ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)
21 dezembro de 2016 (*)
«Reenvio prejudicial – Liberdade de estabelecimento – Legislação fiscal em matéria de subcapitalização das filiais – Inclusão dos juros pagos por uma filial mutuária não residente no lucro tributável de uma sociedade mutuante – Isenção dos juros pagos por uma filial mutuária residente – Repartição equitativa do poder tributário entre os Estados-Membros – Necessidade de prevenir o risco de evasão fiscal»
No processo C-593/14,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Vestre Landsret (tribunal de segunda instância da Região Oeste, Dinamarca), por decisão de 16 de dezembro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de dezembro de 2014, no processo
Masco Denmark ApS
Damixa ApS
contra
Skatteministeriet
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),
composto por T. von Danwitz, presidente de secção, E. Juhász, C. Vajda (relator), K. Jürimäe e C. Lycourgos, juízes,
advogado-geral: J. Kokott,
secretário: V. Tourrès, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 3 de março de 2016,
vistas as observações apresentadas:
– em representação de Masco Denmark ApS e Damixa ApS, por J. Krogsøe, advokat,
– em representação do governo dinamarquês, por M. C. Thorning, na qualidade de agente, assistido por S. Horsbøl Jensen e C. Vang, advokat,
– em representação da Comissão Europeia, por M. Clausen e W. Roels, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões da advogada-geral apresentadas na audiência de 12 de maio de 2016,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 45.° TFUE e 54.° TFUE.
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Masco Denmark ApS e a Damixa ApS ao Skatteministeriet (Ministério das Finanças, Dinamarca) a respeito da decisão da autoridade tributária nacional de incluir no lucro tributável de uma sociedade-mãe mutuante estabelecida na Dinamarca os juros pagos por uma filial mutuária estabelecida na Alemanha que não podem ser deduzidos ao lucro tributável dessa filial nos termos da legislação alemã relativa à subcapitalização.
Quadro jurídico
Direito dinamarquês
3 Os juros recebidos por uma empresa dinamarquesa devem em princípio ser imputados ao seu lucro tributável, nos termos do § 4.°, alínea e), da Lov om Indkomst- og Formueskat til Staten (lei do imposto sobre os rendimentos).
4 Nos termos do artigo 6.°, alínea e), da referida lei, as sociedades dinamarquesas beneficiam de um direito geral à dedução dos encargos referentes a juros.
5 O direito das sociedades de deduzirem os encargos com juros está no entanto limitado em caso de subcapitalização, nos termos do § 11 da Lov om indkomstbeskatning af aktieselskaber m.v. (lei do imposto das sociedades, a seguir «SEL»). O n.° 1 deste § 11, na sua versão aplicável aos factos em litígio, previa:
«Se uma sociedade ou grupo:
1) estiver abrangida pelo § 1, primeiro parágrafo, n.os 1 a 2a, 2d a 2g e 3a a 5b), [ou seja, se for residente para efeitos fiscais na Dinamarca];
2) for devedora de uma das pessoas coletivas mencionadas no § 2, n.° 1, da [lov om påligningen af indkomstskat til staten ou ligningsloven (lei sobre a matéria coletável dos impostos] [ou seja uma dívida para com os sócios ou sociedades do mesmo grupo, a seguir ‘dívida controlada’];
3) o passivo da sociedade ou grupo (dívidas), no termo do ano fiscal, for quatro vezes superior aos capitais próprios,
as despesas com juros e as perdas cambiais relativas à parte excedente da dívida controlada não são dedutíveis […] Os empréstimos obtidos de terceiros, relativamente aos quais os acionistas maioritários ou as sociedades do mesmo grupo tenham, direta ou indiretamente, prestado garantias, são considerados dívida controlada. O direito a dedução é restabelecido se a sociedade ou grupo comprovar que podia obter financiamento semelhante junto de entidades autónomas. O direito a dedução só será excluído se a dívida controlada exceder 10 milhões de coroas dinamarquesas (DKK) (cerca de 1 344 528 euros). A exclusão da dedução aplica-se apenas à parte da dívida controlada convertível em capitais próprios, de modo que o rácio de endividamento seja de 4:1, no termo do ano fiscal […]»
6 As regras relativas à subcapitalização foram introduzidas pela lei n.° 432, de 26 de junho de 1998, e só eram aplicáveis se o credor não fosse fiscalmente residente na Dinamarca. A Lei n.° 221, de 31 de março de 2004 (a seguir «lei de alteração da SEL») alterou o § 11 da SEL de forma que este regime passou a ser aplicável igualmente quando quer o credor quer o devedor tenham o seu domicílio fiscal na Dinamarca.
7 Foi nessa altura que foi introduzido o § 11, n.° 6, da SEL, que tem a seguinte redação:
«Os juros e os ganhos cambiais não serão considerados para cálculo do rendimento tributável dos contribuintes [das sociedades e dos estabelecimentos estáveis das sociedades estrangeiras], se o devedor não tiver direito à dedução dos montantes correspondentes nos termos do n.° 1.»
8 Resulta dos trabalhos preparatórios da lei de alteração da SEL que «pelo facto de às empresas dinamarquesas terem passado a ser aplicáveis os limites ao direito de dedução é proposto como compensação que as sociedades fiscalmente residentes na Dinamarca não sejam tributadas pelos juros recebidos de devedores que, em aplicação das novas regras, não os possam deduzir, da mesma forma que a Dinamarca não cobra impostos sobre esses juros a empresas estabelecidas noutros países da União Europeia».
O direito alemão
9 Nos anos fiscais 2005-2006, a legislação fiscal alemã aplicável em matéria de subcapitalização constava do § 8 a, da Lei do imposto sobre as sociedades (Körperschaftssteuergesetz, a seguir «KStG»). Nos termos dessa disposição, uma sociedade considera-se subcapitalizada se o montante dos capitais de que é devedora for superior a uma vez e meia os seus capitais próprios. Nesse caso, o direito à dedução dos encargos com juros de empréstimos é eliminado, a menos que a sociedade prove que os empréstimos podiam ter sido obtidos de terceiros em condições equivalentes.
Litígio no processo principal e questão prejudicial
10 A Damixa ApS é uma empresa dinamarquesa especializada no fabrico e venda de torneiras. Durante os exercícios fiscais de 2005 e 2006, em que era uma filial da Masco Denmark, a Damixa estava presente no mercado alemão por intermédio da sua filial alemã, a Damixa Armaturen, por ela detida a 100%.
11 Após vários exercícios deficitários, a Damixa Armaturen GmbHsentiu dificuldades financeirasem 2005 e 2006. Em 31 de dezembro de 2005, o seu deficit acumulado orçava os 28 milhões de euros, dando origem a capitais próprios negativos de 22,8 milhões de euros. Em 31 de dezembro de 2006, o deficit acumulado desta filial era de 30,9 milhões de euros, com capitais próprios negativos de 25,8 milhões de euros.
12 As perdas da Damixa Armaturen GmbH foram essencialmente financiadas através de empréstimos concedidos pela Damixa ApS. As dívidas da Damixa Armaturen para com a Damixa eram, no termo dos exercícios fiscais de 2005 e 2006, respetivamente, de 24,8e 27,7 milhões de euros.
13 Os empréstimos foram concedidos com juros calculados à taxa de base acrescida de 0,5%. Os juros, em cada um dos exercícios fiscais em causa, elevaram-se a 3 935 980 DKK (cerca de 529 203 euros) e 5 648 765 DKK (cerca de 759 492 euros).
14 A Damixa Armaturen GmbH não deduziu os juros em causa na sua declaração de rendimentos na Alemanha, por ter considerado que os encargos com juros constituem pagamentos de dividendos não dedutíveis, de acordo com a legislação alemã em matéria de exclusão de deduções em caso de subcapitalização.
15 Na sua declaração fiscal, a Damixa ApS não declarou o rendimento proveniente desses juros por considerar que, nas circunstâncias do caso em apreço, a legislação dinamarquesa em matéria de tributação de juros viola o direito da União.
16 Por decisão de 1 de abril de 2008, a autoridade fiscal dinamarquesa considerou que os juros recebidos relativos a empréstimos concedidos pela Damixa à Damixa Armaturen em 2005 e 2006 deviam ser integrados nos lucros tributáveis da Damixa.
17 Esta decisão foi objeto de reclamação para a Landsskatteretten (Comissão Tributária Nacional, Dinamarca) que foi indeferida por decisão de 16 de dezembro de 2011.
18 Em 15 de março de 2012, a Masco Denmark e a Damixa interpuseram recurso dessa decisão para o Retten i Odense (tribunal de Odense, Dinamarca), recorrendo depois da sentença desse tribunal para o Vestre Landsret (tribunal de segunda instância da Região Oeste, Dinamarca).
19 No tribunal de reenvio, a Masco Denmark e a Damixa alegaram que as regras dinamarquesas em causa eram contrárias ao artigo 49.°, em conjugação com o artigo 54.° do TFUE, por não serem compatíveis com a liberdade de estabelecimento, e que essa incompatibilidade não é justificada. A este respeito, alegaram que a isenção prevista no artigo 11.°, n.° 6, da SEL só se aplica se a filial mutuante for residente na Dinamarca.
20 Este ponto de vista é contestado pelo Ministério das Finanças, que sustenta que a legislação em causa no processo principal é compatível com o Direito da União. Segundo afirma, foi devido à legislação fiscal alemã que a Damixa Armaturen não pôde deduzir do seu resultado fiscal os encargos com juros. Sustenta também que a desvantagem fiscal em causa no processo principal resultou do facto de a Dinamarca e a Alemanha terem exercido simultaneamente as suas competências tributárias.
21 Nestas condições, o Korkein hallinto-oikeus decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«O artigo 43.° CE, lido em conjugação com o artigo 48.° TCE (atual artigo 49.° TFUE, em conjugação com o artigo 54.° TFUE), opõe-se a que um Estado-Membro não conceda a uma empresa residente uma isenção fiscal pelos rendimentos recebidos a título de juros quando (como no caso em apreço) uma empresa do mesmo grupo, estabelecida noutro Estado-Membro, não tenha direito à dedução fiscal das correspondentes despesas com juros, em aplicação da legislação desse Estado-Membro que limita a dedução de juros em caso de subcapitalização, ao passo que concede a uma empresa residente uma isenção fiscal pelos rendimentos recebidos a título de juros quando (como no caso em apreço) uma empresa residente do mesmo grupo não tenha, nesse mesmo Estado-Membro, direito à dedução fiscal das correspondentes despesas com juros, em aplicação da legislação nacional que limita a dedução de tais despesas com juros em caso de subcapitalização?»
Quanto à questão prejudicial
22 Com a sua questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 49.° do TFUE, em conjugação com o artigo 54.° do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõea uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que concede às sociedades residentes a isenção fiscal aos juros pagos por uma filial residente, desde que esta não tenha podido deduzir o encargo correspondente devido às regras que limitam o direito de dedução dos juros pagos em caso de subcapitalização, mas que exclui essa isenção quando a filial for residente noutro Estado-Membro.
23 Há que referir que a liberdade de estabelecimento, que o artigo 49.° TFUE reconhece aos nacionais da União, inclui, em conformidade com o artigo 54.° do TFUE, para as sociedades constituídas em conformidade com a legislação de um Estado-Membro e que tenham a sua sede estatutária, a sua administração central ou o seu estabelecimento principal na União, o direito de exercerem a sua atividade noutro Estado-Membro através de filiais, sucursais ou agências (v. acórdão de 21 de fevereiro de 2013, A, C-123/11, EU:C:2013:84, n.° 30 e jurisprudência referida).
24 Embora as disposições do Tratado FUE relativas à liberdade de estabelecimento visem assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado-Membro de acolhimento, tais disposições opõem-se igualmente a que o Estado-Membro de origem coloque entraves ao estabelecimento noutro Estado-Membro de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação, em especial por intermédio de uma filial (v., neste sentido, acórdão de 17 de dezembro de 2015, Timac Agro Deutschland, C-388/14, EU:C:2015:829, n.° 21 e jurisprudência referida).
25 A liberdade de estabelecimento é obstruída se, por força do regime fiscal de um Estado-Membro, uma sociedade residente detentora de uma filial ou de um estabelecimento estável noutro Estado-Membro sofre uma diferença de tratamento fiscal desvantajosa em relação a uma sociedade residente detentora de um estabelecimento estável ou de uma filial no primeiro Estado-Membro (v., neste sentido, acórdão Timac Agro Deutschland, C-388/14, EU:C:2015:829, n.° 22 e jurisprudência referida).
26 No caso concreto, há que constatar que uma isenção fiscal, como a que está em causa no processo principal, concedida pela legislação nacional relativamente aos juros pagos por uma filial residente, pelo facto de esta não poder deduzir o encargo correspondente em virtude das regras nacionais que limitam o direito de dedução dos juros pagos em caso de subcapitalização, constitui uma vantagem fiscal.
27 A exclusão das sociedades-mãe residentes dessa vantagem relativamente aos juros que lhes são pagos por uma filial residente noutro Estado-Membro, na medida em que esses juros não possam ser deduzidos ao lucro tributável dessa filial em virtude da legislação desse Estado-Membro relativa à subcapitalização, é apta a tornar menos atrativo o exercício da liberdade de estabelecimento por essa sociedade-mãe, dissuadindo-a de criar filiais noutros Estados-Membros.
28 Tal diferença de tratamento, que, no processo principal, resulta apenas das regras dinamarquesas, apenas pode ser admitida se disser respeito a situações que não são objetivamente comparáveis ou se for justificada por uma razão imperiosa de interesse geral (v. acórdão de 6 de outubro de 2015, Finanzamt Linz, C-66/14, EU:C:2015:661, n.° 30 e jurisprudência referida).
29 Importa, em primeiro lugar, determinar se as situações em causa são objetivamente comparáveis. Para este efeito, há que salientar que a comparabilidade de uma situação transfronteiriça com uma situação interna deve ser examinada tendo em conta o objetivo prosseguido pelas disposições nacionais em causa (acórdão de 6 de outubro de 2015, Finanzamt Linz, C-66/14, EU:C:2015:661, n.° 31 e jurisprudência referida).
30 Resulta dos trabalhos preparatórios da lei que alterou a SEL, expostos no n.° 8 do presente acórdão, que a isenção fiscal em causa no processo principal foi introduzida para evitar que as sociedades-mãe residentes na Dinamarca sejam tributadas pelos juros recebidos das suas filiais relativos a empréstimos que lhes concedem, quando as filiais não podem deduzir, na totalidade ou em parte, o encargo correspondente a esses juros devido às regras que limitam o direito de dedução dos juros pagos em caso de subcapitalização.
31 Por consequência, há que constatar que a situação, por um lado de uma sociedade-mãe residente que concede um empréstimo a uma filial residente sujeita a regras de subcapitalização e, por outro, a de uma sociedade-mãe residente que concede um empréstimo a uma filial não residente sujeita a essas regras no Estado-Membro do seu domicílio fiscal são, perante o mencionado objetivo, objetivamente comparáveis. Com efeito, nas duas situações, os rendimentos de juros recebidos pela sociedade-mãe podem ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia, o que a legislação em causa pretende evitar.
32 Em segundo lugar, há que examinar se essa diferença de tratamento é justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.
33 Para ser assim justificada, tal diferença deve ser adequada para garantir a realização do objetivo invocado e não ir além do necessário para o atingir (acórdão de 25 de fevereiro de 2010, X Holding, C-337/08, EU:C:2010:89, n.° 26 e jurisprudência referida).
34 O Reino da Dinamarca sustenta que a diferença de tratamento em causa no processo principal é justificada quer pela necessidade de assegurar a repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados-Membros quer pela prevenção da evasão fiscal.
35 No que se refere à necessidade de preservar a repartição equilibrada do poder tributário entre os Estados-Membros, tal necessidade pode justificar a diferença de tratamento quando o regime em causa tenha por objetivo evitar comportamentos suscetíveis de comprometer o direito de um Estado-Membro exercer a sua competência fiscal em relação às atividades exercidas no seu território (acórdão de 21 de fevereiro de 2013, A, C-123/11, EU:C:2013:84, n.° 41 e jurisprudência referida).
36 Assim, a preservação da repartição do poder tributário entre os Estados-Membros pode tornar necessária a aplicação das respetivas normas fiscais somente às atividades económicas das sociedades estabelecidas num desses Estados, no que diz respeito quer aos lucros quer aos prejuízos (acórdão de 21 de fevereiro de 2013, A, C-123/11, EU:C:2013:84, n.° 42, e jurisprudência referida).
37 Com efeito, dar às sociedades a faculdade de optarem pela dedução dos seus prejuízos no Estado-Membro do seu estabelecimento ou noutro Estado-Membro comprometeria sensivelmente a repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros, na medida em que a matéria coletável seria alterada, até à concorrência dos prejuízos transferidos, nesses dois Estados (acórdão de 21 de fevereiro de 2013, A, C-123/11, EU:C:2013:84, n.° 43).
38 No caso em apreço, há que constatar que uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que limita a isenção em causa no processo principal, aos juros pagos por filiais residentes, é adequada à preservação de uma repartição equilibrada do poder de tributação entre os Estados-Membros em causa. Com efeito, ao conceder a uma sociedade residente que concedeu um empréstimo a uma filial residente noutro Estado-Membro uma isenção fiscal a todos os juros pagos por essa filial que não puderam por ela ser deduzidos em virtude das regras relativas à subcapitalização em vigor nesse Estado-Membro, o Estado-Membro de residência da sociedade-mãe renunciaria, consoante a escolha feita pelas sociedades com laços de interdependência, ao seu direito de tributar os juros recebidos por esta sociedade em função das regras relativas à subcapitalização em vigor no Estado-Membro de residência das filiais, o que a legislação nacional em causa no processo principal pretende evitar.
39 Todavia, uma legislação como a que está em causa no processo principal ultrapassa o que é necessário para alcançar o seu objetivo.
40 Com efeito, a liberdade de estabelecimento não pode ser entendida no sentido de que um Estado-Membro é obrigado a estabelecer as suas regras fiscais em função das de outro Estado-Membro a fim de garantir, em todas as situações, uma tributação que elimine qualquer disparidade decorrente das regulamentações fiscais nacionais, uma vez que as decisões de uma sociedade sobre o estabelecimento de estruturas comerciais no estrangeiro podem, conforme o caso, ser mais ou menos vantajosas ou desvantajosas para essa sociedade (acórdão de 23 de outubro de 2008, Krankenheim Ruhesitz am Wannsee-Seniorenheimstatt, C-157/07, EU:C:2008:588, n.° 50 e jurisprudência referida).
41 Assim, num contexto como o do processo principal, o artigo 49.° do TFUE, em conjugação com o artigo 54.° do TFUE, não pode ter a consequência de impor ao Estado-Membro de residência de uma sociedade-mãe, que concedeu um empréstimo a uma filial residente noutro Estado-Membro, que vá para além de uma isenção a favor da sociedade-mãe pelo montante dos encargos com juros que não puderam ser deduzidos pela sua filial se as regras do primeiro Estado-Membro relativas à subcapitalização fossem aplicadas. Estes artigos não podem ter portanto o efeito de impor ao Estado-Membro de residência da referida sociedade-mãe que proceda à isenção a favor desta de um montante mais elevado que tem origem no sistema fiscal de outro Estado-Membro, sob pena de o primeiro Estado-Membro ver a sua autonomia fiscal restringida pelo exercício do poder tributário do outro Estado-Membro (v., por analogia, acórdão de 30 de junho de 2011, Meilicke e o., C-262/09, EU:C:2011:438, n.° 33 e jurisprudência referida).
42 Cabe contudo sublinhar que, quando um Estado-Membro tem um sistema de prevenção ou de atenuação da tributação em cadeia ou da dupla tributação económica aplicável a dividendos pagos a residentes por sociedades residentes, deve tratar de modo equivalente os dividendos pagos a residentes por sociedades não residentes (acórdão de 30 de junho de 2011, Meilicke e o., C-262/09, EU:C:2011:438, n.° 29 e jurisprudência referida).
43 Com efeito, num contexto como o do processo principal, que se refere a uma sociedade-mãe cuja filial é residente noutro Estado-Membro que aplica regras mais restritivas relativas à subcapitalização, a concessão pelo Estado-Membro de residência da sociedade-mãe, a esta sociedade, de uma isenção fiscal pelos juros pagos por essa filial até ao limite do montante que essa filial não poderia deduzir nos termos das regras relativas à subcapitalização deste último Estado-Membro, não poria em causa a repartição equilibrada do poder tributário e constituiria uma medida menos restritiva da liberdade de estabelecimento do que a prevista pela legislação em causa no processo principal (v., por analogia, acórdãos de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, EU:C:2006:774, n.° 52; e de 30 de junho de 2011, Meilicke e o., C-262/09, EU:C:2011:438, n.° 32).
44 No tocante ao objetivo de prevenção da evasão fiscal, cabe salientar que, a fim de que um argumento baseado nesta justificação possa ser acolhido, a finalidade específica da medida deve ser a de obstar a montagens puramente artificiais, sem relação com a realidade económica e destinadas a eludir o imposto normalmente devido sobre os lucros gerados por atividades realizadas em território nacional (v., neste sentido, acórdão de 17 de dezembro de 2015, Timac Agro Deutschland, C-388/14, EU:C:2015:829, n.° 42 e jurisprudência referida).
45 A este respeito, cumpre constatar que a legislação em causa no processo principal não tem a finalidade específica de tirar o benefício de uma vantagem fiscal montagens puramente artificiais cujo objetivo fosse o de fugir à legislação fiscal dinamarquesa, antes excluir do âmbito dos seus beneficiários, de maneira geral, todas as sociedades residentes que tenha concedido, por qualquer razão, um empréstimo a uma filial subcapitalizada residente noutro Estado-Membro (v., por analogia, acórdão de 12 de dezembro de 2002, Lankhorst-Hohorst, C-324/00, EU:C:2002:749, n.° 37 e jurisprudência referida).
46 Além disso, parece resultar dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça que os empréstimos concedidos pela Damixa tinham por objetivo financiar o essencial das perdas da Damixa Armaturen, que passava por grandes dificuldades financeiras na época em causa, e não tinham portanto em princípio a natureza de montagem puramente artificial feita para fins exclusivamente fiscais.
47 Nestas condições, há que responder à questão colocada que o artigo 49.° do TFUE, lido em conjugação com o artigo 54.° do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que concede a uma sociedade residente uma isenção fiscal pelos juros pagos por uma filial residente, na medida em que esta não possa deduzir o encargo correspondente devido às regras que limitam a dedução dos juros pagos em caso de subcapitalização, mas exclui a isenção que resultaria da sua própria legislação relativa à subcapitalização quando a filial for residente noutro Estado-Membro.
Quanto às despesas
48 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:
O artigo 49.° do TFUE, lido em conjugação com o artigo 54.° do TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que concede a uma sociedade residente uma isenção fiscal pelos juros pagos por uma filial residente, na medida em que esta não possa deduzir o encargo correspondente devido às regras que limitam a dedução dos juros pagos em caso de subcapitalização, mas exclui a isenção que resultaria da sua própria legislação relativa à subcapitalização quando a filial for residente noutro Estado-Membro.
* Língua do processo: dinamarquês.