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CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 7 de setembro de 2016 (1)

Processo C-283/15

X

contra

Staatssecretaris van Financiën

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial – Impostos sobre o rendimento – Igualdade de tratamento – Rendimentos auferidos em vários Estados-Membros – Benefício fiscal – Acórdão de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31)»





I –    Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial dirigido ao Tribunal de Justiça pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) refere-se à aplicabilidade da jurisprudência iniciada pelo acórdão de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31), numa situação inédita. Com efeito, o litígio no processo principal caracteriza-se pelo facto de, por um lado, o contribuinte receber um rendimento tão pequeno no Estado da sua residência que não pode aí beneficiar de uma redução de imposto relativa à sua situação pessoal e familiar e, por outro, os seus outros rendimentos serem tributados em vários outros Estados nos quais não é residente.

II – Quadro jurídico

2.        O tratamento fiscal dos residentes e dos não residentes nos Países Baixos rege-se pela Wet Inkomstenbelasting 2001 (lei de 2001 relativa ao imposto sobre o rendimento, a seguir «lei de 2001»).

3.        Nos termos do artigo 2.3 da lei de 2001:

«O imposto sobre o rendimento incide sobre os rendimentos seguintes, auferidos pelo contribuinte no ano civil pertinente:

a)      os rendimentos tributáveis procedentes do trabalho ou de uma habitação;

b)      os rendimentos tributáveis procedentes de uma participação social importante e

c)      os rendimentos tributáveis procedentes da poupança e de aplicações financeiras.»

4.        o artigo 2.4 da lei de 2001 prevê:

«1.      Os rendimentos tributáveis procedentes do trabalho ou de uma habitação são determinados:

a)      relativamente aos contribuintes nacionais: segundo as disposições do Capítulo 3,

b)      relativamente aos contribuintes estrangeiros: segundo as disposições da Secção 7.2 […]»

5.        Nos termos do artigo 2.5 da lei de 2001:

«1.   Os contribuintes nacionais que só residam nos Países Baixos durante uma parte do ano civil, bem como os contribuintes estrangeiros que residam noutro Estado-Membro da União Europeia ou num Estado terceiro, designado por decreto ministerial, com o qual o Reino dos Países Baixos tenha celebrado um acordo para prevenção da dupla tributação que preveja o intercâmbio de informações e que estejam sujeitos a imposto no referido Estado-Membro ou no território do referido Estado terceiro podem optar pelo regime fiscal previsto na presente lei para os contribuintes nacionais [...]

[...]»

6.        Em conformidade com o artigo 3.120, n.° 1, da lei de 2001, os residentes nos Países Baixos têm o direito de deduzir os «rendimentos negativos» procedentes de uma habitação situada nos Países Baixos de que sejam proprietários.

7.        O artigo 7.1, alínea a), da lei de 2001, dispõe, além disso, que o imposto sobre o rendimento é liquidado sobre os rendimentos tributáveis procedentes do trabalho ou de uma habitação nos Países Baixos e auferidos durante o ano civil.

8.        O artigo 7.2, n.° 2, alíneas b) e f), da lei de 2001 precisa, além disso, que o rendimento tributável procedente do salário do trabalho prestado nos Países Baixos e, sendo caso disso, os rendimentos tributáveis derivados da propriedade de uma habitação nos Países Baixos fazem parte dos rendimentos tributáveis a título de trabalho ou de uma habitação.

III – Factos do litígio no processo principal

9.        X é um nacional neerlandês que, em 2007, residia em Espanha. Era proprietário de uma habitação nesse país, na aceção da lei de 2001 (a seguir «habitação própria»), relativamente à qual pagava juros de um empréstimo hipotecário.

10.      Nos Países Baixos, nos termos da lei de 2001, o imposto sobre o rendimento incide sobre os rendimentos do trabalho e sobre os rendimentos «procedentes da habitação». Quando esta é propriedade do próprio contribuinte, confere-lhe proventos fiscais (calculados em percentagem do seu valor) aos quais são deduzidos os encargos de obtenção destes proventos (entre os quais os juros de empréstimos hipotecários). Se o montante dos juros hipotecários exceder os proventos, os rendimentos do contribuinte designam-se rendimentos «negativos». Foi esse o caso de X em 2007.

11.      Nesse ano, os rendimentos da atividade profissional de X consistiram em montantes que lhe foram pagos por duas sociedades nas quais detinha participações maioritárias e que tinham a sua sede uma nos Países Baixos e a outra na Suíça. Os rendimentos de origem neerlandesa representaram 60% do seu rendimento global tributável e os de origem suíça 40% do mesmo. Não foi auferido nenhum rendimento em Espanha.

12.      Em conformidade com as convenções fiscais bilaterais aplicáveis, os rendimentos de origem neerlandesa foram tributados nos Países Baixos e os de origem suíça, na Suíça.

13.      Nos Países Baixos, X optou inicialmente pela equiparação a um contribuinte residente, prevista no artigo 2.5 da lei de 2001, que tem como efeito sujeitar o interessado a uma obrigação fiscal ilimitada nos Países Baixos. Neste contexto, a administração fiscal neerlandesa tomou em consideração o rendimento negativo da sua habitação própria em Espanha.

14.      Ora, o total do imposto assim calculado era superior ao que X devia ter pago se não tivesse exercido a opção de equiparação aos contribuintes residentes (o que teria por consequência que teria sido tributado na Suíça pelos rendimentos auferidos nesse Estado, ou seja, 40% do total dos seus rendimentos) e se, além disso, tivesse sido autorizado a deduzir integralmente os rendimentos negativos derivados da habitação própria.

15.      Renunciando ao seu pedido de opção, impugnou a liquidação nos órgãos jurisdicionais neerlandeses, sustentando que as disposições do direito da União relativas à livre circulação deviam ser interpretadas no sentido de que permitiam aos contribuintes não residentes obter a dedução dos rendimentos negativos da sua habitação própria, sem que isso os obrigasse a optar por uma equiparação aos residentes.

16.      Depois de o seu pedido ter sido julgado improcedente pelo Rechtbank te Haarlem (tribunal de primeira instância de Haarlem, Países Baixos) e pelo Gerechtshof Amsterdam (tribunal de segunda instância de Amsterdão, Países Baixos), X interpôs recurso de cassação para o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos).

17.      Este órgão jurisdicional tem dúvidas sobre o alcance da jurisprudência Schumacker (2), atendendo a que, contrariamente à situação de facto no processo que deu origem a esse acórdão, X não aufere (totalmente ou quase exclusivamente) o seu rendimento familiar num único Estado-Membro competente para tributar este rendimento e que pudesse, assim, ter em conta a sua situação pessoal e familiar.

18.      Ora, segundo o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos), os acórdãos de 14 de setembro de 1999, Gschwind (C-391/97, EU:C:1999:409), de 10 de maio de 2012, Comissão/Estónia (C-39/10, EU:C:2012:282), e de 12 de dezembro de 2002, de Groot (C-385/00, EU:C:2002:750), podem ser interpretados no sentido de que o Estado em que é exercida a atividade deve sempre ter em conta a situação pessoal e familiar do interessado quando o Estado de residência não está em condições de o fazer.

19.      Neste contexto, o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça.

IV – Pedido de decisão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

20.      Por decisão de 22 de maio de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de junho de 2015, o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) decidiu submeter ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.° TFUE, as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem as disposições do Tratado FUE sobre livre circulação ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma legislação nacional nos termos da qual um cidadão da União, que reside em Espanha e cujos rendimentos do trabalho são tributados pelos Países Baixos em cerca de 60% e pela Suíça em cerca de 40%, não pode deduzir os seus rendimentos negativos da sua habitação própria, de utilização pessoal e situada em Espanha, aos rendimentos do trabalho tributados pelos Países Baixos, mesmo que aufira um rendimento tão baixo no Estado de residência, concretamente a Espanha, que os referidos rendimentos negativos não possam conduzir, no ano em questão, a uma dedução fiscal no Estado da residência?

2)      a)     Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, deve cada um dos Estados onde o cidadão da União aufere uma parte dos seus rendimentos ter em conta a totalidade dos referidos rendimentos negativos? Ou aplica-se tal obrigação apenas a um dos Estados de emprego em causa? Em caso afirmativo, a qual? Ou deve cada um dos Estados de emprego (diferente do Estado de residência) autorizar a dedução de uma parte desses rendimentos negativos? Como deve ser determinada, neste último caso, a parte dos rendimentos a deduzir?

      b)      É determinante, para este efeito, o Estado-Membro onde o trabalho é efetivamente realizado, ou o Estado-Membro competente para tributar os rendimentos assim auferidos?

3)       A resposta às questões formuladas na segunda questão é diferente se um dos Estados onde o cidadão da União aufere os seus rendimentos for a [Confederação Suíça], que não é Estado-Membro da União Europeia, nem tão-pouco faz parte do Espaço Económico Europeu (EEE)?

4)       Em que medida é relevante, a este respeito, o facto de a legislação do país de residência do sujeito passivo (neste caso, o Reino de Espanha) prever a possibilidade de dedução dos juros imobiliários relativos à habitação própria do sujeito passivo, e a possibilidade de compensação dos prejuízos fiscais daí decorrentes no ano em causa com os rendimentos eventualmente auferidos nesse país, em anos posteriores?»

21.      Foram apresentadas observações escritas por X, pelos governos neerlandês, belga, alemão, austríaco, português, sueco e do Reino Unido, bem como pela Comissão Europeia. Além disso, com exceção dos governos belga e português, todos fizeram alegações na audiência realizada em 29 de junho de 2016.

V –    Análise

A –    Observação liminar sobre a liberdade de circulação aplicável

22.      O órgão jurisdicional de reenvio não se pronuncia sobre a qualificação das prestações que originaram o rendimento de X nem, por consequência, sobre a liberdade de circulação em relação à qual deve ser apreciada a legislação neerlandesa.

23.      Os governos austríaco, sueco e do Reino Unido consideram, apesar disso, que se trata a priori de aplicar o artigo 49.° TFUE e a liberdade de estabelecimento nele consagrada, pois que resulta do pedido de decisão prejudicial que X controlava e dirigia a atividade das sociedades neerlandesa e suíça em causa através de participações maioritárias. Por conseguinte, era um trabalhador independente. Esta análise parece pertinente.

24.      Como estas participações maioritárias excluem a aplicabilidade da livre circulação de capitais, basta recordar que o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de confirmar que a solução adotada no acórdão de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31), em matéria de livre circulação de trabalhadores devia ser aplicada aos trabalhadores independentes (3).

B –    Quanto à primeira questão prejudicial

25.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o Estado de emprego é obrigado a conceder um benefício fiscal previsto para os residentes a um não residente que aí aufere 60% do total dos seus rendimentos profissionais, entendendo-se que este contribuinte não pode ter este benefício no Estado em que reside, por aí não auferir rendimentos suficientes.

1.      Princípios aplicáveis em matéria de fiscalidade direta

26.      Resulta de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que os Estados-Membros devem exercer a sua competência fiscal no respeito do direito da União (4), mais particularmente das disposições do Tratado sobre as liberdades de circulação. Por conseguinte, os Estados-Membros devem abster-se de qualquer discriminação ostensiva ou dissimulada baseada na residência do contribuinte(5), sendo o critério da residência geralmente determinante em matéria fiscal.

27.      Qualquer discriminação pressupõe um tratamento diferente de situações comparáveis. Ora, o Tribunal de Justiça já decidiu que os residentes e os não residentes não estão geralmente neste tipo de situações. Com efeito, o rendimento auferido no território de um Estado por um não residente constitui, muito frequentemente, apenas uma parte dos seus rendimentos globais, centralizados no lugar da residência. Ora, a capacidade contributiva pessoal do contribuinte pode mais facilmente ser apreciada pelo Estado de residência, pois se trata do local onde tem o centro dos seus interesses pessoais e patrimoniais (6).

28.      Todavia, no acórdão de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31), o Tribunal de Justiça reconheceu que esta regra comportava uma exceção nos casos em que o contribuinte não residente não aufere rendimentos significativos no Estado de residência e obtém o essencial dos seus recursos tributáveis de uma atividade exercida no Estado de emprego, de modo que o Estado de residência não se encontra em condições de lhe atribuir os benefícios resultantes da tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar (7) (a seguir «exceção Schumacker»).

29.      Além disso, o Tribunal de Justiça também já declarou que a possibilidade de o contribuinte residente poder deduzir dos seus rendimentos tributáveis os «rendimentos negativos» relativos a um bem imóvel sito no Estado-Membro da sua residência constitui um benefício fiscal relativo à sua situação pessoal (8).

30.      Resta, pois, determinar se o caso de X é abrangido pela exceção Schumacker; noutros termos, se a sua situação de não residente é comparável à de um residente.

2.      Condições de comparabilidade das situações

31.      Todos os governos que apresentaram observações escritas consideram que o direito da União não se opõe a uma regulamentação como a que está em causa no processo principal, porque o facto de auferir 60% dos seus rendimentos no Estado de emprego não torna a situação de um não residente comparável à de um residente.

32.      No n.° 36 do acórdão de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31), o Tribunal de Justiça decidiu que as situações eram excecionalmente comparáveis «em casos como o presente, em que o não residente não aufere rendimentos significativos no Estado de residência e obtém o essencial dos seus recursos tributáveis de uma atividade exercida no Estado de emprego, de modo que o Estado de residência não se encontra em condições de lhe atribuir os benefícios resultantes da tomada em consideração da sua situação pessoal e familiar» (9).

33.      Por conseguinte, para que as situações de um residente e de um não residente sejam comparáveis na aceção da exceção Schumacker, devem estar reunidas três condições. Duas delas respeitam ao Estado de residência, ao passo que a terceira visa o Estado de emprego. Quando estão reunidas as três condições, o Estado de emprego é obrigado a conceder, tanto aos não residentes como aos residentes, os mesmos benefícios fiscais relativos à sua situação pessoal e familiar.

a)      Condições ligadas ao Estado de residência

34.      As duas condições estão ligadas, no sentido de que a segunda decorre da primeira: o contribuinte não deve auferir rendimentos significativos no Estado da sua residência, de modo que este não está em condições de lhe conceder os benefícios que resultam da tomada em conta da sua situação pessoal e familiar.

35.      Segundo o direito fiscal internacional (10), estes benefícios devem, em princípio, ser concedidos pelo Estado de residência. Por isso, o facto de o contribuinte não auferir rendimento suficiente nesse Estado tem por consequência que a sua situação pessoal e familiar não será tida em conta por nenhum Estado se se respeitar o princípio de que é ao Estado de residência que compete apreciar esta situação (11).

b)      A condição ligada ao Estado de emprego

36.      Com toda a lógica, o Tribunal de Justiça exige também que o contribuinte não residente «obte [nha] o essencial dos seus recursos tributáveis de uma atividade exercida no Estado de emprego» (12).

37.      Neste caso, como o Tribunal de Justiça explica no n.° 38 do acórdão de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31), «[a] discriminação de um não residente que aufere o essencial dos seus rendimentos e a quase totalidade dos rendimentos familiares num Estado-Membro diverso do da sua residência consiste em a sua situação pessoal e familiar não ser tomada em conta no Estado de residência nem no Estado de emprego» (13).

38.      Com efeito, «[e]ntre tal não residente e um residente que exerce atividades assalariadas [ou independentes] comparáveis não existe qualquer diferença de situação objetiva suscetível de justificar diferenças de tratamento quanto à tomada em consideração, para efeitos de tributação, da sua situação pessoal e familiar» (14).

39.      Como se vê, a exigência de auferir no Estado de emprego o essencial dos seus rendimentos está estreitamente ligada ao facto de o contribuinte não ter rendimento significativo no Estado da sua residência.

40.      Como explicou o advogado-geral P. Léger nas conclusões que apresentou no processo Schumacker (C-279/93, EU:C:1994:391), «só uma apreciação factual a cargo do juiz nacional permitirá determinar o limite a partir do qual os rendimentos no Estado de residência são suficientes para que a situação pessoal do interessado seja tomada em consideração pelas autoridades fiscais deste Estado. Só os residentes deste último que não tenham atingido o limite poderão ser equiparados aos residentes do Estado de emprego onde obtêm o essencial dos seus rendimentos» (15).

41.      Os acórdãos de 14 de setembro de 1999, Gschwind (C-391/97, EU:C:1999:409), e de 10 de maio de 2012, Comissão/Estónia (C-39/10, EU:C:2012:282), revelam, a este respeito, na determinação da comparabilidade das situações, a importância do critério relativo à capacidade do Estado de residência ou do Estado de emprego para tomarem em consideração os encargos pessoais e familiares.

42.      Com efeito, no acórdão de 14 de setembro de 1999, Gschwind (C-391/97, EU:C:1999:409), o Tribunal de Justiça observou que, «tendo em conta que cerca de 42% do rendimento mundial do casal Gschwind são obtidos no seu Estado de residência, este último está em condições de tomar em conta a situação pessoal e familiar de F. Gschwind, segundo as modalidades previstas pela legislação desse Estado, pois a matéria coletável é aí suficiente para permitir essa tomada em conta» (16). Nestas condições, a situação de um casal não residente em que um dos cônjuges trabalha no Estado de tributação não foi julgada comparável à de um casal residente.

43.      Pelo contrário, no acórdão de 10 de maio de 2012, Comissão/Estónia (C-39/10, EU:C:2012:282), o Tribunal de Justiça começou por afirmar que, quando cerca de 50% dos rendimentos totais do interessado são auferidos no seu Estado-Membro de residência, «este último deve, em princípio, estar em condições de tomar em consideração a sua capacidade contributiva» (17). Todavia, o Tribunal de Justiça acrescentou que, «[n]o entanto, num caso como o da queixosa, que, devido ao reduzido montante dos seus rendimentos globais, não é, por força da legislação fiscal do Estado-Membro de residência, tributável neste último, esse Estado não está em situação de tomar em consideração a capacidade contributiva e a situação pessoal e familiar da interessada» (18). O Tribunal de Justiça concluiu que, nestas circunstâncias, a recusa, pelo Estado-Membro onde são auferidos os rendimentos em causa (no caso, uma pensão de reforma) de conceder uma dedução prevista pela sua regulamentação fiscal penaliza os contribuintes não residentes pelo simples facto de terem exercido a liberdade de circulação garantida pelo Tratado.

44.      A terceira condição é ainda exemplificada no acórdão de 18 de junho de 2015, Kieback (C-9/14, EU:C:2015:406). Com efeito, no n.° 28 deste acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu que «a mera circunstância de um não residente ter auferido, no Estado de emprego, rendimentos nas mesmas condições que um residente desse Estado não basta para tornar a sua situação objetivamente comparável com a desse residente. É ainda necessário, para que se possa verificar essa comparabilidade objetiva, que, pelo facto de esse não residente auferir o essencial dos seus rendimentos no Estado-Membro de emprego, o Estado-Membro de residência não esteja em condições de lhe conceder os benefícios resultantes da tomada em consideração de todos os seus rendimentos e da sua situação pessoal e familiar» (19).

45.      Decorre necessariamente do que antecede que, numa situação em que não haja nenhum rendimento tributável no Estado-Membro de residência, poderia haver discriminação se a situação pessoal e familiar do contribuinte não fosse tomada em consideração no Estado-Membro de residência nem no Estado-Membro de emprego (20).

46.      No caso vertente, X preenche inegavelmente as duas primeiras condições. Não aufere nenhum rendimento tributável em Espanha. Por conseguinte, este Estado de residência não tem a possibilidade de lhe conceder os benefícios fiscais ligados à sua situação pessoal e familiar. No que respeita à terceira condição, é claro que aufere a parte essencial (e até a totalidade) dos seus rendimentos profissionais fora do Estado de residência, 60% nos Países Baixos e 40% na Suíça.

3.      Comparabilidade das situações no caso de vários Estados de emprego

47.      Penso que a circunstância de o contribuinte auferir o essencial dos seus rendimentos em vários Estados de emprego não tem influência sobre a aplicação em princípio da exceção Schumacker.

48.      Com efeito, o critério determinante é o da impossibilidade de um Estado de tomar em conta a situação pessoal e familiar do contribuinte por falta de rendimentos tributáveis suficientes, quando essa tomada em conta é possível noutros Estados em razão de fontes de rendimento adequadas.

49.      Embora o Tribunal de Justiça só se tenha referido até agora a um único Estado de emprego no exame da comparabilidade das situações, isso aconteceu em razão do quadro factual na origem dos pedidos de decisão prejudicial que lhe foram submetidos, pois que, do ponto de vista teórico, a pluralidade de Estados de emprego não modifica os parâmetros da análise.

50.      Entendo, aliás, que o acórdão de 12 de dezembro de 2002, de Groot (C-385/00, EU:C:2002:750) confirma essa interpretação do acórdão de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31), e da jurisprudência subsequente.

51.      Com efeito, no acórdão de Groot, o Tribunal de Justiça reconheceu expressamente aos Estados-Membros a possibilidade de «alterar esta correlação entre a tomada em consideração pelo Estado de residência, por um lado, do conjunto dos rendimentos dos seus residentes e, por outro, da respetiva situação pessoal e familiar global, por meio de convenções, bilaterais ou multilaterais, de prevenção da dupla tributação» (21). Todavia, o Tribunal de Justiça teve o cuidado de precisar que estes mecanismos devem «assegurar aos sujeitos passivos dos Estados em causa que, no total, toda a sua situação pessoal e familiar seja devidamente tida em conta, qualquer que seja o modo segundo o qual os Estados-Membros em causa repartiram entre si essa obrigação, sob pena de se criar uma desigualdade de tratamento incompatível com as disposições do Tratado sobre a livre circulação de trabalhadores, que de modo algum resulta das disparidades existentes entre as legislações fiscais nacionais» (22).

52.      Não se exclui, portanto, que a situação pessoal e familiar do contribuinte seja assegurada por vários Estados-Membros, desde que, em cada um deles, os rendimentos sejam suficientes para permitir esta tomada em conta. Mais uma vez, a única exigência é que toda esta situação seja considerada, por um ou vários Estados-Membros.

53.      Com efeito, não seria paradoxal que um cidadão da União que exerce uma das liberdades fundamentais garantidas pelos tratados em dois Estados-Membros não beneficiasse da exceção Schumacker, quando um cidadão que apenas a exerceu num único Estado-Membro beneficiaria dela? Basta imaginar que Schumacker, residindo na Bélgica, tivesse trabalhado a tempo parcial na Alemanha e a tempo parcial nos Países Baixos. A exceção não teria sido aplicável?

4.      Conclusão intermédia

54.      À luz das considerações precedentes, entendo, por conseguinte, que as disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação dos trabalhadores se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual um cidadão da União, cujos rendimentos profissionais, auferidos e tributados numa percentagem de cerca de 60% por um Estado-Membro em que não reside e numa percentagem de cerca de 40% por um Estado terceiro, não pode deduzir dos seus rendimentos profissionais tributados pelo primeiro Estado de emprego os rendimentos negativos relativos a um bem imóvel situado no Estado de residência, no qual não tem nenhum rendimento significativo ou apenas tem um rendimento tão modesto que não lhe permite reduzir o imposto eventualmente devido.

55.      Uma vez que proponho uma resposta afirmativa à primeira questão, há que abordar as outras questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

C –    Quanto à segunda questão prejudicial

56.      A segunda questão visa, em substância, saber se a obrigação de conceder ao contribuinte os benefícios fiscais conexos com a sua situação pessoal incumbe a um único Estado-Membro ou a cada Estado de atividade e em que proporção. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta também se se deve entender como Estado-Membro de atividade o Estado em que a atividade é efetivamente desenvolvida ou o Estado competente para tributar os rendimentos derivados da atividade.

57.      Antes de mais, visto que se trata de tomar em consideração a situação pessoal e familiar de um contribuinte para lhe conceder um benefício fiscal, o «Estado de atividade» só pode ser um Estado que tenha competência fiscal em relação ao contribuinte. Com efeito, não é possível a um Estado tomar em conta a situação pessoal e familiar de uma pessoa se esta não dispõe aí de rendimentos tributáveis.

58.      Depois, no que respeita à repartição da tomada em conta, a resposta deve mais uma vez ser procurada no objetivo subjacente a toda a jurisprudência iniciada pelo acórdão de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31). Trata-se de assegurar a tomada em conta da situação pessoal e profissional do contribuinte.

59.      É verdade que, na falta de medidas de unificação ou de harmonização a nível da União, os Estados-Membros continuam a ser competentes para determinar os critérios de tributação dos rendimentos com vista a eliminar, eventualmente por via convencional, a dupla tributação (23). Na mesma perspetiva, o Tribunal de Justiça decidiu também que os Estados-Membros em causa podem tomar em consideração os benefícios fiscais eventualmente atribuídos por outro Estado-Membro de tributação. Todavia, esta possibilidade é autorizada «sem prejuízo […] de que, qualquer que seja o modo como esses Estados-Membros tenham repartido entre si essa obrigação, os seus contribuintes tenham a garantia de que, no total, a sua situação pessoal e familiar será devidamente tomada em conta, no seu conjunto» (24).

60.      Parece-me, por isso, que a única forma de conciliar a liberdade dos Estados-Membros, por um lado, com a exigência de tomada em conta global de toda a situação pessoal e familiar do contribuinte, por outro, é conceder o benefício em causa proporcionalmente aos rendimentos tributados em cada Estado de emprego em causa (25).

61.      Esta solução não só é conforme com os objetivos das liberdades fundamentais prosseguidos pelos tratados, mas também protege a soberania dos Estados-Membros em matéria de fiscalidade direta. A repartição do poder de tributação entre os Estados-Membros fica, assim, preservada.

62.      Por outro lado, observo que esta solução é também a preferida pela doutrina que examinou a hipótese de uma pluralidade de Estados de emprego (26).

63.      Na minha opinião, deve, por isso, responder-se à segunda questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio no sentido de que, no caso de um contribuinte não ter rendimento significativo no Estado da sua residência, o qual não pode, por isso, conceder-lhe os benefícios fiscais ligados à sua situação pessoal e familiar, cada Estado-Membro em que é exercida uma atividade e que seja competente para tributar os rendimentos derivados dessa atividade deve, para ter em conta a situação pessoal e familiar do contribuinte, autorizar a dedução dos rendimentos negativos como os que estão em causa no presente processo, proporcionalmente aos rendimentos que tributa, desde que os rendimentos nesse Estado sejam suficientemente significativos para lhe conceder os benefícios em questão (27).

D –    Quanto à terceira questão prejudicial

64.      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a resposta dada à questão anterior é diferente quando o não residente aufere uma parte dos seus rendimentos tributáveis no território de um Estado terceiro, que também não é membro do EEE.

65.      A influência do exercício de uma atividade num Estado terceiro sobre o exame da comparabilidade das situações à luz dos critérios elaborados pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31), já foi examinada pelo Tribunal de Justiça.

66.      Com efeito, no processo que deu origem ao acórdão de 18 de junho de 2015, Kieback (C-9/14, EU:C:2015:406), o contribuinte em causa era um nacional alemão, que residia na Alemanha e trabalhava nos Países Baixos, mas que tinha ido exercer uma atividade profissional aos Estados Unidos durante três meses.

67.      No seu acórdão, o Tribunal de Justiça recordou que um sujeito passivo não residente, que não auferiu no Estado de emprego a totalidade ou a quase totalidade dos rendimentos familiares de que beneficiou durante todo o ano considerado, não está numa situação comparável com a dos residentes desse Estado, deduzindo desse facto que o Estado-Membro onde o sujeito passivo só auferiu uma parte dos seus rendimentos tributáveis durante todo o ano considerado não estava, por isso, obrigado a conceder-lhe os benefícios que concede aos seus próprios residentes (28). Além disso, o Tribunal de Justiça considerou que essa conclusão não podia ser posta em causa pela circunstância de o interessado ter deixado o seu emprego num Estado-Membro para exercer a sua atividade profissional não num Estado-Membro, mas num Estado terceiro (29).

68.      As respostas dadas à primeira e à segunda questões prejudiciais não são, por isso, diferentes quando um dos Estados em que o contribuinte aufere os seus rendimentos não é um Estado-Membro da União nem um Estado-Membro do EEE.

69.      A título de exaustividade, no que respeita em especial à Confederação Suíça, entendo que a obrigação de tomada em conta partilhada da situação pessoal e familiar do contribuinte lhe seria oponível.

70.      Com efeito, trata-se neste caso da aplicação do acórdão de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31), havendo vários Estados de atividade. Ora, esse acórdão é anterior à assinatura do acordo celebrado entre a Comunidade Europeia e os seus Estados-Membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro, sobre a livre circulação de pessoas, assinado no Luxemburgo em 21 de junho de 1999 (JO 2002, L 114, p. 6, a seguir «acordo»). Por conseguinte, em conformidade com o artigo 16.°, n.° 2, do acordo, essa jurisprudência deve ser tida em conta (30).

E –    Quanto à quarta questão prejudicial

71.      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a circunstância de a legislação do Estado-Membro de residência (neste caso, o Reino de Espanha) permitir ao contribuinte residente deduzir os juros hipotecários relativos à habitação própria e imputar as perdas fiscais que daí resultam no exercício em causa sobre eventuais rendimentos auferidos no mesmo Estado no decurso de alguns exercícios seguintes tem influência sobre as respostas dadas às questões precedentes.

1.      Quanto à natureza hipotética da quarta questão

72.      Observo que, no processo principal, resulta do pedido de decisão prejudicial que X não poderia ter usufruído desse benefício em Espanha depois de 2007 (31).

73.      A questão mostra-se, por isso, hipotética. Por conseguinte, é inadmissível (32).

74.      Todavia, no caso de o Tribunal de Justiça não vir a partilhar esta interpretação da questão, uma vez que o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) se referiu no seu pedido de decisão prejudicial ao acórdão de 13 de dezembro de 2005, Marks & Spencer (C-446/03, EU:C:2005:763), e o Reino da Bélgica e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte fizeram alguns comentários a este respeito nas suas observações escritas, abordarei também a questão a título subsidiário.

2.      A título subsidiário, quanto à irrelevância da possibilidade de reporte do benefício fiscal

75.      No acórdão de 13 de dezembro de 2005, Marks & Spencer (C-446/03, EU:C:2005:763), o Tribunal de Justiça julgou contrária ao direito da União uma regulamentação que impedia uma sociedade-mãe de deduzir as perdas sofridas por uma filial não residente, quando esta tinha esgotado as possibilidades de tomada em conta das perdas no Estado de residência no exercício em causa ou nos exercícios posteriores.

76.      A analogia é tentadora. Porém, penso que não é pertinente.

77.      Antes de mais, como observa a Comissão nas suas observações escritas, a resposta dada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 13 de dezembro de 2005, Marks & Spencer (C-446/03, EU:C:2005:763), respeita à imputação de perdas e não, como no caso vertente, à dedução de custos. Mais precisamente, observo que, no acórdão de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31), a exceção autorizada pelo Tribunal de Justiça apenas respeita a benefícios ligados à situação pessoal e familiar do contribuinte, que são muito diferentes dos que estavam em causa no processo que deu origem ao acórdão de 13 de dezembro de 2005, Marks & Spencer (C-446/03, EU:C:2005:763). Além disso este acórdão referiu-se a uma situação jurídica específica, a saber, a de duas pessoas coletivas distintas mas ligadas pela sua base acionista. No caso vertente, trata-se de um único contribuinte.

78.      Em seguida, está assente que um Estado-Membro não pode invocar a existência de um benefício concedido unilateralmente por outro Estado-Membro a fim de se eximir às obrigações que lhe incumbem por força do Tratado (33).

79.      Finalmente, observo que, na mesma lógica, o Tribunal de Justiça decidiu recentemente alargar às consequências favoráveis a jurisprudência segundo a qual as consequências desfavoráveis que resultam do exercício paralelo das competências fiscais dos Estados-Membros não constituíam necessariamente restrições proibidas pelo Tratado FUE.

80.      Com efeito, no acórdão de 12 de dezembro de 2013, Imfeld e Garcet (C-303/12, EU:C:2013:822), o Tribunal de Justiça rejeitou o argumento do governo estónio que pretendia evitar o risco de um duplo benefício fiscal aplicando por analogia o acórdão de 13 de dezembro de 2005, Marks & Spencer (C-446/03, EU:C:2005:763). Segundo o Tribunal de Justiça, a eventual possibilidade de beneficiar de um duplo benefício seria, de qualquer modo, apenas o fruto da aplicação paralela das regulamentações fiscais nacionais em causa (34).

81.      Dito isto, como já precisei anteriormente, o Tribunal de Justiça deixa aos Estados-Membros interessados a liberdade de tomarem em consideração os benefícios fiscais eventualmente concedidos por outro Estado-Membro tributário, desde que toda a situação pessoal e familiar do contribuinte seja devidamente tomada em conta (35).

82.      A este respeito, a existência de uma pluralidade de Estados-Membros não é suscetível de tornar obsoleta a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual as eventuais dificuldades administrativas ligadas à obtenção das informações necessárias podem ser ultrapassadas adequadamente graças à assistência mútua instituída pela Diretiva 2011/16/UE do Conselho, de 15 de fevereiro de 2011, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade e que revoga a Diretiva 77/799/CEE (36).

83.      Além disso, deve também recordar-se que, neste contexto, nada impede as autoridades fiscais interessadas de exigirem ao próprio contribuinte as provas que julguem necessárias para apreciar se devem ou não conceder a dedução pedida (37).

84.      Finalmente acrescentarei, para terminar, que a aplicação da exceção Schumacker ao caso concreto do processo principal apenas impõe ao Estado de emprego a aplicação do seu direito nacional à parte dos rendimentos auferidos no seu território nacional.

85.      Por isso, resulta das considerações precedentes que o facto de a legislação do Estado de residência do contribuinte lhe permitir deduzir os rendimentos negativos da sua habitação dos rendimentos eventuais de exercícios posteriores não tem relevância para as respostas dadas às três primeiras questões.

VI – Conclusão

86.      À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) do modo seguinte:

«1)      As disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação opõem-se a uma regulamentação nacional por força da qual um cidadão da União Europeia cujos rendimentos profissionais auferidos são tributados numa percentagem de cerca de 60% por um Estado-Membro em que não reside e numa percentagem de cerca de 40% por um Estado terceiro, não pode deduzir dos seus rendimentos profissionais tributados pelo primeiro Estado de emprego os rendimentos negativos relativos ao bem imóvel situado no Estado de residência, no qual não tem nenhum rendimento significativo ou apenas tem um rendimento tão modesto que não lhe permite reduzir aí o imposto eventualmente devido.

2)      No caso de um contribuinte não ter rendimento significativo no Estado da sua residência, o qual não pode, por isso, conceder-lhe os benefícios fiscais ligados à sua situação pessoal e familiar, cada Estado-Membro em que é exercida uma atividade e que seja competente para tributar os rendimentos derivados dessa atividade deve, para ter em conta a situação pessoal e familiar do contribuinte, autorizar a dedução dos rendimentos negativos como os que estão em causa no presente processo, proporcionalmente aos rendimentos que tributa, desde que os rendimentos nesse Estado sejam suficientemente significativos para lhe conceder os benefícios em questão.

3)      As respostas dadas à primeira e à segunda questões não são diferentes quando um dos Estados em que o contribuinte aufere os seus rendimentos não é um Estado-Membro da União Europeia nem um Estado-Membro do Espaço Económico Europeu.

4)      A quarta questão é inadmissível.

      A título subsidiário, o facto de a legislação do Estado de residência do contribuinte lhe permitir deduzir os rendimentos negativos da sua habitação pessoal dos rendimentos eventuais de exercícios posteriores não tem relevância para as respostas dadas às três primeiras questões.»


1 – Língua original: francês.


2 – Acórdão de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31).


3 – V. neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 11 de agosto de 1995, Wielockx (C-80/94, EU:C:1995:271); de 27 de junho de 1996, Asscher (C-107/94, EU:C:1996:251), e, mais recentemente, de 28 de fevereiro de 2013, Ettwein (C-425/11, EU:C:2013:121, n.° 47).


4 – V. neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31, n.° 21), de 13 de dezembro de 2005, Marks & Spencer (C-446/03, EU:C:2005:763, n.° 29), de 18 de julho de 2007, Oy AA (C-231/05, EU:C:2007:439, n.° 18), e de 22 de outubro de 2014, Blanco e Fabretti (C-344/13 e C-367/13, EU:C:2014:2311, n.° 24).


5 – V., neste sentido, acórdão de 14 de setembro de 1999, Gschwind (C-391/97, EU:C:1999:409, n.° 20).


6 – V. neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31, n.° 32); de 12 de dezembro de 2002, de Groot (C-385/00, EU:C:2002:750, n.° 90), e de 18 de junho de 2015, Kieback (C-9/14, EU:C:2015:406, n.° 22).


7 – V. neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31, n.° 36); de 18 de julho de 2007, Lakebrink et Peters-Lakebrink (C-182/06, EU:C:2007:452, n.° 30); de 16 de outubro de 2008, Renneberg (C-527/06, EU:C:2008:566, n.° 61), e de 18 de junho de 2015, Kieback (C-9/14, EU:C:2015:406, n.° 25).


8 – V., neste sentido, acórdão de 18 de junho de 2015, Kieback (C-9/14, EU:C:2015:406, n.° 19).


9 – Sublinhado meu.


10 – V. acórdão de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31, n.° 32).


11 – Também era este o ponto de partida do raciocínio do advogado-geral P. Léger nas conclusões que apresentou no processo Schumacker (C-279/93, EU:C:1994:391, n.° 66).


12 – Acórdão de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31, n.° 36).


13 – Sublinhado meu. V. também, neste sentido, acórdãos de 18 de julho de 2007, Lakebrink e Peters-Lakebrink (C-182/06, EU:C:2007:452, n.° 31); de 16 de outubro de 2008, Renneberg (C-527/06, EU:C:2008:566, n.° 62), e de 18 de junho de 2015, Kieback (C-9/14, EU:C:2015:406, n.° 26).


14 – Acórdão de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31, n.° 37).


15 – N.° 76.


16 – N.° 29. Isso implica, a fortiori, que a perceção de cerca de 60% dos seus rendimentos num Estado – como X nos Países Baixos no caso vertente – permite, em princípio, a este Estado tomar em consideração a situação pessoal e familiar do contribuinte em causa.


17 – N.° 54. Sublinhado meu.


18 – N.° 55. Sublinhado meu.


19 – Sublinhado meu. Por outro lado, como no caso vertente, «[a] circunstância de o referido trabalhador ter passado a exercer a sua atividade profissional num Estado terceiro e não noutro Estado-Membro da União Europeia não é relevante para esta interpretação» (acórdão de 18 de junho de 2015, Kieback, C-9/14, EU:C:2015:406, parte decisória).


20 – V., neste sentido, acórdão de 10 de maio de 2012, Comissão/Estónia (C-39/10, EU:C:2012:282, n.° 53), e, relativamente à aplicação do princípio, acórdão de 1 de julho de 2004, Wallentin (C-169/03, EU:C:2004:403, n.os 17 e 18).


21 – Acórdão de 12 de dezembro de 2002, de Groot (C-385/00, EU:C:2002:750, n.° 99).


22 – Acórdão de 12 de dezembro de 2002, de Groot (C-385/00, EU:C:2002:750, n.° 101).


23 – V. neste sentido, nomeadamente, acórdão de 12 de dezembro de 2002, de Groot (C-385/00, EU:C:2002:750, n.° 93 e jurisprudência aí referida).


24 – Acórdão de 12 de dezembro de 2013, Imfeld e Garcet (C-303/12, EU:C:2013:822, n.° 79). Sublinhado meu.


25 – É certo que esta solução tinha sido sustentada pelo governo neerlandês no processo que deu origem ao acórdão de 12 de dezembro de 2002, de Groot (C-385/00, EU:C:2002:750), e o Tribunal de Justiça a tinha rejeitado expressamente (v. n.° 98 desse acórdão). Porém, tratava-se nesse caso de equacionar a tomada em conta parcial pelo Estado de residência, quando o contribuinte tinha auferido nesse Estado rendimentos suficientes para que a sua situação pessoal e familiar fosse tida em conta. Por isso, o Tribunal de Justiça, logicamente e de modo pertinente, pôde recusar o argumento baseando-se no princípio de que a capacidade contributiva pessoal do contribuinte, resultante da tomada em conta de todos os seus rendimentos e da sua situação pessoal e familiar, pode ser apreciada mais facilmente no lugar onde tem o centro dos seus interesses pessoais e patrimoniais, ou seja, em geral, no lugar da sua residência habitual.


26 – V., neste sentido, Niesten, H., « Growing Impetus for Harmonization of Personal and Family Allowances: Current State of Affairs of the Schumacker-Doctrine after Imfeld and Garcet », EC Tax Review, 2015-4, pp. 185 a 201, em especial pp. 198 e 199. Segundo esta autora, «The rationale legis of the fractional taxation of non-residents, i.e., the proportional grant of the benefits in the source States, therefore seems fair and consistent» (p. 198). V. também Wattel, P.-J., «Progressive Taxation of Non-Residents and Intra-EC Allocation of Personal Tax Allowances: Why Schumacker, Asscher, Gilly and Gschwind Do Not Suffice», European Taxation, 2000, pp. 210 a 223, em especial p. 222.


27 – Em caso algum pode a exceção Schumacker implicar um imposto negativo ou um reembolso de imposto em virtude da insuficiência dos rendimentos.


28 – V. acórdão de 18 de junho de 2015, Kieback (C-9/14, EU:C:2015:406, n.° 34).


29 – V. acórdão de 18 de junho de 2015, Kieback (C-9/14, EU:C:2015:406, n.os 35 e parte decisória).


30 – O Tribunal de Justiça confirmou a aplicação de jurisprudência Schumacker no contexto do acordo, no seu acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Ettwein (C-425/11, EU:C:2013:121). No processo que deu origem a esse acórdão, a República Federal da Alemanha recusava o benefício da imposição conjunta por aplicação do método designado «de splitting» a dois cônjuges nacionais desse Estado e sujeitos a imposto nesse Estado, porque residiam na Suíça. O Tribunal de Justiça decidiu que, à luz dos acórdãos de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31), de 11 de agosto de 1995, Wielockx (C-80/94, EU:C:1995:271), e de 27 de junho de 1996, Asscher (C-107/94, EU:C:1996:251), nenhuma parte contratante podia invocar a possibilidade de fazer uma distinção entre os contribuintes que não estão em situações comparáveis para recusar esse benefício a um casal na situação dos cônjuges Ettwein (acórdão de 28 de fevereiro de 2013, Ettwein,C-425/11, EU:C:2013:121, n.° 48). O Tribunal Federal Suíço também afirmou a aplicação da jurisprudência Schumacker num acórdão de 26 de janeiro de 2010 (processos apensos 2C.319/2009 e 2C.321/2009). V., a este respeito, Heuberger, R., e Oesterhelt, St., «Swiss Salary Withholding Tax Violates Free Movement of Persons Agreement with the European Union», European Taxation, 2010, pp. 285 a 294.


31 – Nas suas observações escritas e na audiência de 29 de junho de 2016, X confirmou a informação relativamente aos exercícios anteriores a 2007 e relativamente aos exercícios relativos aos anos de 2007 a 2011. Precisou também que, depois de 2011, deixou de ser considerado residente em Espanha. Estas informações não foram contestadas por nenhum dos intervenientes no processo.


32 – V., neste sentido, acórdão de 29 de janeiro de 2013, Radu (C-396/11, EU:C:2013:39, n.° 24).


33 – V., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2013, Imfeld e Garcet (C-303/12, EU:C:2013:822, n.° 61).


34 – V., neste sentido, acórdão C-303/12 (EU:C:2013:822, n.° 78).


35 – V., neste sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2013, Imfeld e Garcet (C-303/12, EU:C:2013:822, n.° 79).


36 – JO 2011, L 64, p. 1. V., neste sentido, acórdãos de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C-279/93, EU:C:1995:31, n.° 45), e de 28 de outubro de 1999, Vestergaard (C-55/98, EU:C:1999:533, n.° 26), e, na doutrina, Niesten, H., « Growing Impetus for Harmonization of Personal and Family Allowances: Current State of Affairs of the Schumacker-Doctrine after Imfeld and Garcet», EC Tax Review, 2015-4, pp. 185 a 201, em especial p. 194; Wattel, P.J., «Progressive Taxation of Non-Residents and Intra-EC Allocation of Personal Tax Allowances: Why Schumacker, Asscher, Gilly and Gschwind Do Not Suffice», European Taxation, 2000, pp. 210 a 223, em especial p. 222.


37 – V. neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 28 de outubro de 1999, Vestergaard (C-55/98, EU:C:1999:533, n.° 26); de 11 de outubro de 2007, ELISA (C-451/05, EU:C:2007:594, n.° 95), e de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen (C-436/08 e C-437/08, EU:C:2011:61, n.° 100), e, na doutrina, Wattel, P. J., «Progressive Taxation of Non-Residents and Intra-EC Allocation of Personal Tax Allowances: Why Schumacker, Asscher, Gilly and Gschwind Do Not Suffice», European Taxation, 2000, pp. 210 a 223, em especial p. 222; Cloer, A., e Vogel, N., «Swiss Frontier Worker Can Claim the Benefits of Schumacker: The ECJ Decision in Ettwein (Case C-425/11)», European Taxation, 2003, pp. 531 a 535, em especial p. 534.