentação dessa atividade.

21      Este clarifica que o Finanzgericht Niedersachsen (Tribunal Fiscal da Baixa Saxónia) ainda não determinou se a X prestou efetivamente o serviço em causa no Estado-Membro onde se encontra estabelecida, isto é, no Reino dos Países Baixos, ou se a mesma se encontra também estabelecida no Estado-Membro do destinatário desta prestação, isto é, na República Federal da Alemanha.

22      No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio considera que esta circunstância não obsta ao reenvio prejudicial. Com efeito, independentemente do facto de que não pode por si próprio proceder às averiguações de facto em falta, é possível ao Finanzgericht Niedersachsen, ao qual cabe apurar os factos, assumir que a X prestou o serviço em causa nos Países Baixos e que não se encontra estabelecida na Alemanha. As respostas dadas pelo Tribunal às questões de direito suscitadas permitem, em seguida, determinar, por um lado, se o Finanzgericht Niedersachsen deve proceder a averiguações e, por outro, se for esse o caso, qual o objeto das mesmas.

23      Relativamente ao artigo 5.° da Diretiva 2005/36, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se, por um lado, sobre a questão de saber se esta disposição é efetivamente aplicável a uma sociedade prestadora de serviços. O facto de o artigo 2.°, n.° 1, da referida diretiva prever a aplicação da mesma apenas aos nacionais e não às sociedades pode, com efeito, obstar a tal. No entanto, é possível que seja necessário ter em conta, a este respeito, as pessoas que têm a responsabilidade da gestão da sociedade em causa.

24      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta-se se uma prestação que se inscreve no exercício de uma profissão regulamentada no Estado-Membro de acolhimento, mas que é efetuada sem transposição física de uma fronteira pelas pessoas que agem por conta da sociedade em causa, está abrangida pelo artigo 5.° da referida diretiva.

25      No que diz respeito ao artigo 16.° da Diretiva 2006/123, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, caso a sociedade de consultores fiscais preste o serviço no Estado-Membro em que se encontra estabelecida, a aplicação deste preceito pode, segundo a redação do mesmo, ser afastada. Com efeito, nos termos do referido preceito, os Estados-Membros respeitam o direito de os prestadores de serviços prestarem serviços num Estado-Membro diferente daquele em que se encontram estabelecidos. Os serviços prestados no território do Estado-Membro de estabelecimento não devem, consequentemente, estar abrangidos pelo referido preceito.

26      Se, em contrapartida, uma sociedade de consultores fiscais prestar serviços num Estado-Membro diferente daquele onde se encontra estabelecida, o artigo 16.° da referida diretiva pode, nos termos do respetivo artigo 17.°, ponto 6, não lhe ser aplicável, na medida em que no Estado-Membro em que o serviço é prestado a atividade de consultoria fiscal está reservada a uma profissão específica.

27      Relativamente ao artigo 56.° TFUE, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a legislação em causa no processo principal constitui uma restrição à livre prestação de serviços. Com efeito, a referida legislação não permite que uma sociedade constituída em conformidade com a legislação de outro Estado-Membro, que tem a sua sede nesse Estado e cuja gestão não está sob a responsabilidade de consultores fiscais, seja reconhecida na Alemanha como sociedade de consultores fiscais e possa prestar livremente assistência em matéria fiscal a título profissional. Este reconhecimento pressupõe, com efeito, que seja demonstrado que sociedade é gerida sob a responsabilidade de consultores fiscais, entendendo-se que apenas uma pessoa que tenha sido aprovado no exame de consultor fiscal ou que tenha sido dispensada do mesmo pode ser nomeada conselheiro fiscal.

28      O referido órgão jurisdicional acrescenta que uma sociedade que não está habilitada a exercer assistência em matéria fiscal a título profissional pode, no máximo, segundo o § 3a da Lei relativa à assistência em matéria fiscal, estar habilitada a prestar, de forma temporária e ocasional, assistência em matéria fiscal no território da República Federal da Alemanha. No entanto, esta disposição não abrange os serviços que uma sociedade presta noutro Estado-Membro sem que as pessoas que atuam em representação dessa sociedade se desloquem ao território da República Federal da Alemanha.

29      O órgão jurisdicional de reenvio pergunta-se, assim, se esta restrição à livre prestação de serviços é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral. Considera que tal justificação poderia residir na necessidade de garantir o respeito da legislação fiscal e de prevenir a evasão fiscal, que constitui precisamente o objetivo da legislação em causa no processo principal. Em especial, a limitação do acesso à atividade de consultoria fiscal a certas pessoas ou determinadas sociedades visa garantir aos contribuintes uma assistência qualificada no cumprimento das suas obrigações fiscais.

30      Além disso, o referido órgão jurisdicional observa que os contribuintes devem também ser protegidos contra os danos que podem resultar de aconselhamento em matéria fiscal prestado por pessoas que não possuem a qualificação profissional ou pessoal exigidas para o fazer. A habilitação prevista no § 3 da Lei relativa à assistência em matéria fiscal contribui também, consequentemente, para proteger os interesses dos contribuintes aos quais são prestados, enquanto consumidores, serviços de consultoria.

31      O órgão jurisdicional de reenvio considera também que, tendo em conta a complexidade do direito fiscal alemão e as constantes modificações das normas fiscais, a legislação em causa no processo principal parece apropriada e necessária para prosseguir os objetivos supra mencionados.

32      Nestas condições, o Bundesfinanzhof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 5.° da Diretiva [2005/36] opõe-se a uma restrição à livre prestação de serviços numa situação em que uma sociedade de consultores fiscais constituída nos termos das disposições legais de um Estado-Membro elabora, no Estado-Membro onde está estabelecida e no qual a atividade de consultor fiscal não está regulamentada, uma declaração de impostos para um destinatário das prestações noutro Estado-Membro e a envia à autoridade tributária deste outro Estado-Membro, cuja legislação prevê que uma sociedade de consultores fiscais, para poder prestar serviços de assistência em matéria fiscal a título profissional, necessita de um reconhecimento e deve ser gerida sob a responsabilidade de consultores fiscais?

2)      Pode uma sociedade de consultores fiscais, nas circunstâncias descritas na primeira questão, invocar utilmente o artigo 16.°, n.os 1 e 2, da Diretiva [2006/123], independentemente de em qual dos dois Estados-Membros realiza a prestação de serviços?

3)      Deve o artigo 56.° TFUE ser interpretado no sentido de que, nas circunstâncias referidas na primeira questão, se opõe a uma restrição à livre prestação de serviços imposta pelas disposições legais em vigor no Estado-Membro do destinatário das prestações, quando a sociedade de consultores fiscais não está estabelecida no Estado-Membro do destinatário?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Observações preliminares

33      Com as suas questões, o órgão jurisdicional de reenvio coloca a questão preliminar de saber se uma prestação de serviços como a que está em causa no processo principal está abrangida pelo artigo 5.° da Diretiva 2005/36, pelo artigo 16.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2006/123 e/ou pelo artigo 56.° TFUE.

34      Como resulta de decisão de reenvio, as questões partem do princípio de que a X presta assistência em matéria fiscal a título profissional a clientes na Alemanha, a partir dos Países Baixos e sem que as pessoas que atuam em representação dessa sociedade se desloquem ao território da República Federal da Alemanha.

35      Ora, há que salientar, por um lado, que esta prestação de serviços não está abrangida pelo artigo 5.° da Diretiva 2005/36. Com efeito, o n.° 2 do referido artigo prevê expressamente que as disposições do título II desta diretiva, incluindo o referido artigo 5.°, apenas serão aplicáveis quando o prestador de serviços se deslocar ao território do Estado-Membro de acolhimento. Tal não é o caso de uma prestação de serviços como a que está em causa no processo principal.

36      Por outro lado, relativamente ao artigo 16.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2006/123, há que recordar que, nos termos do artigo 17.°, ponto 6, da mesma, o artigo 16.° desta diretiva não se aplica, em qualquer caso, às matérias abrangidas pelo Título II da Diretiva 2005/36, bem como às exigências em vigor nos Estados-Membros em que o serviço é prestado, que reservam certas atividades a uma profissão determinada.

37      Como resulta da decisão de reenvio, uma legislação como a que está em causa no processo principal define as condições de acesso à atividade de assistência em matéria fiscal a título profissional e proíbe quem não reúne essas condições de exercer esta atividade. Deve, assim, considerar-se que reserva uma atividade a uma profissão determinada na aceção do artigo 17.°, ponto 6, da Diretiva 2006/123.

38      Nestas condições, como salienta o advogado-geral no n.° 53 das suas conclusões, as exigências resultantes de tal legislação estão abrangidas pela exclusão do âmbito de aplicação do artigo 16.° da referida diretiva, prevista no artigo 17.°, ponto 6, da mesma.

39      Esta interpretação não pode ser posta em causa pelo facto de, como resulta do n.° 35 do presente acórdão, uma prestação de serviços como a que está em causa no processo principal não estar abrangida pelo Título II da Diretiva 2005/36. Com efeito, como confirmado pela própria letra do artigo 17.°, ponto 6, da Diretiva 2006/123, a exclusão prevista nesta disposição não se limita apenas às matérias abrangidas pelo Título II.

40      Daqui decorre que uma prestação de serviços como a que está em causa no processo principal não está abrangida pelo artigo 5.° da Diretiva 2005/36 nem pelo artigo 16.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2006/123.

41      Em contrapartida, um serviço como o que está em causa no processo principal, que reveste um caráter transfronteiriço, está abrangido pelo artigo 56.° TFUE (v., por analogia, acórdão OSA, C-351/12, EU:C:2014:110, n.° 68).

42      Nestas condições, apenas há que responder à terceira questão.

 Quanto à terceira questão

43      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 56.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que define as condições de acesso à atividade de assistência em matéria fiscal a título profissional, restringindo a livre prestação dos serviços de uma sociedade de consultores fiscais constituída em conformidade com a legislação de outro Estado-Membro no qual esta sociedade se encontra estabelecida e que elabora, neste último Estado-Membro em que a atividade de consultoria fiscal não está regulamentada, uma declaração fiscal para um destinatário naquele primeiro Estado-Membro e a envia à Administração Fiscal do mesmo.

44      A este respeito, há que recordar que, na falta de harmonização das condições de acesso a uma profissão, os Estados-Membros têm o direito de definir os conhecimentos e as habilitações necessários para o exercício dessa profissão (v., nomeadamente, acórdão Brouillard, C-298/14, EU:C:2015:652, n.° 48 e jurisprudência referida).

45      Não estando atualmente as condições de acesso à atividade de assistência em matéria fiscal a título profissional harmonizadas ao nível da União, os Estados-Membros continuam a ter competência para definir essas condições (v., por analogia, acórdão Brouillard, C-298/14, EU:C:2015:652, n.° 49).

46      Daqui resulta que, no presente caso, o direito da União não se opõe a que a legislação alemã subordine o acesso à referida atividade à posse dos conhecimentos e qualificações julgados necessários (v., por analogia, acórdão Brouillard, C-298/14, EU:C:2015:652, n.° 50).

47      Não deixa, porém, de ser verdade que os Estados-Membros devem exercer as suas competências neste domínio respeitando as liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE (acórdão Brouillard, C-298/14, EU:C:2015:652, n.° 51 e jurisprudência referida).

48      Relativamente à livre prestação dos serviços, resulta de jurisprudência constante do Tribunal que o artigo 56.° TFUE exige não só a eliminação de qualquer discriminação contra o prestador de serviços em razão da sua nacionalidade ou da circunstância de estar estabelecido num Estado-Membro diferente daquele em que a prestação deve ser executada, mas também a supressão de qualquer restrição, ainda que indistintamente aplicada aos prestadores nacionais e de outros Estados-Membros, quando esta seja suscetível de impedir, perturbar ou tornar menos atrativas as atividades do prestador estabelecido noutro Estado-Membro, onde presta legalmente serviços análogos (v., nomeadamente, acórdão Konstantinides, C-475/11, EU:C:2013:542, n.° 44).

49      Como salientou o advogado-geral nos n.os 66 e 67 das suas conclusões, uma legislação como a que está em causa no processo principal constitui uma restrição à livre prestação de serviços. Com efeito, ao sujeitar o exercício de assistência em matéria fiscal a título profissional por parte de uma sociedade de consultores fiscais a um regime de autorização prévia, autorização essa que está, ela própria, subordinada à qualificação profissional idónea dos seus gerentes, esta legislação impede qualquer possibilidade de uma sociedade de consultores fiscais, estabelecida noutro Estado-Membro em que essa atividade é legalmente exercida sem regulamentação, prestar serviços na Alemanha.

50      É verdade que uma sociedade de consultores fiscais que não está habilitada a exercer assistência em matéria fiscal a título profissional pode, segundo o § 3a da Lei relativa à assistência em matéria fiscal, estar habilitada a prestar, de forma temporária e ocasional, assistência em matéria fiscal no território da República Federal da Alemanha.

51      Contudo, resulta das precisões apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, retomadas no n.° 28 do presente acórdão, que este artigo não se aplica a uma prestação de serviços como a que está em causa no processo principal, que não implica deslocação física do prestador de serviços ao Estado-Membro de acolhimento.

52      Quanto à justificação da restrição constituída por uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, segundo jurisprudência consolidada, as medidas nacionais que possam perturbar ou tornar menos atrativo o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado só podem ser admitidas na condição de prosseguirem um objetivo de interesse geral, serem adequadas a garantir a sua realização e não ultrapassarem o que é necessário para atingir o objetivo prosseguido (v., designadamente, acórdão Konstantinides, C-475/11, EU:C:2013:542, n.° 50).

53      De uma forma geral, importa salientar que a prevenção da evasão fiscal e a proteção dos consumidores, que, como resulta da decisão de reenvio, constituem objetivos prosseguidos pela legislação em causa no processo principal, são objetivos que podem ser considerados razões imperiosas de interesse geral suscetíveis de justificar uma restrição à livre prestação dos serviços (v., neste sentido, acórdãos Konstantinides, C-475/11, EU:C:2013:542, n.° 51 e jurisprudência referida, bem como Comissão/Espanha, C-678/11, EU:C:2014:2434, n.° 45 e jurisprudência referida).

54      No entanto, resulta de jurisprudência constante do Tribunal que cabe às autoridades nacionais assegurar que as qualificações adquiridas noutros Estados-Membros sejam reconhecidas pelo seu justo valor e devidamente tidas em consideração (v. acórdão Peñarroja Fa, C-372/09 e C-373/09, EU:C:2011:156, n.° 58 e jurisprudência referida).

55      Contudo, no presente caso, não resulta dos autos submetidos aos Tribunal que, relativamente a uma prestação de serviços que não implica a transposição física de fronteiras pelo prestador de serviços ou por pessoas atuando em seu nome, a legislação em causa no processo principal permite reconhecer pelo seu justo valor e ter devidamente em consideração uma qualificação no domínio da assistência em matéria fiscal a título profissional adquirida por esses prestador de serviços ou por essas pessoas noutro Estado-Membro.

56      É verdade que uma obrigação imposta a um prestador de serviços de assistência em matéria fiscal a título profissional, como a X, de proceder a uma simples declaração prévia às autoridades do Estado-Membro no qual o acesso à atividade de assistência em matéria fiscal a título profissional é regulamentado, e no qual o referido prestador de serviços pretende prestar tais serviços, da sua intenção a esse respeito, não vai, em princípio, além do necessário para atingir os objetivos de prevenção da evasão fiscal e de proteção dos consumidores, prosseguidos por uma legislação como a que está em causa no processo principal. Esta obrigação é suscetível de permitir às autoridades proceder à verificação das qualificações adquiridas, sendo o caso, por via da experiência, pelo referido prestador de serviços ou pelas pessoas físicas que prestam por este o serviço em questão noutros Estados-Membros no domínio específico da fiscalidade em que esse mesmo prestador de serviços pretende exercer a sua atividade (v., por analogia, acórdão Essent Energie Productie, C-91/13, EU:C:2014:2206, n.os 57 e 58, bem como a jurisprudência referida).

57      Todavia, como resulta do n.° 28 do presente acórdão, a disposição que, segundo o Finanzamt e a República Federal da Alemanha, permite o referido reconhecimento e tomada em consideração, a saber, o § 3a da Lei relativa à assistência em matéria fiscal, não é aplicável a tal prestação de serviços, segundo as precisões apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

58      Além disso, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, as autoridades de um Estado-Membro não podem, em qualquer caso, opor validamente a um prestador de serviços como a X o eventual desrespeito das regras prescritas por uma disposição como o § 3a da Lei relativa à assistência em matéria fiscal, na medida em que as modalidades de aplicação da referida disposição a esse prestador não eram claras.

59      Com efeito, o princípio da segurança jurídica exige, nomeadamente, que as normas jurídicas sejam claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, em particular quando podem ter consequências desfavoráveis para os indivíduos e as empresas (v. acórdão Berlington Hungary e o., C-98/14, EU:C:2015:386, n.° 77 e jurisprudência referida).

60      Consequentemente, há que responder à terceira questão que o artigo 56.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma legislação de um Estado-Membro que define as condições de acesso à atividade de assistência em matéria fiscal a título profissional restrinja a livre prestação dos serviços de uma sociedade de consultores fiscais, constituída em conformidade com a legislação de outro Estado-Membro no qual esta sociedade se encontra estabelecida, que elabora, neste último Estado-Membro em que a atividade de consultoria fiscal não está regulamentada, uma declaração fiscal para um destinatário nesse primeiro Estado-Membro e a envia à Administração Fiscal do mesmo, sem que seja reconhecida pelo seu justo valor e devidamente tida em consideração a qualificação adquirida noutros Estados-Membros pela referida sociedade, ou pelas pessoas singulares que efetuam em representação desta a prestação de serviços de assistência em matéria fiscal a título profissional.

 Quanto às despesas

61      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

O artigo 56.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma legislação de um Estado-Membro que define as condições de acesso à atividade de assistência em matéria fiscal a título profissional restrinja a livre prestação dos serviços de uma sociedade de consultores fiscais constituída em conformidade com a legislação de outro Estado-Membro no qual esta sociedade se encontra estabelecida, que elabora, neste último Estado-Membro em que a atividade de consultoria fiscal não está regulamentada, uma declaração fiscal para um destinatário nesse primeiro Estado-Membro e a envia à Administração Fiscal do mesmo, sem que seja reconhecida pelo seu justo valor e devidamente tida em consideração a qualificação adquirida noutros Estados-Membros pela referida sociedade, ou pelas pessoas singulares que efetuam em representação desta a prestação de serviços de assistência em matéria fiscal a título profissional.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.