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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

26 de maio de 2016 (*)

«Reenvio prejudicial – Fiscalidade direta – Livre circulação de capitais – Livre prestação de serviços – Diretiva 69/335/CEE – Artigos 2.°, 4.°, 10.° e 11.° – Diretiva 85/611/CEE – Artigos 10.° e 293.° CE – Imposto anual sobre os organismos de investimento coletivo – Dupla tributação – Sanção aplicável aos organismos de investimento coletivo de direito estrangeiro»

No processo C-48/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pela cour d’appel de Bruxelas (Bélgica), por decisão de 23 de outubro de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de fevereiro de 2015, no processo

Estado Belga, SPF Finances

contra

NN (L) International, anteriormente denominada ING International SA, que sucedeu nos direitos e obrigações da ING Dynamic SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič, presidente de secção, C. Toader, A. Rosas, A. Prechal e E. Jarašiūnas (relator), juízes,

advogado-geral: M. Bobek,

secretário: V. Tourrès, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 28 de outubro de 2015,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação de NN (L) International SA, anciennement ING International SA, succédant aux droits e obligations de ING (L) Dynamic SA, por J. Malherbe et M. Bertha, avocats,

–        em representação do Governo belga, por M. Jacobs e J.-C. Halleux, na qualidade de agentes, assistidos por A. Gillet, avocat,

–        em representação da Comissão Europeia, por W. Roels e C. Soulay, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 21 de janeiro de 2016,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 2.°, 4.°, 10.° e 11.° da Diretiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de julho de 1969, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais (JO 1969, L 249, p. 25), conforme alterada pela Diretiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de junho de 1985 (JO 1985, L 156, p. 23) (a seguir «Diretiva 69/335»), e da Diretiva 85/611/CEE do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) (JO 1985, L 375, p. 3), lida em conjugação com o artigo 10.° CE e com o artigo 293.°, segundo travessão CE, e ainda dos artigos 49.° a 66.° CE, lidos em conjugação com o artigo 10.° CE e com o artigo 293.°, segundo travessão, CE.

2        Este pedido foi apresentado no quadro de um litígio entre o Estado Belga, SPF Finances (serviço federal de finanças) à NN (L) International SA, ex-ING International SA, que sucedeu nos direitos e obrigações da ING (L) Dynamic SA (a seguir «NN (L)»), a respeito de um pedido de restituição da taxa anual sobre os organismos de investimento coletivo (a seguir «OIC»), no montante de 185 739,34 euros, pago por esta relativamente ao exercício de 2006.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva 69/335, revogada pela Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre a reunião de capitais (JO L 46, p. 11), dispunha:

«1.      As operações sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital serão tributadas unicamente no Estado-Membro em cujo território se encontra situada a sede de direção efetiva da sociedade de capitais, no momento em que se efetuem essas operações.»

4        O artigo 4.° desta diretiva previa:

«1.      Estão sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital as seguintes operações:

a)      A constituição de uma sociedade de capitais;

b)      A transformação em sociedade de capitais de uma sociedade, associação ou pessoa coletiva que não seja sociedade de capitais;

c)      O aumento do capital social de uma sociedade de capitais mediante a entrada de bens de qualquer espécie;

d)      O aumento do ativo de uma sociedade de capitais mediante a entrada de bens de qualquer espécie, remunerada não por partes representativas do capital social ou do ativo, mas por direitos da mesma natureza que os dos sócios, tais como direito de voto, participação nos lucros ou no saldo de liquidação;

e)      A transferência de um país terceiro para um Estado-Membro da sede de direção efetiva de uma sociedade, associação ou pessoa coletiva, cuja sede estatutária se encontre num país terceiro e que seja considerada, para efeitos da cobrança do imposto sobre as entradas de capital, como sociedade de capitais neste Estado-Membro;

f)      A transferência de um país terceiro para um Estado-Membro da sede estatutária de uma sociedade, associação ou pessoa coletiva cuja sede de direção efetiva se encontre num país terceiro e que seja considerada, para efeitos da cobrança do imposto sobre as entradas de capital, como sociedade de capitais neste Estado-Membro;

g)      A transferência de um Estado-Membro para outro Estado-Membro da sede de direção efetiva de uma sociedade, associação ou pessoa coletiva que seja considerada, para efeitos da cobrança do imposto sobre as entradas de capital, como sociedade de capitais no Estado-Membro referido em último lugar, e não o era no outro Estado-Membro;

h)      A transferência de um Estado-Membro para outro Estado-Membro da sede estatutária de uma sociedade, associação ou pessoa coletiva, cuja sede de direção efetiva se encontre num país terceiro e que seja considerada, para efeitos da cobrança do imposto sobre as entradas de capital, como sociedade de capitais no Estado-Membro referido em último lugar, e não o era no outro Estado-Membro.

2.      Podem continuar sujeitas ao imposto sobre as entradas de capitais as operações a seguir indicadas, desde que fossem tributadas à taxa de 1% em 1 de julho de 1984.

a)      O aumento do capital social de uma sociedade de capitais através da incorporação de lucros, reservas ou provisões;

b)      O aumento do ativo de uma sociedade de capitais através de prestações efetuadas por um sócio, que não impliquem o aumento do capital social, mas que tenham a sua contrapartida numa alteração dos direitos sociais ou que sejam suscetíveis de aumentar o valor das partes sociais;

c)      O empréstimo contraído por uma sociedade de capitais, se o credor tiver direito a uma quota-parte dos lucros da sociedade;

d)      O empréstimo contraído por uma sociedade de capitais junto de um sócio, do cônjuge ou de um filho de um sócio, bem como o empréstimo contraído junto de um terceiro, quando seja garantido por um sócio, desde que os referidos empréstimos tenham a mesma função que o aumento de capital social.

[…]»

5        Nos termos do artigo 10.° desta diretiva:

«Além do imposto sobre as entradas de capital, os Estados-Membros não cobrarão, no que diz respeito às sociedades, associações ou pessoas coletivas com fins lucrativos, qualquer imposição, seja sob que forma for:

a)      Em relação às operações referidas no artigo 4.°;

b)      Em relação às entradas de capital, empréstimos ou prestações, efetuadas no âmbito das operações referidas no artigo 4.°;

c)      Em relação ao registo ou qualquer outra formalidade prévia ao exercício de uma atividade a que uma sociedade, associação ou pessoa coletiva com fins lucrativos esteja sujeita em consequência da sua forma jurídica.»

6        O artigo 11.° da referida diretiva previa:

«Os Estados-Membros não submeterão a qualquer imposição, seja sob que forma for:

a)      A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu;

b)      Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiu, e todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.»

7        Os considerandos segundo a quarto da Diretiva 85/611, substituída pela Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM) (JO L 302, p. 32), enunciavam:

«Considerando que a coordenação das legislações nacionais reguladoras dos [OIC] se afigura […] oportuna com vista a aproximar, no plano comunitário, as condições de concorrência entre estes organismos e realizar uma proteção mais eficaz e mais uniforme dos participantes; que tal coordenação se afigura oportuna com vista a facilitar aos organismos de investimento coletivo situados num Estado-Membro a comercialização das suas partes sociais no território dos outros Estados-Membros;

Considerando que a realização destes objetivos facilita a supressão das restrições à livre circulação no plano comunitário das partes sociais dos [OIC] e que esta coordenação contribui para a criação de um mercado Europeu dos capitais;

Considerando que, tendo em conta os objetivos referidos anteriormente, é desejável estabelecer regras mínimas comuns, para os organismos de investimento coletivo situados nos Estados-Membros, no que diz respeito à sua aprovação, controlo, estrutura, atividade e às importações que devem publicar;

[…]»

8        O artigo 44.° da Diretiva 85/611 tinha a seguinte redação:

«1.      Um [organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM)] que comercializa as suas partes sociais num outro Estado-Membro deve respeitar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas em vigor nesse Estado e que não sejam abrangidas pelo domínio regulado pela presente diretiva.

[…]

3.      As disposições referidas nos n.os 1 e 2 devem ser aplicadas de modo não discriminatório.»

 Direito belga

9        O código dos direitos sucessórios, conforme alterado pela lei-programa de 22 de dezembro de 2003 (Moniteur belge de 31 de dezembro de 2003, p. 62160, a seguir «código de direitos sucessórios»), inclui um livro II bis, intitulado «Imposto anual sobre os [OIC], sobre as instituições de crédito e sobre as empresas de seguros» (a seguir «imposto anual sobre os OIC»). Inicialmente apenas aplicável aos OIC de direito belga, a referida lei-programa, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2004, este imposto foi alargado aos OIC de direito estrangeiro que comercializavam as suas participações na Bélgica.

10      O artigo 133.° ter do código dos direitos sucessórios prevê que o juiz pode ordenar, além da condenação de determinadas pessoas pelas infrações previstas em determinadas disposições do mesmo código, na interdição de exercício da sua profissão por um período de três meses a cinco anos, bem como no encerramento, também por um período de três meses a cinco anos, dos estabelecimentos da sociedade, do grupo ou empresa de que o condenado seja dirigente, membro ou empregado.

11      Nos termos do artigo 161.° do código dos direitos sucessórios:

«Estão sujeitos a um imposto anual a partir de 1 de janeiro seguinte à sua inscrição na Comissão bancária, financeira e dos seguros:

1°      O [OIC] que tenham a forma estatutária previstos no artigo 108.°, primeiro parágrafo, 1.° e 2.° da lei de 4 de dezembro de 1990 relativa às operações financeiras e aos mercados financeiros;

2°      As sociedades de gestão responsáveis pela gestão dos [OIC] que têm forma contratual, previstos no artigo 108.°, parágrafo primeiro, 1.° e 2.° da lei de 4 de dezembro de 1990 relativa às operações financeiras e aos mercados financeiros;

3°      Os [OIC] de direito estrangeiro previstos no artigo 137.° da lei de 4 de dezembro de 1990 relativa às operações financeiras e aos mercados financeiros, com exceção dos organismos de investimento em créditos;

[…]»

12      Nos termos do artigo 161.° bis deste código:

«§ 1      No que diz respeito aos organismos de investimento referidos no artigo 161.°, 1° e 2°, o imposto incide sobre o total dos montantes líquidos investidos em 31 de dezembro do ano precedente.

Para efeitos da aplicação do primeiro parágrafo:

1°      consideram-se investidas na Bélgica as participações adquiridas no estrangeiro por conta de um habitante do Reino;

2°      quando o organismo de investimento não fornecer à Administração os elementos úteis e necessários à cobrança do imposto, e sem prejuízo da aplicação do artigo 162.°, é devido o imposto sobre o valor total do património gerido em 31 de dezembro do ano precedente. O Rei pode determinar os elementos úteis e necessários para a cobrança do imposto.

§ 2      No que respeita aos organismos de investimento referidos no artigo 161.°, 3° é devido o imposto sobre o total, em 31 de dezembro do ano precedente, dos montantes líquidos investidos na Bélgica, a partir da sua inscrição na Comissão Bancária, Financeira e de Seguros.

Para efeitos da aplicação do primeiro parágrafo:

1°      Às participações colocadas no estrangeiro por um intermediário financeiro não podem ser deduzidos os montantes brutos investidos na Bélgica em caso de aquisição através de um intermediário financeiro na Bélgica;

2°      Quando o organismo não fornecer à Administração os elementos úteis e necessários para a cobrança do imposto, e sem prejuízo da aplicação do artigo 162.°, é devido o imposto sobre o total dos montantes brutos investidos na Bélgica em 31 de dezembro do ano precedente. O Rei pode determinar os elementos úteis e necessários para a cobrança do imposto. 

[…]»

13      O artigo 162.° do mesmo código, na versão em vigor à época em que ocorreram os factos do processo principal, dispunha:

«São aplicáveis ao imposto instituído pelo artigo 161.° as disposições do livro 1° relativas aos meios de prova das sonegações de bens, à prescrição, à restituição, ao procedimento e as sanções penais.

Em caso de infração às disposições do presente livro, o juiz pode proibir os organismos de investimento referidos no artigo 161.°, 3°, de continuarem a colocar participações na Bélgica. Esta proibição é notificada ao organismo de investimento, à Comissão bancária, financeira e dos seguros e ao organismo que o organismo de investimento tenha designado na Bélgica para fazer os pagamentos aos participantes, e à venda ou à compra de participações bem como à difusão de informações numa das línguas do país.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      A recorrida entregou uma declaração de imposto anual sobre os OIC para o exercício de 2006, relativa aos montantes líquidos investidos na Bélgica em 31 de dezembro de 2005 e pagou o respetivo imposto no montante de 185 739,34 euros, no prazo legal. Propôs seguidamente uma ação no tribunal de primeira instância de Bruxelas (Bélgica) em que contestou a legalidade do imposto à luz da Diretiva 69/335, dos artigos 56.° a 60.° CE, da Diretiva 85/611 e do artigo 10.° CE e ainda, a título subsidiário, do artigo 22.° da Convenção entre o Reino da Bélgica e o Grão-Ducado do Luxemburgo para evitar a dupla tributação e regulamentar algumas outras questões em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre o património, assinada no Luxemburgo em 17 de setembro de 1970 (a seguir «Convenção belgo-luxemburguesa»).

15      Por sentença de 23 de novembro de 2011, o tribunal de primeira instância de Bruxelas julgou improcedente o fundamento baseado na violação da Diretiva 69/335, mas deu provimento ao pedido da NN (L) julgando procedente o último fundamento deduzido a título subsidiário, a violação da convenção belgo-luxemburguesa.

16      O Estado Belga, SPF Finances interpôs recurso desta sentença para o tribunal de reenvio, ao qual pediu declarasse que o imposto anual sobre os OIC não está abrangido pela convenção belgo-luxemburguesa, e que os artigos 160.° e seguintes do código dos direitos sucessórios são compatíveis com o Direito da União e que o referido imposto, cobrado legalmente, não tem de ser restituído.

17      A NN (L) pediu a confirmação da sentença. A título subsidiário, a NN (L) International interpôs recurso subordinado, na parte em que a sentença do tribunal de primeira instância não acolheu o fundamento baseado na violação da Diretiva 69/335 e não se pronunciou sobre os fundamentos relativos à violação das outras disposições do Direito da União. A este respeito, a NN (L) convidou o tribunal de reenvio a apresentar ao Tribunal de Justiça uma decisão prejudicial.

18      O tribunal de reenvio declara que, qualquer que seja a qualificação que se faça do imposto anual sobre os OIC para determinar se o mesmo se encontra ou não abrangido no campo de aplicação da Convenção belgo-luxemburguesa, o mesmo não escapa à proibição geral dos entraves à liberdade de circulação e não pode ser excluído a priori das disposições da Diretiva 69/335 que se lhe aplicam.

19      Neste contexto, a cour d’appel de Bruxelas decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve a Diretiva 1/335/CEE do Conselho, de 17 de julho de 1969, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais (JO L 69, p. 335; EE 09 F1 p. 22) mais precisamente os seus artigos 2.°, 4.°, 10.° e 11.° conjugados, ser interpretada no sentido de que se opõe a disposições de direito nacional como os artigos 161.° e 162.° do Código belga dos direitos sucessórios, alterados pela Lei-Programa de 22 de dezembro de 2003, relativas ao imposto sobre os organismos de investimento coletivo, na medida em que o referido imposto incide anualmente sobre os organismos de investimento coletivo constituídos sob a forma de sociedade de capitais noutro Estado-Membro e que comercializam as suas participações na Bélgica, onerando o montante total das suas participações subscritas na Bélgica, deduzido do montante das aquisições ou reembolsos dessas subscrições, daí resultando que os montantes obtidos na Bélgica pelos referidos organismos de investimento coletivo ficam sujeitos ao imposto enquanto estiverem à disposição dos referidos organismos?

2)      Devem os artigos 49.° a 55.° e 55.° a 66.° do Tratado CE, eventualmente em conjugação com os artigos 10.° e 293.°, segundo travessão, do Tratado CE, ser interpretados no sentido de que se opõem a que um Estado-Membro altere unilateralmente o critério de conexão de um imposto, conforme previsto pelo artigo 161.° e seguintes do Código belga dos direitos sucessórios, para substituir um critério de conexão pessoal baseado na residência do contribuinte e previsto no direito fiscal internacional por um pretenso critério de conexão real que não está previsto no direito fiscal internacional, tendo em conta que, para garantir a sua soberania fiscal, o Estado-Membro adota uma sanção específica, como a prevista pelo artigo 162.°, terceiro parágrafo, do Código belga dos direitos sucessórios, apenas para os operadores estrangeiros?

3)      Devem os artigos 49.° e 56.° do Tratado CE, eventualmente em conjugação com os artigos 10.° e 293.°, segundo travessão, do Tratado CE, ser interpretados no sentido de que se opõem a uma tributação como a acima descrita, que, na medida em que não tem minimamente em conta impostos que já oneram no Estado-Membro de origem os organismos de investimento coletivo constituídos noutro Estado-Membro, representa um encargo pecuniário adicional suscetível de prejudicar a comercialização das participações destes organismos na Bélgica?

4)       Deve a Diretiva 85/611/CEE do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (JO L 375, p. 3; EE 06 F3 p. 38), eventualmente em conjugação com os artigos 10.° e 293.°, segundo travessão, do Tratado CE, ser interpretada no sentido de que se opõe a uma tributação como a acima descrita, na medida em que esta põe em causa o objetivo principal da diretiva de facilitar a comercialização das participações de organismos de investimento coletivo na União Europeia?

5)      Devem os artigos 49.° e 56.° do Tratado CE ser interpretados no sentido de que se opõem aos encargos administrativos ocasionados pela cobrança de um imposto como o acima descrito aos organismos de investimento coletivo constituídos noutro Estado-Membro que comercializam as suas participações na Bélgica? e

6)      Devem os artigos 49.° e 56.° do Tratado CE ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição de direito nacional como o artigo 162.°, segundo parágrafo, do Código belga dos direitos sucessórios, na medida em que esta disposição sujeita a uma sanção específica os organismos de investimento coletivo constituídos noutro Estado-Membro que comercializam as suas participações na Bélgica, ou seja, a proibição, decretada por um juiz, de [comercializar] futuramente participações na Bélgica no caso de não ter sido enviada a respetiva declaração até 31 de março de cada ano ou em caso de não pagamento do imposto acima descrito?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade da quinta questão

20      O Governo belga considera que a quinta questão é irrelevante para a resolução do litígio no processo principal sendo por isso inadmissível. Acrescenta ainda que o tribunal de reenvio não indica com precisão quais as disposições de direito interno que estabelecem encargos administrativos nem as discriminações de que seriam alvo os OIC de direito estrangeiro relativamente aos OIC de direito belga.

21      Há que recordar que o Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar-se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação ou a apreciação da validade de uma regra da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (v. acórdão de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o., C-62/14, EU:C:2015:400, n.° 25).

22      No que diz respeito aos elementos de facto e de direito, o artigo 94.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça prevê que o pedido de decisão prejudicial deve incluir uma exposição sumária do objeto do litígio bem como dos factos pertinentes ou, pelo menos, uma exposição dos dados factuais em que se baseiam as questões prejudiciais, o teor das disposições nacionais suscetíveis de se aplicar ao litígio do processo principal e uma exposição das razões que conduziram o tribunal de reenvio a interrogar-se sobre a interpretação de algumas disposições do Direito da União bem como o nexo que estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio.

23      Neste caso, a decisão de reenvio não indica os encargos administrativos a que estão alegadamente sujeitos os OIC de direito estrangeiro e não precisa as disposições de direito interno com base nas quais esses encargos são impostos nem tão pouco as razões pelas quais o tribunal de reenvio se interroga sobre a interpretação do Direito da União. Nestas condições, o Tribunal de Justiça não dispõe de elementos de facto e de direito suficientes para responder de forma útil à quinta questão, que há por isso que declarar inadmissível.

 Primeira questão

24      Na sua primeira questão, o tribunal de reenvio pergunta se os artigos 2.°, 4.°, 10.° e 11.° da Diretiva 69/335 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação de um Estado-Membro que instituiu um imposto anual sobre os OIC, como a que está em causa no processo principal, que sujeita a este imposto os OIC de direito estrangeiro que comercializam participações nesse Estado-Membro.

25      A este respeito, há que constatar que o imposto anual sobre os OIC não corresponde a nenhuma das operações sujeitas ao imposto sobre as entradas de capitais previsto na Diretiva 69/335, o qual, como salientou o Tribunal de Justiça no n.° 20 do acórdão de 27 de outubro de 1998, Nonwoven (C-4/97, EU:C:1998:507), se caracterizam pela transferência de capitais ou de bens para uma sociedade de capitais no Estado-Membro de tributação ou se traduzem pelo aumento efetivo do capital ou do património social das sociedades, o que manifestamente não é o caso dos «montantes líquidos investidos na Bélgica» a que se aplica o referido imposto. Esse imposto também não é um dos proibidos pelo artigo 10.° da Diretiva 69/335, visto que, por um lado, não corresponde a qualquer das operações tributáveis enumeradas no artigo 4.° dessa Diretiva a que se referia o seu artigo 10.°, alíneas a) e b), e, por outro, não tem qualquer ligação com o registo ou qualquer outra formalidade prévia ao exercício de uma atividade, no sentido do artigo 10.°, alínea c) da mesma Diretiva. Da mesma forma, este imposto de modo algum corresponde às operações previstas no artigo 11.° da mesma Diretiva.

26      Por conseguinte, o imposto anual sobre os OIC não está no campo de aplicação da Diretiva 69/335. Estão não se opõe portanto a que os OIC de direito estrangeiro fiquem sujeitos a esse imposto.

27      Há pois que responder à primeira questão que os artigos 2.°, 4.°, 10.° e 11.° da Diretiva 69/335 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação de um Estado-Membro que estabelece um imposto anual sobre os OIC, como a que está em causa no processo principal, que sujeita a este imposto os OIC de direito estrangeiro que comercializam participações nesse Estado-Membro.

 Quarta questão

28      Na sua quarta questão, o tribunal de reenvio pergunta se a Diretiva 85/611, lida eventualmente em conjugação com os artigos 10.° e 293.°, segundo travessão, CE, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que estabelece um imposto anual sobre os OIC, como a que está em causa no processo principal, a qual sujeita a este imposto os OIC de direito estrangeiro que comercializam participações nesse Estado-Membro.

29      O governo belga considera esta questão inadmissível, pois o tribunal de reenvio não indica os artigos da Diretiva 85/611 cuja interpretação solicita nem as razões que o levaram a interrogar-se sobre a interpretação da Diretiva.

30      No entanto, resulta do teor da questão que tribunal de reenvio se interroga se a Diretiva 85/611, lida em conjugação com o artigo 10.° CE e o artigo 293.°, segundo travessão, CE, obsta a um imposto como o imposto anual sobre os OIC, na medida em que o mesmo viola o principal objetivo da diretiva, que é o de facilitar a comercialização de participações das OICVM na União. Estas indicações são suficientes para que o Tribunal de Justiça lhe possa fornecer os elementos de interpretação úteis para solução do litígio do processo principal. Esta questão é, portanto, admissível.

31      Quanto ao mérito, decorre dos considerandos segundo a quarto da Diretiva 85/611, que, com vista a assegurar a livre comercialização das partes sociais dos OICVM na União, esta diretiva tem por objeto coordenar as legislações nacionais que regulam os OICVM, de modo, por um lado, a aproximar na União as condições de concorrência entre esses organismos e, por outro, a assegurar uma proteção mais eficaz e mais uniforme dos participantes. Para esse efeito, essa diretiva estabelece regras mínimas comuns no que respeita à aprovação, ao controlo, à estrutura, à atividade e às informações que os OICVM devem publicar (acórdão de 11 de setembro de 2014, Gruslin, C-88/13, EU:C:2014:2205, n.° 33).

32      Impõe-se constatar que a fiscalidade dos OICVM não relevava do domínio regulado pela Diretiva 85/611, que não incluía qualquer disposição relativa a esse domínio. Contudo, o artigo 44.°, n.° 3, dessa Diretiva exigia que as disposições legislativas, regulamentares e administrativas aplicáveis num Estado-Membro aos OICVM não abrangidas pelo seu campo de aplicação deviam ser aplicadas de forma não discriminatória.

33      Donde resulta que o imposto anual sobre os OIC não releva do domínio regulado pela Diretiva 85/611 e que não alterando os artigos 10.° e 293.° segundo travessão CE esta conclusão a referida Diretiva não se opõe igualmente à sujeição dos OIC de direito estrangeiro a esse imposto, desde que as respetivas disposições sejam aplicadas de forma não discriminatória, o que será analisado no quadro das questões segunda, terceira e sexta.

34      Destarte, há que responder à quarta questão que a Diretiva 85/611, eventualmente lida em conjugação com os artigos 10.° e 293.°, segundo travessão CE, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que institui um imposto anual sobre os OIC sujeitando a este imposto os OIC de direito estrangeiro que comercializam participações nesse Estado-Membro, desde que essa legislação seja aplicada de forma não discriminatória.

 Questões segunda e terceira

35      As questões segunda e terceira, que devem ser analisadas em conjunto, dizem respeito, por um lado, aos artigos 49.° a 60.° CE, eventualmente lidos em conjugação com os artigos 10.° e 293.°, segundo travessão CE, assim como aos artigos 49.° e 56.° CE, eventualmente lidos em conjugação com os artigos 10.° e 293.°, segundo travessão CE. Note-se, no entanto, que apenas os artigos 49.° e 56.° CE são pertinentes para responder a estas questões.

36      Com efeito, em primeiro lugar, os artigos 50.° a 55.° CE, 57.° e 59.° a 60.° CE não têm manifestamente qualquer relação com as dúvidas do tribunal de reenvio sobre a compatibilidade do imposto anual sobre os OIC com a livre prestação de serviços e a livre circulação de capitais.

37      Em segundo lugar, o artigo 58.° CE não tem qualquer relevância para responder a essas questões, pois o referido imposto é aplicado indistintamente aos OIC de direito belga e aos de direito estrangeiro.

38      Em terceiro lugar, o artigo 10.° CE, porque enuncia uma obrigação geral dos Estados-Membros, não pode ser interpretado no sentido de que implica a constituição de uma obrigação autónoma dos Estados, para além das obrigações que têm nos termos dos artigos 49.°, 56.° e 293.° CE. Este último artigo não tem por objeto instituir uma norma jurídica operativa enquanto tal, limitando-se a traçar o quadro de uma negociação que os Estados-Membros entabularão entre si sempre que necessário. Embora a eliminação da dupla tributação no interior da União conste entre os objetivos do Tratado CE, decorre do texto dessa disposição que ela não pode enquanto tal conferir aos particulares direitos passíveis de ser invocados nos tribunais nacionais (v., neste sentido, despacho de 19 de setembro de 2012, Levy e Sebbag, C-540/11, não publicado, EU:C:2012:581, n.os 26 e 27 e jurisprudência aí referida).

39      Importa aliás recordar que, quando uma medida nacional está relacionada simultaneamente com a livre prestação de serviços e a livre circulação de capitais, o Tribunal de Justiça examina-a, em princípio, à luz de uma apenas dessas liberdades se considerar que, nas circunstâncias do processo principal uma delas é totalmente secundária relativamente à outra e lhe pode ser associada (v., neste sentido, acórdãos de 3 de outubro de 2006, Fidium Finanz, C-452/04, EU:C:2006:631, n.° 34, e de 1 de julho de 2010, Dijkman e Dijkman-Lavaleije, C-233/09, EU:C:2010:397, n.° 33).

40      Ora, como sublinhou o advogado-geral nos n.os 48 e 49 das suas conclusões, o imposto anual sobre os OIC, por onerar os ativos líquidos dos OIC de direito estrangeiro, está ligado à aquisição, pelos residentes, de participações, negociadas ou não em Bolsa, de organismos estrangeiros. Esta operação está prevista na enumeração dos movimentos de capitais constante da parte A, relativa às «[t]ransações sobre certificados de participação em organismos de investimento coletivo [OIC]», da rubrica IV do anexo I da Diretiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de junho de 1988, para aplicação do artigo 67.° do Tratado [(artigo revogado pelo Tratado de Amesterdão)] (JO 1988, L 178, p. 5), com a epígrafe «operações sobre certificados de participação em [OIC]», a que o Tribunal de Justiça reconheceu valor indicativo (v., neste sentido, acórdãos de 7 de junho de 2012, VBV – Vorsorgekasse, C-39/11, EU:C:2012:327, n.° 21, e de 21 de maio de 2015, Wagner-Raith, C-560/13, EU:C:2015:347, n.os 23 e 24). Tal imposto releva portanto da livre circulação de capitais.

41      Se a livre prestação de serviços pode igualmente ser afetada por um imposto como o imposto anual sobre os OIC, por este poder ter efeitos sobre os serviços financeiros comercializados na Bélgica pelos OIC de direito estrangeiro, esta liberdade é neste caso secundária relativamente à liberdade de circulação de capitais que lhe pode ser associada.

42      Nestas condições há que considerar que, com as questões segunda e terceira, o tribunal de reenvio pergunta se o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado-Membro que institui um imposto anual sobre os OIC, como a que está em causa no processo principal, o qual sujeita a este imposto os OIC de direito estrangeiro que comercializam participações nesse Estado-Membro.

43      A este respeito há que recordar que nos termos de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça os Estados-Membros devem exercer a sua competência em matéria de fiscalidade direta com observância do Direito da União, designadamente das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado (v. designadamente, acórdão de 23 de fevereiro de 2016, Comissão/Hungria, C-179/14, EU:C:2016:108, n.° 171 e jurisprudência aí referida).

44      No tocante à livre circulação de capitais, resulta igualmente de jurisprudência constante que as medidas proibidas pelo artigo 56.°, n.° 1, do TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são suscetíveis de dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro ou de dissuadir os residentes desse Estado-Membro de investirem noutros Estados (v., neste sentido, acórdãos de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C-436/08 e C-437/08, EU:C:2011:61, n.° 50 e jurisprudência aí referida).

45      No presente processo, a NN (L), que considera que o Reino da Bélgica exerce, ao aplicar o imposto anual sobre os OIC aos OIC de direito estrangeiro, uma competência fiscal extraterritorial contrária à prática fiscal internacional, sustenta que este imposto é discriminatório e constitui uma restrição à livre circulação dos capitais, pois os OIC de direito belga e os OIC de direito estrangeiro têm um tratamento fiscal igual ao passo que se encontram numa situação que não é objetivamente comparável. Com efeito, por um lado, os OIC de direito estrangeiro, ao contrário dos OIC de direito belga, são constituídos de acordo com um Direito estrangeiro e não têm sede na Bélgica e quer o seu património quer o local de investimento do seu capital se situam no estrangeiro. Por outro lado, o referido imposto constituiria um encargo financeiro adicional para os OIC de direito estrangeiro, que acresceria, no que se refere aos OIC de direito luxemburguês, a um imposto de inscrição, o que diminuiria a rentabilidade das participações em detrimento de todos os detentores de participações, belgas ou estrangeiros, constituindo dissuasão à subscrição dessas participações e, por conseguinte, colocaria os OIC de direito estrangeiro em desvantagem em relação aos de direito belga.

46      No entanto, importa constatar que, uma vez que o imposto anual sobre os OIC se aplica indistintamente a todos os OIC, sejam de direito belga ou de direito estrangeiro, a única diferença da situação objetiva destas duas categorias de OIC, no tocante à sua sujeição a este imposto, reside no facto de no caso dos OIC de direito estrangeiro o imposto anual sobre os OIC acrescer à tributação a que eles já podem ter sido sujeitos no Estado-Membro em que estão estabelecidos.

47      Ora o Tribunal de Justiça já tem reiteradamente declarado que na ausência de harmonização no plano da União as desvantagens que podem resultar do exercício paralelo das competências fiscais dos diferentes Estados-Membros, desde que não discriminatório, não constituem restrição às liberdades de circulação (acórdãos de 8 de dezembro de 2011, Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, C-157/10, EU:C:2011:813, n.° 38 e jurisprudência aí referida, e de 21 de novembro de 2013, X, C-302/12, EU:C:2013:756, n.° 28) e, por outro lado, os Estados-Membros não têm a obrigação de adaptar o seu sistema fiscal aos diferentes sistemas de tributação dos outros Estados-Membros para eliminarem duplas tributações (v., neste sentido, acórdão de 12 de fevereiro de 2009, Block, C-67/08, EU:C:2009:92, n.° 31).

48      Donde se conclui que o imposto anual sobre os OIC não pode ser considerado como restrição à livre circulação de capitais.

49      Destarte, há que responder às questões segunda e terceira que o artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que institui um imposto anual sobre os OIC, como a que está em causa no processo principal, a qual sujeita a este imposto os OIC de direito estrangeiro que comercializam participações nesse Estado-Membro.

 Sexta questão

50      Na sua sexta questão, o tribunal de reenvio pergunta se os artigos 49.° e 56.° CE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional, como a do artigo 162.°, segundo parágrafo do código dos direitos sucessórios, na qual um Estado-Membro prevê uma sanção específica, a saber, a proibição judicial de os OIC de direito estrangeiro comercializarem participações nesse Estado-Membro no caso de esses OIC não cumprirem a obrigação declarativa anual necessária à cobrança do imposto sobre os OIC ou de não pagarem o imposto.

51      O governo belga sustenta que esta questão é igualmente inadmissível. Segundo ele, tendo o litígio do processo principal por objeto não a sanção prevista no artigo 162.°, segundo parágrafo do código dos direitos sucessórios mas a restituição do imposto anual sobre os OIC paga pela NN (L) relativa ao exercício de 2006, a questão não tem qualquer ligação com o objeto do litígio e a aplicação de uma sanção contra essa sociedade é puramente hipotética.

52      Decorre porém da decisão de reenvio que a NN (L) contesta, no quadro do litígio do processo principal, a legalidade do imposto que lhe foi cobrado, alegando que as disposições do código dos direitos sucessórios que regulam o imposto anual sobre os OIC, incluindo as relativas às sanções, não são conformes com o Direito da União. A questão colocada pelo tribunal de reenvio não é portanto uma questão que manifestamente não tenha qualquer ligação com o objeto do litígio do processo principal. Quanto ao caráter hipotético da sanção, não pode exigir-se que a parte infrinja o direito interno a fim de lhe ser aplicada uma sanção para poder invocar perante o tribunal nacional a violação do Direito da União (v., neste sentido, acórdão de 13 de março de 2007, Unibet, C-432/05, EU:C:2007:163, n.° 64). A sexta questão é, portanto, admissível.

53      Por consistir em proibir aos OIC de direito estrangeiro comercializarem participações na Bélgica, a sanção prevista no artigo 162.°, segundo parágrafo, do código dos direitos sucessórios deve, como referido pelo advogado geral no n.° 65 das suas conclusões, ser examinada em face das regras relativas à livre prestação de serviços.

54      No tocante a esta sanção, o governo belga indicou nas suas observações escritas e na audiência no Tribunal de Justiça, que a mesma reproduz a sanção prevista no artigo 133.° ter do código dos direitos sucessórios, para o qual remete o artigo 161.°, primeiro parágrafo, do referido código e que se aplica quer aos OIC de direito belga quer aos OIC de direito estrangeiro.

55      Todavia, contrariamente ao que sustenta o governo belga, a sanção prevista no artigo 133.° ter do código dos direitos sucessórios e a prevista no artigo 162.°, segundo parágrafo do mesmo código não podem ser consideradas equivalentes, embora a primeira possa implicar o encerramento do OIC com sede na Bélgica, ao passo que a segunda não impede o OIC de direito estrangeiro de exercer a sua atividade noutro país. Com efeito, como esclareceu o governo belga na audiência do Tribunal de Justiça, estas sanções não sancionam os mesmos factos. Aliás, a primeira sanção, ao contrário da segunda, só pode ser aplicada após condenação de determinadas pessoas por infração ao código dos direitos sucessórios, ao passo que a segunda pode aplicada ao OIC de direito estrangeiro que não fez a declaração anual ou que não pagou o imposto. Finalmente, a segunda destas sanções, que não exclui a aplicação da primeira, não é transitória, ao contrário da primeira.

56      Assim, o regime de sanções previsto na legislação belga é mais severo para os OIC de direito estrangeiro do que para os OIC de direito belga que incumpram as mesmas obrigações legais. Tal diferença de tratamento, baseada no lugar de estabelecimento, é suscetível de dissuadir os OIC de direito estrangeiro de comercializarem participações na Bélgica. Constitui assim uma restrição à livre prestação de serviços.

57      Para justificar essa diferença de tratamento, o governo belga alega que as proibições de exercício de uma atividade profissional ou as decisões de encerramento da empresa de que depende o representante ou o dirigente condenados em virtude do artigo 133.° ter e do artigo 162.°, primeiro parágrafo do código dos direitos sucessórios são dificilmente aplicáveis aos OIC de direito estrangeiro que comercializam as suas participações através de um intermediário financeiro na Bélgica, pelo facto de aí não terem sede, e as outras sanções, como as pecuniárias, são igualmente difíceis de executar no estrangeiro.

58      Há que recordar a este respeito que a restrição à livre prestação de serviços só pode ser admitida se se justificar por razões imperiosas de interesse geral. Mas é ainda necessário, nesse caso, que a aplicação dessa restrição seja apta a garantir a realização do objetivo prosseguido e não vá para além do necessário para o atingir (acórdão de 18 de outubro de 2012, X, C-498/10, EU:C:2012:635, n.° 36 e jurisprudência aí referida).

59      O Tribunal de Justiça já declarou que a necessidade de garantir a eficácia da cobrança de um imposto pode constituir uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar uma restrição à livre prestação de serviços (acórdãos de 18 de outubro de 2012, X, C-498/10, EU:C:2012:635, n.° 39, e de 19 de junho de 2014, Strojírny Prostějov e ACO Industries Tábor, C-53/13 e C-80/13, EU:C:2014:2011, n.° 46). O Tribunal de Justiça recordou igualmente que a aplicação de sanções, incluindo de natureza penal, pode ser considerada necessária para garantir o respeito efetivo de uma legislação nacional, desde que a natureza e o montante da sanção aplicada sejam, em cada um destes casos, proporcionados à gravidade da infração que visa punir (acórdão de 3 de dezembro de 2014, De Clercq e o., C-315/13, EU:C:2014:2408, n.° 73 e jurisprudência aí referida).

60      No caso em apreço, a possibilidade de aplicar uma sanção aos OIC de direito estrangeiro que não cumprem a obrigação de declaração e de pagamento é justificada pela necessidade de garantir a cobrança do imposto anual sobre os OIC e é adequada para permitir a realização desse objetivo.

61      Porém, mesmo sendo sujeita a apreciação judicial, uma sanção que consiste em proibir esses OIC de comercializarem participações na Bélgica para o futuro, como a prevista no artigo 162.°, segundo parágrafo do código dos direitos sucessórios, vai para além do necessário para atingir esse objetivo, uma vez que essa disposição não limita a duração dessa proibição nem prevê a possibilidade de graduação dessa sanção ou de aplicação de outras sanções menos restritivas em função da gravidade da infração cometida.

62      Destarte, há que responder à sexta questão que o artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional como o artigo 162.°, segundo parágrafo do código dos direitos sucessórios, na qual um Estado-Membro prevê uma sanção específica, a saber, a proibição judicial de aí continuar a comercializar participações, aplicável aos OIC de direito estrangeiro em caso de não cumprimento da obrigação de declaração anual necessária para a cobrança de um imposto sobre os OIC ou de não pagamento do mesmo.

 Quanto às despesas

63      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      Os artigos 2.°, 4.°, 10.° e 11.° da Diretiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de julho de 1969, relativa aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais (JO 1969, L 249, p. 25), conforme alterada pela Diretiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de junho de 1985, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação de um Estado-Membro que estabelece um imposto anual sobre os organismos de investimento coletivo, como a que está em causa no processo principal, que sujeita a este imposto os organismos de investimento coletivo de direito estrangeiro que comercializam participações nesse Estado-Membro.

2)      A Diretiva 85/611/CEE do Conselho, de 20 de dezembro de 1985, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes a alguns organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (OICVM), eventualmente lida em conjugação com os artigos 10.° e 293.°, segundo travessão CE, deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a uma legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que institui um imposto anual sobre os organismos de investimento coletivo sujeitando a este imposto os organismos de investimento coletivo de direito estrangeiro que comercializam participações nesse Estado-Membro, desde que essa legislação seja aplicada de forma não discriminatória.

3)      O artigo 56.° CE deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação de um Estado-Membro que institui um imposto anual sobre os organismos de investimento coletivo, como a que está em causa no processo principal, a qual sujeita a este imposto os OIC de direito estrangeiro que comercializam participações nesse Estado-Membro.

4)      O artigo 49.° CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional como o artigo 162.°, segundo parágrafo do código dos direitos sucessórios, conforme modificado pela Lei-programa de 22 de dezembro de 2003, na qual um Estado-Membro prevê uma sanção específica, a saber, a proibição judicial de aí continuar a comercializar participações, aplicável aos organismos de investimento coletivo de direito estrangeiro em caso de não cumprimento da obrigação de declaração anual necessária para a cobrança de um imposto sobre os organismos de investimento coletivo ou de não pagamento do mesmo.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.