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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

8 de junho de 2017 (*)

«Reenvio prejudicial – Artigo 56.° do TFUE – Artigo 36.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu – Legislação fiscal – Imposto sobre o rendimento – Isenção fiscal reservada aos juros pagos pelos bancos que cumprem determinados requisitos legais – Discriminação indireta – Bancos estabelecidos na Bélgica e bancos estabelecidos noutro Estado-Membro»

No processo C-580/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° do TFUE, pelo rechtbank van eerste aanleg West-Vlaanderen, afdeling Brugge (Tribunal de Primeira Instância da Flandres Ocidental, Divisão Bruges, Bélgica), por decisão de 28 de outubro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de novembro de 2015, no processo

Maria Eugenia Van der Weegen,

Miguel Juan Van der Weegen,

Anna Pot,

agindo na qualidade de sucessores de Johannes Van der Weegen, falecido,

Anna Pot

contra

Belgische Staat,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: J. L. da Cruz Vilaça, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quinta Secção, M. Berger (relator), A. Borg Barthet e F. Biltgen, juízes,

advogado-geral: N. Wahl,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 15 de setembro de 2016,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de M. E. Van der Weegen, M. J. Van der Weegen e A. Pot, por C. Hendrickx e M. Vandendijk, advocaten,

–        em representação do Governo belga, por J.-C. Halleux e M. Jacobs, na qualidade de agentes, assistidos por S. D. D’Aiola, perito,

–        em representação da Comissão Europeia, por W. Roels, na qualidade de agente,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 56.° e 63.° TFUE e dos artigos 36.° e 40.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «Acordo EEE»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio entre Maria Eugenia Van der Weegen, Miguel Juan Van der Weegen, Anna Pot, agindo na qualidade de sucessores de Johannes Van der Weegen, e Anna Pot e o Belgische Staat (Estado belga), relativo à recusa do benefício de isenção fiscal da remuneração de um depósito de poupança num Estado-Membro diferente do Reino da Bélgica.

 Direito belga

3        O artigo 21.° do Código dos Impostos sobre os Rendimentos (a seguir «CIR 1992»), na sua versão aplicável ao exercício fiscal de 2010 (rendimentos relativos a 2009), previa:

«Os rendimentos de capitais e de bens mobiliários não englobam:

[...]

5.°      o primeiro escalão, de 1 730 [euros] (montante de base 1 250 [euros]) por ano, dos rendimentos relativos aos depósitos de poupança recebidos, sem estipulação convencional de prazo ou de pré-aviso, pelas instituições de crédito com sede na Bélgica e reguladas pela Lei de 22 de março de 1993, relativa ao estatuto e ao controlo das instituições de crédito, visto que:

–        estes depósitos devem, além disso, obedecer aos critérios definidos pelo Rei, após parecer da Comissão Bancária, Financeira e dos Seguros [...], quanto à moeda em que são emitidos, quanto às condições e às modalidades de levantamento e quanto à estrutura, ao nível e ao modo de cálculo da sua remuneração;

[...]»

4        No seu acórdão de 6 de junho de 2013, Comissão/Bélgica (C-383/10, EU:C:2013:364), o Tribunal de Justiça decidiu que esta disposição violava o artigo 56.° TFUE e o artigo 36.° do Acordo EEE.

5        O artigo 170.° da Lei de 25 de abril de 2014, que contém várias disposições (Moniteur belge de 7 de maio de 2014, p. 36946, a seguir «Lei de 25 de abril de 2014») alterou o artigo 21.°, 5.°, do CIR 1992 no seguintes termos:

«Os rendimentos de capitais e de bens mobiliários não englobam:

[...]

5.° O primeiro escalão, de 1 250 [euros] (montante não indexado) por ano, dos rendimentos relativos aos depósitos de poupança recebidos, sem estipulação convencional de prazo ou de pré-aviso, pelas instituições de crédito referidas no artigo 56.°, § 2, 2.°, 2a, visto que:

–        estes depósitos devem, além disso, obedecer aos critérios definidos pelo Rei, após parecer do Banco Nacional da Bélgica e da Autoridade dos Serviços e Mercados financeiros, no âmbito das competências de cada um, quanto à moeda em que são emitidos, quanto às condições e às modalidades de levantamento e quanto à estrutura, ao nível e ao modo de cálculo da sua remuneração, ou, em relação aos depósitos recebidos pelas instituições de crédito estabelecidas noutro Estado-Membro do Espaço Económico Europeu, estes depósitos devem cumprir os requisitos análogos fixados pelas autoridades públicas competentes do outro Estado-Membro;

[...]»

6        Na exposição de motivos da alteração do artigo 21.°, 5.°, do CIR 1992, lê-se, tal como segue:

«O facto de as condições deverem ser ‘análogas’, significa, em primeiro lugar, que os depósitos de poupança devem ser sujeitos aos mesmos requisitos que as condições de base mencionadas no artigo 21.°, 5.°, CIR 1992; devendo, além disso, cumprir os requisitos fixados pelas autoridades públicas competentes do Estado-Membro em causa, quanto à moeda em que são emitidos, quanto às condições e às modalidades de levantamento e quanto à estrutura, ao nível e ao modo de cálculo da respetiva remuneração. Estes últimos critérios devem ser semelhantes aos que vigoram na Bélgica. Isso significa que – não sendo idênticos – eles devem ter um alcance similar. [...]»

7        O Decreto Real, de 27 de agosto de 1993, de execução do CIR 1992 (Moniteur belge de 13 de setembro de 1993, p. 20096), conforme alterado pelo Decreto Real, de 7 de dezembro de 2008 (Moniteur belge de 22 de dezembro de 2008, p. 67513) (a seguir «AR/CIR 92»), prevê os critérios a que os depósitos de poupança previstos no artigo 21.°, 5.°, do CIR 1992 devem obedecer, de forma a poderem beneficiar da aplicação do referido artigo.

8        O artigo 2.° do AR/CIR 92 dispõe:

«Para beneficiar da aplicação do artigo 21.°, 5.°, do [CIR 1992] os depósitos de poupança nele referidos também devem preencher os seguintes critérios:

1.°      os depósitos de poupança devem ser denominados em euros;

2.°      só se podem fazer levantamentos sobre depósitos de poupança, diretamente ou associados a uma conta corrente, para a satisfação das seguintes operações:

a)      reembolso em numerário;

b)      qualquer transferência que não corresponda a uma ordem permanente para uma conta em nome do titular do depósito de poupança;

c)      transferência para depósito de poupança junto do mesmo estabelecimento em nome do cônjuge ou de parente até ao segundo grau do titular do depósito de poupança;

[...]

3.°      as condições de retirada devem prever a possibilidade para o estabelecimento depositário de subordinar os levantamentos a um pré-aviso de 5 dias de calendário se excederem 1 250 [euros] e de limitá-las a 2 500 [euros] por meio mês;

4.°      a remuneração dos depósitos de poupança inclui, exclusiva e necessariamente,

–        um juro de base; e

–        um prémio de fidelidade;

b)      o juro de base e o prémio de fidelidade são calculados de acordo com uma taxa expressa numa base anual.

Os depósitos produzem um juro de base, o mais tardar, a partir do dia de calendário seguinte ao dia de calendário do pagamento e deixam de produzir juros a partir do dia de calendário do levantamento.

Os depósitos e levantamentos efetuados no mesmo dia de calendário são compensados pelo cálculo dos juros de base e do prémio de fidelidade.

O juro de base adquirido é pago sobre o depósito uma vez por ano civil de forma a produzir, não obstante o disposto no parágrafo 2, um juro de base a partir de 1 de janeiro de cada ano.

Um juro devedor não pode ser exigido ao titular de um depósito de poupança.

O prémio de fidelidade é concedido aos depósitos que permanecem inscritos na mesma conta durante doze meses consecutivos.

Em caso de transferência de um depósito de poupança para outra conta poupança aberta em nome do mesmo titular, junto da mesma instituição, que não se trate de uma ordem permanente, o período de constituição do prémio de fidelidade sobre o primeiro depósito de poupança mantém-se, desde que o montante da transferência ascenda a 500 [euros], no mínimo, e o titular em causa não tenha efetuado mais de três transferências deste tipo, a partir do mesmo depósito de poupança, durante o mesmo ano civil.

[…]

c)      a taxa de juro base concedida por uma instituição aos depósitos de poupança que recebe não pode exceder a mais elevada das duas taxas seguintes:

–        3%;

–        a taxa das operações principais de refinanciamento do Banco Central Europeu aplicável no décimo dia do mês que precede o semestre de calendário em curso.

Qualquer aumento da taxa de juro base é mantido por um período de pelo menos três meses, salvo em caso de redução das taxas das principais operações de refinanciamento do Banco Central Europeu.

Sem prejuízo do disposto sub littera e), abaixo, a taxa do prémio de fidelidade oferecida não pode:

–        ultrapassar 50% da taxa máxima do juro base referido no primeiro parágrafo. Se esta percentagem não for igual a um múltiplo de uma décima percentual, a taxa máxima do prémio de fidelidade é arredondada para a décima percentual inferior;

–        ser inferior a 25% da taxa de juro base oferecida. Se esta percentagem não for igual a um múltiplo de uma décima percentual, a taxa mínima do prémio de fidelidade é arredondada para a décima percentual inferior;

d)      uma única taxa de juro base é aplicável por depósito de poupança num determinado momento;

e)      o prémio de fidelidade que é concedido num determinado momento é o mesmo para os novos pagamentos e para os depósitos para os quais um novo período de fidelidade começa a correr. Sem prejuízo da aplicação do ponto 4.°, b), parágrafo 7, o prémio de fidelidade aplicável no momento do pagamento ou no início de um novo período de fidelidade permanece aplicável durante todo o período de fidelidade;

5.°      a instituição depositária examina se o limite previsto no artigo 21.°, 5°, do CIR 1992, é atingido sempre que o juro base e o prémio de fidelidade são tomados em conta, considerando todos os valores concedidos durante o período tributável.»

9        A administração emitiu, a este respeito, a circular Circ. AAFisc n.° 22/2014 (n.º Ci.RH.231/633.479), de 12 de junho de 2014, que, no ponto 2, intitulado «Critérios a que devem obedecer os depósitos de poupança estrangeiros abrangidos pela isenção», dispõe:

«4.      De acordo com o artigo 21.°, 5°, CIR 1992 [...], os depósitos de poupança estrangeiros devem preencher critérios fixados pelo legislador (ou um organismo público do executivo competente para executar a legislação tributária) e que foram objeto de notificação prévia de órgãos semelhantes no Banco Nacional da Bélgica e da Autoridade dos serviçose mercados financeiros.

5.      Por outro lado, esses critérios devem ser análogos aos critérios definidos no artigo 2.°, AR/CIR 92, relativamente:

–        à moeda na qual são denominados;

–        às condições e métodos de levantamento;

–        e à estrutura, ao nível e ao método de cálculo da respetiva remuneração.

Para mais detalhes sobre estes critérios, deve ser consultado o referido artigo 2.°, AR/CIR 92 [...]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

10      Johannes Van der Weegen e A. Pot dispunham, no que respeita aos anos fiscais de 2010 a 2013, de cinco depósitos de poupança junto de instituições financeiras estabelecidas num Estado-Membro diferente do Reino da Bélgica. Ambos pediram para beneficiar da isenção fiscal prevista no artigo 21.°, 5°, do CIR 1992, conforme alterado pela Lei de 25 de abril de 2014.

11      Com o fundamento de que nenhuma dessas instituições confirmou se os depósitos de poupança cumpriam condições semelhantes às que vigoram para os depósitos de poupança belgas regulamentados, especialmente no que respeita ao juro base e ao prémio de fidelidade, as autoridades fiscais belgas recusaram que as receitas geradas por estes depósitos de poupança pudessem ser objeto de isenção fiscal.

12      Johannes Van der Weegen e A. Pot impugnaram essa decisão no órgão jurisdicional de reenvio que se questiona sobre a compatibilidade do artigo 21.°, 5°, do CIR 1992, conforme alterada pela Lei de 25 de abril de 2014, com o direito da União.

13      Nestas condições, o rechtbank van eerste aanleg West-Vlaanderen, afdeling Brugge (Tribunal de Primeira Instância da Flandres Ocidental, Divisão Bruges, Bélgica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 21.°, [5.°], do CIR 1992, alterado pelo artigo 170.° da Lei de 25 de abril de 2014 […], viola os artigos 56.° e 63.° TFUE e os artigos 36.° e 40.° do Acordo EEE pelo facto de, apesar de ser indistintamente aplicável a prestadores de serviços nacionais e estrangeiros, exigir que sejam cumpridos requisitos análogos aos que foram fixados no artigo 2.° do KB/WIB 1992 que, de facto, são específicos do mercado belga, constituindo por isso um sério entrave à oferta de serviços na Bélgica por parte dos prestadores de serviços estrangeiros?»

14      Resulta dos elementos dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que Johannes van der Weegen faleceu em 20 de janeiro de 2016. M. E. Van der Weegen, M. J. Van der Weegen eA. Pot foram sub-rogados nos seus direitos.

 Quanto à questão prejudicial

 Observações preliminares

15      Importa recordar que, no acórdão de 6 de junho de 2013, Comissão/Bélgica (C-383/10, EU:C:2013:364), o Tribunal de Justiça considerou que, ao estabelecer e manter um regime de tributação discriminatória dos juros pagos pelos bancos não residentes, resultante da aplicação de uma isenção fiscal reservada apenas aos juros pagos pelos bancos residentes, o Reino da Bélgica não cumpriu as suas obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56.° TFUE e do artigo 36.° do Acordo EEE.

16      Na sequência desse acórdão, o referido regime foi alterado no sentido de que a isenção fiscal é agora também aplicável aos juros pagos pelos bancos não residentes.

17      De acordo com o CIR 1992, conforme alterado pela Lei de 25 de abril de 2014, para que os depositantes possam reclamar o benefício de tal isenção, o regime de depósito de poupança considerado deve preencher certos critérios estabelecidos por lei, como a denominação em euros, as limitações sobre levantamentos, bem como o modo de cálculo da remuneração que deve ser constituída por juros base e por um prémio de fidelidade.

18      O CIR prevê que os depósitos recebidos pelas instituições de crédito que estejam estabelecidas num outro Estado-Membro do Espaço Económico Europeu devem preencher critérios análogos definidos pelas autoridades competentes deste outro Estado-Membro.

19      Segundo a exposição de motivos da Lei de 25 de abril de 2014, «o facto de as condições deverem ser análogas significa [...] que os depósitos de poupança devem ser sujeitos aos mesmos requisitos que as condições de base mencionadas no artigo 21.°, 5°, CIR 1992».

20      Durante a audiência no Tribunal de Justiça, o Governo belga precisou que este texto deve ser entendido no sentido de que as condições a que estão sujeitos os depósitos de poupança dos bancos estabelecidos noutro Estado-Membro diferente da Bélgica não devem ser idênticas às aplicadas aos bancos estabelecidos na Bélgica, bastando tratarem-se de condições análogas.

21      Importa notar que, independentemente desta questão, é pacífico que um depósito de poupança junto de um banco com sede na Bélgica ou junto de um banco sediado no estrangeiro deve, em qualquer caso, para poder beneficiar da isenção fiscal em causa, preencher designadamente duas condições.

22      Por um lado, tal conta de poupança deve estar sujeita a certas restrições no que respeita aos modos e condições de levantamento e, por outro, a remuneração desta conta deve ser constituída por um juro base ou por um prémio de fidelidade.

23      É à luz destas constatações que há que responder à questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

 Quanto à questão prejudicial

24      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se os artigos 56.° e 63.° TFUE e os artigos 36.° e 40.° do Acordo EEE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a um regime nacional de isenção fiscal, tal como o previsto no artigo 21.°, 5.°, do CIR 1992, conforme alterado pela Lei de 25 de abril de 2014, que, embora indistintamente aplicável aos rendimentos dos depósitos de poupança junto dos fornecedores de serviços bancários com sede na Bélgica ou noutro Estado-Membro do EEE, é reservado aos rendimentos dos depósitos de poupança junto dos bancos que preencham condições que são, de facto, específicas do mercado nacional.

25      Para responder a esta questão deve antes de mais observar-se que, se essa regulamentação nacional era suscetível de ser abrangida pelas duas liberdades fundamentais invocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é menos verdade que os eventuais efeitos restritivos dessa regulamentação sobre a livre circulação de capitais mais não seriam do que a consequência inelutável das eventuais restrições impostas à livre prestação de serviços. Ora, quando uma medida nacional está simultaneamente associada a várias liberdades fundamentais, o Tribunal de Justiça examina-a, em princípio, à luz de apenas uma dessas liberdades se se verifica, nas circunstâncias do caso em apreço, que as restantes são secundárias em relação à primeira e podem a ela associa-se (v., por analogia, acórdãos de 8 de setembro de 2009, Liga Portuguesa de Futebol Profissional e Bwin International, C-42/07, EU:C:2009:519, n.° 47; de 11 de março de 2010, Attanasio Group, C-384/08, EU:C:2010:133, n.° 40; e despacho de 28 de setembro de 2016, Durante, C-438/15, não publicado, EU:C:2016:728, n.° 14).

26      Daqui resulta que o regime de isenção fiscal em causa deve ser examinado apenas à luz dos artigos 56.° TFUE e 36.° do Acordo EEE.

27      Importa também salientar que as prestações de serviços bancários constituem serviços na aceção do artigo 57.° TFUE. Ora, o artigo 56.° TFUE opõe-se à aplicação de qualquer regulamentação nacional que, sem justificação objetiva, obsta à possibilidade de um prestador de serviços exercer efetivamente a liberdade de prestação dos serviços (v., neste sentido, acórdão de 14 de janeiro de 2016, Comissão/Grécia, C-66/15,não publicado, EU:C:2016:5, n.° 22 e jurisprudência referida).

28      Neste caso, a legislação em causa no processo principal estabelece um regime fiscal aplicável indistintamente às remunerações de um depósito de poupança pagas por bancos estabelecidos na Bélgica e às pagas pelos bancos com sede noutro Estado-Membro.

29      No entanto, mesmo uma legislação nacional que seja aplicável indistintamente a todos os serviços, independentemente do lugar da sede do prestador, pode constituir uma restrição à livre prestação de serviços, uma vez que reserva o benefício de uma vantagem apenas aos utilizadores de serviços que preencham determinadas condições que são, de facto, próprias do mercado nacional, privando os utilizadores de outros serviços essencialmente similares, mas que não preenchem as condições especiais previstas nesta legislação, do benefício desta vantagem. Com efeito, tal legislação afeta os utilizadores dos serviços e é, portanto, suscetível de os dissuadir de utilizar os serviços de alguns prestadores, sempre que os serviços oferecidos por estes não cumpram as condições estabelecidas pela referida legislação, condicionando o acesso ao mercado (v., neste sentido, acórdão de 10 de maio de 1995, Alpine Investments, C-384/93, EU:C:1995:126, n.os 26 a 28 e 35 a 38, e de 10 de novembro de 2011, Comissão/Portugal, C-212/09, EU:C:2011:717, n.° 65 e jurisprudência referida).

30      Importa, portanto, verificar, em primeiro lugar, se a legislação nacional em causa no processo principal, ainda que indistintamente aplicável, cria entraves à livre prestação de serviços.

31      A este respeito, há que salientar que, como precisa a circular Circ. AAFisc n.° 22/2014, os depósitos devem satisfazer os critérios definidos no artigo 2.° do AR/CIR 92, os quais preveem, nomeadamente, que os levantamentos de tais depósitos devem ser restringidos, a fim de os distinguir de uma conta corrente, e que a remuneração dos depósitos de poupança deve ser obrigatória e exclusivamente constituída por um juro base e por um prémio de fidelidade.

32      Depreende-se também das informações prestadas pelos interessados durante a audiência perante o Tribunal de Justiça que não existe, nos Estados-Membros do EEE diferentes do Reino da Bélgica, qualquer regime relativo aos depósitos de poupança que preencha as condições exigidas pelo artigo 2.° do AR/CIR 92, em particular, os relativos à remuneração de tal depósito. Este modo de remuneração é, aparentemente, uma peculiaridade do mercado bancário belga.

33      Assim, a regulamentação nacional, ainda que indistintamente aplicável às remunerações das contas de poupança abertas junto de instituições estabelecidas na Bélgica e às abertas noutros Estados-Membros do EEE, tem por efeito, em primeiro lugar, dissuadir, de facto, os residentes belgas de recorrer a serviços bancários estabelecidos nesses outros Estados-Membros e de abrir ou manter contas de poupança junto destes últimos, uma vez que os juros pagos por estes não são suscetíveis de ser objeto da isenção fiscal considerada, nomeadamente, pelo facto de a remuneração das contas de poupança não ser constituída por uma taxa de juro base e por um prémio de fidelidade.

34      Além disso, esta regulamentação é suscetível de dissuadir os titulares de uma conta de poupança junto de um banco com sede na Bélgica que preencha as condições de isenção de transferir as suas poupanças para um banco estabelecido noutro Estado-Membro que não ofereça contas que preenchem estas condições.

35      Assim, a referida regulamentação pode constituir um obstáculo à livre prestação de serviços, proibida, em princípio, pelo artigo 56.°, primeiro parágrafo, TFUE, na medida em que sujeita a condições o acesso ao mercado bancário belga pelos prestadores de serviços estabelecidos noutros Estados-Membros, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, em particular, em relação aos elementos contidos no n.° 29 do presente acórdão.

36      Em segundo lugar, há que verificar se esse entrave pode ser justificado pelas razões apresentadas pelo Governo belga.

37      Importa recordar que as medidas nacionais suscetíveis de perturbar ou de tornar menos atrativo o exercício das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado podem, contudo, ser admitidas se prosseguirem um objetivo de interesse geral, se forem adequadas a garantir a sua realização e se não ultrapassarem o necessário para atingir o objetivo prosseguido (v., designadamente, acórdão de 6 de junho de 2013, Comissão/Bélgica, C-383/10, EU:C:2013:364, n.º 49 e jurisprudência referida).

38      O Governo belga alega que a regulamentação em causa contribui para a proteção dos consumidores. Observa que, para o efeito, é essencial que os residentes belgas disponham de uma conta de poupança duradoura, protegida, estável, suficiente e segura para poder cobrir as suas despesas substanciais ou inesperadas.

39      A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou que entre as razões imperiosas de interesse geral suscetíveis de justificar uma restrição à liberdade de prestação de serviços se inclui a proteção dos consumidores (v., nomeadamente, acórdão de 23 de janeiro de 2014, Comissão/Bélgica, C-296/12, EU:C:2014:24, n.° 47).

40      Incumbe, pois, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, por um lado, se a legislação em causa responde a essa razão imperiosa de interesse geral.

41      Cabe-lhe, por outro lado, garantir que o regime fiscal em questão, mesmo admitindo que prossegue efetivamente tal objetivo, não excede o necessário para o alcançar e que respeita o princípio da proporcionalidade.

42      Com efeito, mesmo admitindo que o regime em causa responde a uma exigência de interesse geral, privando, de facto, a totalidade dos rendimentos de contas de poupança disponíveis no mercado nacional, com exceção das contas mantidas em bancos sediados na Bélgica, do benefício da isenção, este regime é suscetível de excluir as contas de poupança abertas junto de estabelecimentos bancários, designadamente, outros que não os belgas, permitindo alcançar o mesmo objetivo prosseguido pelo referido regime, ou seja, a proteção dos consumidores. Em particular, nenhum dos argumentos apresentados perante o Tribunal de Justiça permite considerar que a aplicação das condições previstas no artigo 2.° do AR/CIR 1992, relativas à remuneração dos depósitos, seria necessária para alcançar o referido objetivo.

43      Assim, a proteção dos consumidores não pode ser invocada para justificar o entrave à livre prestação de serviços considerada.

44      Quanto ao artigo 36.° do Acordo EEE, é de salientar que esta disposição é análoga à estabelecida no artigo 56.° TFUE, pelo que as considerações relativas a este último artigo, enunciadas nos n.os 27 a 43 do presente acórdão, também se aplicam em relação ao referido artigo 36.°

45      Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder à questão colocada que o artigo 56.° TFUE e o artigo 36.° do Acordo EEE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê um regime nacional de isenção fiscal, na medida em que este último, ainda que indistintamente aplicável aos rendimentos dos depósitos de poupança dos fornecedores de serviços bancários estabelecidos na Bélgica ou noutro Estado-Membro do EEE, sujeite a condições o acesso ao mercado bancário belga dos prestadores de serviços estabelecidos noutros Estados-Membros, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto às despesas

46      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

O artigo 56.° TFUE e o artigo 36.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê um regime nacional de isenção fiscal, na medida em que este último, ainda que indistintamente aplicável aos rendimentos dos depósitos de poupança junto dos fornecedores de serviços bancários estabelecidos na Bélgica ou noutro Estado-Membro do Espaço Económico Europeu, sujeite a condições o acesso ao mercado bancário belga dos prestadores de serviços estabelecidos noutros Estados-Membros, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.