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Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 20 de dezembro de 2017(1)

Processo C-203/16 P

Dirk Andres (administrador da insolvência da Heitkamp BauHolding GmbH), anteriormente Heitkam BauHolding GmbH

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral – Auxílio de Estado – Legislação fiscal alemã relativa à possibilidade de reporte de prejuízos para os anos fiscais futuros – Decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno – Recurso de anulação – Admissibilidade – Artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE – Afetação individual – Conceito de auxílio de Estado – Caráter seletivo – Quadro de referência – Comparação – Justificação»






1.        Com o seu recurso, o administrador da insolvência da Heitkamp BauHolding GmbH (a seguir «recorrente» ou «HBH») pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão proferido pelo Tribunal Geral no processo T-287/11 (2). Neste acórdão, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso de anulação interposto pelo recorrente da Decisão 2011/527/UE (3) da Comissão relativa ao auxílio estatal concedido pela Alemanha com base num regime de reporte de prejuízos para efeitos fiscais no caso de reestruturação de empresas em dificuldades.

2.        O recurso suscita duas questões que se prendem com o cerne da legislação da UE em matéria de auxílios estatais.

3.        A primeira questão é processual. Diz respeito aos requisitos de legitimidade estabelecidos para a interposição de recursos por pessoas singulares no artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE: a decisão em causa diz diretamente respeito ao recorrente na aceção da linha jurisprudencial constante que decorre do acórdão do Tribunal de Justiça no processo Plaumann (4)? Mais especificamente, quando uma economia de imposto resultante da medida nacional impugnada não foi determinada numa decisão fiscal final, pode ainda assim uma empresa satisfazer o critério da afetação individual? A este respeito, o presente processo proporciona ao Tribunal de Justiça a oportunidade de considerar, no contexto das medidas fiscais, a demarcação notoriamente ambígua entre as empresas que têm legitimidade e as que não têm.

4.        A segunda questão é substantiva. Prende-se com um dos elementos constitutivos dos auxílios estatais. Como deve o conceito de seletividade ser interpretado no contexto específico das medidas de tributação direta? Na sequência do processo World Duty Free (5), o Tribunal de Justiça pode, no presente caso, fornecer orientações sobre os parâmetros que deveriam informar a definição do regime de tributação comum (o quadro de referência). Esta questão é de particular importância, tendo em conta que o quadro de referência constitui o referencial com base no qual a seletividade de uma medida fiscal deve ser avaliada (6).

I.      Antecedentes do litígio

5.        No que se refere aos antecedentes do litígio, resulta da decisão em causa e do acórdão recorrido o seguinte.

A.      Quadro jurídico nacional

6.        Na Alemanha, a tributação das empresas tem essencialmente por base a Einkommensteuergesetz (Lei do imposto sobre o rendimento) e a Körperschaftsteuergesetz (Lei do imposto sobre as sociedades, a seguir «KStG».

7.        Nos termos do § 10d, n.° 2, da Lei do imposto sobre o rendimento, as perdas incorridas no decurso de um exercício fiscal podem ser transferidas para exercícios fiscais posteriores. Isto significa que o rendimento tributável em exercícios fiscais futuros pode ser reduzido mediante a dedução dos prejuízos («a regra do reporte de prejuízos»). Nos termos do § 8, n.° 1, da KStG, a regra do reporte de prejuízos aplica-se igualmente às empresas sujeitas ao imposto sobre as sociedades.

8.        A possibilidade de reporte de prejuízos conduziu à aquisição de «empresas-fantasma» com o único propósito de reduzir as responsabilidades fiscais. Essas empresas cessaram há muito tempo qualquer atividade económica, mas retiveram ainda os prejuízos objeto do reporte.

9.        Foi para combater a compra e venda dessas empresas que se introduziu em 1997 o § 8, n.° 4, da KStG. De acordo com essa regra, a possibilidade de reporte dos prejuízos ficou limitada a empresas legal e economicamente idênticas às que incorreram em prejuízos («antiga regra da não dedução dos prejuízos»). Esta disposição não contemplava uma definição de «economicamente idêntica», mas apresentava um exemplo negativo e dois positivos:

«a) Uma entidade empresarial não é economicamente idêntica se mais de metade das suas ações forem transferidas e a entidade continuar a desenvolver a sua atividade económica ou iniciar novamente a sua atividade com ativos predominantemente novos;

b) Uma entidade empresarial é, contudo, economicamente idêntica se a injeção de novos ativos for feita exclusivamente para fins de reestruturação da entidade que incorreu nos prejuízos e se a atividade que deu origem aos prejuízos diferidos continuar a um nível comparável durante os cinco anos seguintes;

c) Uma entidade empresarial é também economicamente idêntica se, em vez de injetar novos ativos, a entidade adquirente cobrir os prejuízos acumulados pela entidade adquirida.»

10.      A exceção à não dedução dos prejuízos [alíneas b) e c)] era geralmente referida por Sanierungsklausel, uma cláusula que permite a restruturação das empresas em dificuldades.

11.      Em janeiro de 2008, a anterior regra relativa à não dedução de prejuízos estabelecida no § 8, n.° 4, da KStG foi revogada. Foi inserido um novo § 8c, n.° 1, na KStG (a seguir «regra da não dedução dos prejuízos»). Esta disposição limitava a possibilidade de reporte de prejuízos nos casos de aquisição de 25% ou mais das participações de sociedades (a seguir «aquisição de participação prejudicial»). Mais especificamente, se entre 25% e 50% do capital subscrito, dos direitos dos sócios, dos direitos de participação ou dos direitos de voto forem transferidos, os prejuízos não utilizados ficam no regime de não dedução na proporção da alteração efetuada, expressa em percentagem. Se mais de 50% do capital subscrito, dos direitos dos sócios, dos direitos de participação ou dos direitos de voto detidos numa sociedade forem transferidos para um adquirente, os prejuízos não utilizados deixam de ser integralmente dedutíveis.

12.      No momento em que entrou em vigor, a regra da não dedução dos prejuízos não admitia exceções. Contudo, as autoridades fiscais podiam, numa situação de aquisição de participação prejudicial destinada à reestruturação de empresas em dificuldade, conceder isenções equitativas de imposto, nos termos do despacho de reestruturação do Ministério das Finanças alemão, de 27 de março de 2003.

13.      Em junho de 2009, foi introduzida uma nova disposição na KStG, a saber o § 8c, n.° 1a. Nos termos dessa disposição, voltava a ser possível um reporte dos prejuízos quando a aquisição de uma empresa em dificuldade fosse efetuada para efeitos de reestruturação (a seguir «cláusula de reestruturação» ou «medida controvertida»).

14.      Mais especificamente, nos termos dessa cláusula, uma entidade empresarial que tenha sido adquirida pode proceder a um reporte dos prejuízos igualmente no caso de aquisição de participação prejudicial, nas seguintes condições: i) A aquisição tem por objetivo a reestruturação da entidade empresarial; ii) A empresa está ou é provável que esteja insolvente ou sobre-endividada à data da aquisição; iii) As estruturas comerciais fundamentais da empresa são preservadas; iv) A empresa não altera o seu setor de atividade nos primeiros cinco anos após a aquisição; e v) A empresa não tinha cessado as suas atividades à data da aquisição.

15.      A cláusula de reestruturação entrou em vigor em 10 de julho de 2009. Aplica-se retroativamente a partir de 1 de janeiro de 2008, a mesma data em que entrou em vigor a regra da não dedução dos prejuízos.

B.      Decisão recorrida

16.      A decisão recorrida foi adotada em 26 de janeiro de 2011. Nos termos do seu artigo 1.°, o auxílio estatal concedido com base no § 8c, n.° 1a, da KStG, aplicado ilegalmente pela Alemanha em violação do artigo 108.°, n.° 3, TFUE, é incompatível com o mercado interno.

17.      No que diz respeito à existência de um auxílio estatal na aceção do artigo 107.° TFUE, a Comissão considerou, em especial, que a cláusula de reestruturação constituía uma exceção à regra geral da não dedução dos prejuízos que não tinha sido utilizada por empresas que sofreram uma alteração da estrutura acionista. A cláusula em questão era, na opinião da Comissão, suscetível de conferir uma vantagem seletiva às empresas que preenchessem os requisitos para beneficiarem da mesma. Essa diferença de tratamento não foi justificada pela natureza ou estrutura do sistema fiscal. Além disso, segundo a decisão recorrida, o objetivo da cláusula de reestruturação era combater os problemas provocados pela crise económica e financeira, um objetivo extrínseco ao sistema fiscal.

18.      Nos artigos 2.° e 3.° da decisão recorrida, o auxílio individual limitado concedido a certos beneficiários ao abrigo do regime de reestruturação nos termos do § 8c, n.° 1a, foi, no entanto, declarado compatível com o mercado interno desde que estivessem cumpridas certas condições.

19.      Nos artigos 4.° e 6.° da decisão recorrida, a Comissão ordenou à Alemanha que recuperasse junto dos beneficiários o auxílio incompatível concedido ao abrigo do regime em causa e apresentasse à Comissão a lista dos beneficiários do auxílio recebido ao abrigo do mesmo regime.

C.      Factos subjacentes ao recurso

20.      No momento em que a decisão recorrida foi adotada, a HBH corria risco de insolvência. Em 20 de fevereiro de 2009, a sociedade mãe da HBH, a Heitkamp KG, adquiriu as ações da HBH com vista à fusão entre as duas sociedades. À data da operação em causa, a HBH preenchia as condições de aplicação da cláusula de reestruturação. Isso resulta da informação vinculativa do Finanzamt Herne (Administração Fiscal de Herne, Alemanha) de 11 de novembro de 2009 (a seguir «informação vinculativa»). Em 29 de abril de 2010, a HBH recebeu igualmente da Administração Fiscal um aviso de pagamento por conta relativo ao imposto sobre as sociedades do exercício de 2009, que tinha em conta os prejuízos reportados ao abrigo da cláusula de reestruturação.

21.      Em 24 de fevereiro de 2010, a Comissão informou a República Federal da Alemanha de que tinha decidido dar início ao procedimento previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE relativamente ao auxílio em causa. Por ofício de 30 de abril de 2010, o Ministério das Finanças alemão ordenou à Administração Fiscal que deixasse de aplicar a cláusula de reestruturação.

22.      Em 27 de dezembro de 2010, o aviso de pagamento por conta de 29 de abril de 2010 foi substituído por um novo aviso de pagamento por conta relativo ao imposto sobre as sociedades do exercício de 2009, que não tinha em conta a cláusula de reestruturação.

23.      Em 1 de abril de 2011, a HBH recebeu os avisos de liquidação de imposto sobre as sociedades e da contribuição profissional de base do exercício de 2009. Na sequência da não aplicação da cláusula de reestruturação, a HBH não pôde reportar os prejuízos existentes a 31 de dezembro de 2008.

24.      Em 19 de abril de 2011, a Administração Fiscal anulou a informação vinculativa.

25.      Em 22 de julho de 2011, a República Federal da Alemanha comunicou à Comissão, de acordo com o disposto na decisão recorrida, a lista das empresas que tinham beneficiado da medida controvertida. Enviou igualmente à Comissão uma lista das empresas relativamente às quais tinham sido anuladas as informações vinculativas sobre a aplicação da cláusula de reestruturação. A HBH figurava nessa lista.

26.      A HBH contestou os avisos de pagamento por conta e dos avisos de liquidação acima referidos junto da Administração Fiscal e nos tribunais tributários competentes. Por despacho de 1 de agosto de 2011, o Finanzgericht Münster (Tribunal Tributário de Münster) suspendeu a execução desses avisos.

II.    Processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

27.      Por petição de 6 de junho de 2011, a HBH interpôs recurso perante o Tribunal Geral visando a anulação da decisão recorrida.

28.      Por requerimento separado de 16 de setembro de 2011, a Comissão suscitou uma exceção de inadmissibilidade.

29.      Por requerimento de 29 de agosto de 2011, a República Federal da Alemanha pediu para intervir no presente processo em apoio do pedido da HBH. Por despacho de 5 de outubro de 2011, o presidente da Segunda Secção do Tribunal Geral admitiu essa intervenção.

30.      Por despacho do 21 de maio de 2014, o conhecimento da exceção de inadmissibilidade foi reservado para a decisão definitiva.

31.      Em apoio da sua ação, a HBH invocou dois fundamentos: por um lado, que a medida em causa não era seletiva e, por outro lado, que era justificada pela natureza e pela estrutura do sistema fiscal.

32.      No que se refere à questão prévia de inadmissibilidade, a Comissão alegou a ilegitimidade da HBH na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE. Mais especificamente, alegou que a decisão recorrida não dizia individualmente respeito à HBH e que a referida decisão necessitava de medidas de execução. Além disso, a Comissão referiu que, uma vez que a HBH não era beneficiária de auxílio, não tinha interesse em recorrer.

33.      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral começou por julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade. A este respeito, considerou que a decisão recorrida dizia direta e individualmente respeito à HBH. Em seguida, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso interposto pela HBH.

III. Procedimento no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

34.      Com o seu recurso, a HBH solicita ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        anular a parte do dispositivo do acórdão em que é negado provimento ao recurso (n.os 2 e 3 do dispositivo) e anular a decisão recorrida;

–        subsidiariamente, anular a parte do dispositivo do acórdão em que é negado provimento ao recurso (n.os 2 e 3 do dispositivo) e remeter o processo ao Tribunal Geral;

–        condenar a Comissão nas despesas do processo.

35.      A Comissão solicita ao Tribunal de Justiça que se digne negar provimento ao recurso e condenar a HBH nas despesas.

36.      No seu recurso subordinado, a Comissão solicita ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        anular o n.° 1 do dispositivo do acórdão recorrido;

–        julgar não admissível o recurso interposto em primeira instância;

–        negar provimento ao recurso;

–        anular o n.° 3 do dispositivo do acórdão recorrido que condena a Comissão num terço das suas despesas;

–        condenar a HBH nas despesas efetuadas no processo perante o Tribunal Geral e o Tribunal de Justiça.

37.      A HBH solicita ao Tribunal de Justiça que se digne negar provimento ao recurso subordinado por ser improcedente e condenar a Comissão nas despesas.

38.      A HBH, a Comissão e o Governo alemão apresentaram alegações orais na audiência de 19 de outubro de 2017.

IV.    Análise

39.      A HBH invoca dois fundamentos de recurso. No primeiro, alega que, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral não cumpriu o dever de fundamentação. O acórdão recorrido enferma alegadamente de fundamentação insuficiente ou contraditória. No segundo fundamento, refere que o Tribunal Geral interpretou erroneamente o artigo 107.°, n.° 1, TFUE. Identifica vários erros de direito na avaliação da seletividade da medida em causa.

40.      A Comissão alega que ambos os fundamentos devem ser julgados improcedentes por serem inadmissíveis ou infundados.

41.      A Comissão interpôs igualmente um recuso subordinado do acórdão recorrido. No único fundamento que apresenta, alega que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao permitir o recurso de anulação interposto pela HBH. Isso porque, segundo refere, a HBH não tem legitimidade para o fazer: a decisão recorrida não lhe diz individualmente respeito. Consequentemente, o recurso interposto pela HBH em primeira instância deveria ter sido julgado improcedente.

42.      A HBH considera que o recurso subordinado deve ser julgado improcedente.

43.      Por razões processuais, abordarei em primeiro lugar o recurso subordinado.

A.      O recurso subordinado: diz a decisão recorrida individualmente respeito à HBH?

44.      A Comissão alega que, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral interpretou erroneamente o conceito de atos que digam individualmente respeito na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE (7). Em particular, ao aceitar a legitimidade da HBH, o acórdão recorrido afasta-se da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça sobre este critério no contexto específico dos recursos de anulação de decisões adotadas pela Comissão que declaram a incompatibilidade de regimes de auxílio com o mercado interno.

45.      A Comissão alega que o acórdão recorrido confunde a distinção, estabelecida de forma clara na jurisprudência, entre os beneficiários efetivos de auxílios, que têm legitimidade, e os potenciais e futuros beneficiários, que não a têm. Mais especificamente, contesta o facto de, na sua apreciação, no que diz respeito ao critério da afetação individual, o Tribunal Geral tomado por boa a afirmação de que a HBH tinha um «direito adquirido» a uma economia de impostos.

46.      A HBH discorda.

47.      Para explicar por que considero que a HBH possui legitimidade, devo começar por algumas observações introdutórias sobre o critério da afetação individual no contexto específico da legislação relativa aos auxílios estatais.

1.      Observações preliminares sobre o critério da afetação individual na legislação relativa aos auxílios estatais

48.      O acesso aos tribunais e – por extensão – a fiscalização jurisdicional constituem os fundamentos de um sistema jurídico assente no princípio da responsabilização e do Estado de direito. Não é sem razão, por conseguinte, que a questão da legitimidade dos recorrentes particulares na legislação da UE tem captado a imaginação da comunidade jurídica da UE desde (se não antes) o inovador acórdão do Tribunal de Justiça no processo Plaumann (8). Este acórdão estabeleceu as bases que ainda informam a interpretação dos requisitos de legitimidade estabelecidos no artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE.

49.      Como regra geral, para efeitos de recurso contra um ato das instituições da UE, um requerente particular que não seja destinatário do ato em causa deve demonstrar que o mesmo lhe diz direta e individualmente respeito. É assim, à exceção do caso particular de um ato regulamentar que não necessite das medidas de execução a que se refere o artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE. No caso de tais atos regulamentares, basta que seja demonstrado que os mesmos dizem diretamente respeito à pessoa em causa.

50.      No entanto, no que diz respeito às decisões relativas aos auxílios estatais, a empresa deve demonstrar que as mesmas lhe dizem direta e individualmente respeito caso pretenda interpor recurso de anulação de decisões adotadas pela Comissão que declarem o auxílio incompatível com o mercado interno (9).

51.      O Tribunal de Justiça adotou uma abordagem estrita dos requisitos de legitimidade que dizem respeito a requerentes particulares. O critério da afetação individual é particularmente difícil de cumprir.

52.      No acórdão Plaumann, o Tribunal de Justiça declarou que os particulares que não sejam destinatários de uma decisão só podem afirmar que esta lhes diz individualmente respeito se os afetar devido a certas qualidades que lhes são próprias ou a uma situação de facto que os caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e assim os individualiza de maneira análoga à do destinatário (10).

53.      O Tribunal de Justiça manteve-se inabalável na sua abordagem, apesar dos convites para reconsiderar esse critério e de propostas que descrevem alternativas ao mesmo (11).

54.      O critério foi igualmente adaptado ao contexto específico da legislação sobre os auxílios estatais, em que as decisões adotadas pela Comissão são dirigidas exclusivamente ao Estado-Membro em causa.

55.      Nesse contexto específico, uma empresa que pretenda interpor recurso de uma decisão da Comissão que proíbe um regime de auxílio não satisfará o critério da afetação individual apenas com base no facto de pertencer ao setor em questão e de ser uma potencial beneficiária do regime (12). A este respeito, o Tribunal de Justiça explicou que a possibilidade de determinar, com maior ou menor precisão, a identidade dos sujeitos de direito a quem uma medida se aplica não implica de modo algum que se deva considerar que essa medida lhes diz individualmente respeito (13).

56.      Mais especificamente, o facto de o ato poder dizer individualmente respeito a uma pessoa exige que esta faça parte de um grupo de pessoas que estavam identificadas no momento em que esse ato foi adotado (14). É esse o caso, sobretudo, dos beneficiários efetivos do auxílio, isto é, das empresas que receberam uma prestação positiva (15). No entanto, esse não é o único caso desse tipo. O Tribunal de Justiça também declarou admissível, em determinadas circunstâncias específicas, o recurso apresentado por um concorrente dos beneficiários de medidas de auxílio estatal (16).

57.      A abordagem do Tribunal de Justiça no domínio da legislação relativa aos auxílios estatais demonstra que o critério da afetação individual, tal como estabelecido no acórdão Plaumann, se encontra preenchido quando o requerente particular pode ser identificado com base em certas qualidades que lhes são próprias. Essas qualidades podem referir-se, inter alia, ao impacto substancial do auxílio na posição do concorrente no mercado ou ao facto de a empresa ter efetivamente recebido uma prestação positiva por via de recursos estatais.

58.      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que, tendo em conta a situação factual e jurídica específica aplicável à HBH, esta era individualmente afetada pela decisão em causa na aceção do acórdão Plaumann. O Tribunal Geral baseou essa conclusão no facto de que a HBH teria beneficiado da cláusula de reestruturação no final do exercício fiscal (2009). As autoridades alemãs não mantinham qualquer margem de manobra em relação à aplicação da cláusula. A este respeito, o Tribunal Geral colocou especial ênfase no «direito adquirido» da HBH, que foi atestado pelas autoridades alemãs através da informação vinculativa. Esta situação distingue-a de qualquer outra empresa que satisfizesse as condições para beneficiar da cláusula de reestruturação (17).

59.      A Comissão considera que, ao fazê-lo, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito. No entanto, contrariamente ao que a Comissão sugere, determinar se uma decisão da Comissão no domínio dos auxílios estatais diz individualmente respeito a um requerente particular não é, de modo algum, um exercício aritmético: a jurisprudência não assenta numa lógica binária baseada na distinção entre beneficiários potenciais e reais de ajuda. Como ilustrarei abaixo, o que é decisivo no âmbito do critério definido no acórdão Plaumann – tal como aplicado no quadro da legislação relativa aos auxílios estatais – é que o requerente possa ser distinguido de outras empresas com base em certas qualidades que lhe são próprias. Essas qualidades podem variar de caso para caso.

2.      Determinação da afetação individual no contexto das medidas fiscais: o presente processo

60.      Como o presente processo bem ilustra, a forma como deve interpretar-se o conceito de beneficiário efetivo da ajuda no contexto específico da tributação não é consensual. Com efeito, estabelecer uma distinção clara entre beneficiários potenciais e reais nesse contexto pode ser especialmente difícil. Assim é porque as medidas fiscais raramente pressupõem o pagamento concreto do auxílio.

61.      A Comissão alega que, na essência, essa distinção é crucial, porque apenas os beneficiários efetivos, que receberam de facto o auxílio, satisfazem o referido critério. Apenas aqueles beneficiários podem, segundo alega, interpor recurso de anulação de uma decisão que declare o auxílio incompatível com o mercado interno.

62.      A jurisprudência não corrobora a posição da Comissão. Na verdade, parece-me que a Comissão tenta artificialmente extrapolar da jurisprudência do Tribunal uma regra de aplicação geral que simplesmente não consta da mesma.

63.      Para apoiar a sua posição, a Comissão invoca essencialmente dois conjuntos de processos. Baseia a sua interpretação na jurisprudência resultante dos acórdãos do Tribunal nos processos Itália e Sardegna Lines (18) e Comitato «Venezia vuole vivere» (19). Em ambos os processos, o Tribunal de Justiça aceitou que os beneficiários efetivos de auxílios individuais concedidos ao abrigo de um regime de auxílios cuja recuperação tenha sido ordenada pela Comissão são, por este motivo, individualmente afetados na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE. Além disso, decorre do acórdão Itália e Sardegna Lines que, ao contrário desses beneficiários, os potenciais beneficiários que apenas o são em virtude de pertencerem ao setor em questão não têm legitimidade (20).

64.      Na minha opinião, as lições que podem ser retiradas desses processos são limitadas. Por um lado, esses processos confirmam que os beneficiários efetivos dos auxílios (isto é, aqueles que receberam efetivamente auxílios, cuja recuperação foi ordenada) devem ser autorizados a interpor recursos de decisões que declarem os auxílios incompatíveis com o mercado interno. Por outro lado, esse direito não se estende a empresas que apenas são potenciais beneficiários futuros de um regime de auxílio.

65.      A lógica inerente é que o grupo de beneficiários efetivos pode ser distinguido – na aceção do acórdão Plaumann – de empresas que não beneficiaram de auxílio. Esta distinção é, com certeza, particularmente útil no contexto dos regimes de auxílio que envolvem uma transferência de fundos do Estado para as empresas em causa.

66.      No entanto, não pode extrair-se, em minha opinião, qualquer conclusão definitiva desses casos relativamente a outras empresas que, em circunstâncias específicas, possam ser individualmente afetadas por uma decisão que declare o auxílio incompatível com o mercado interno.

67.      Fundamentalmente, a distinção entre beneficiários efetivos e potenciais é simplesmente uma ferramenta terminológica empregada para distinguir, em abstrato, determinadas categorias de empresas que são, ou não, individualmente afetadas por essa decisão.

68.      A meu ver, o critério jurídico relevante continua a ser o estabelecido no acórdão Plaumann: pertence o requerente a um grupo fechado que pode ser identificado à luz de certas qualidades que lhe são próprias e que o distinguem dos outros?

69.      Desse ponto de vista, torna-se claro que qualidades diferentes das relacionadas com o estatuto do requerente enquanto beneficiário efetivo dos auxílios possam ser relevantes nessa avaliação. Obviamente, a determinação dessas qualidades é uma questão que não pode ser resolvida em abstrato. Ao invés, essa avaliação depende fortemente das circunstâncias.

70.      Nesse contexto, tenho dificuldade em aceitar o argumento da Comissão de que os acórdãos Reino da Bélgica e Forum 187 (21) e Friesland Campina (22) não são pertinentes nas presentes circunstâncias. Estes processos, que surgiram no contexto de medidas transitórias relativas a auxílios declarados incompatíveis com o mercado interno, ilustram a vontade do Tribunal de Justiça de aceitar a legitimidade dos requerentes que tomaram as medidas necessárias para beneficiar da medida nacional impugnada sem efetivamente terem obtido um benefício. (23) 

71.      Contrariamente ao argumento da Comissão, também não vejo por que os processos Stichting Woonpunt (24) e Stichting Woonlinie (25) não são relevantes para o caso em apreço. Nesses processos, o Tribunal de Justiça considerou que a afetação individual era determinada pelas circunstâncias de, antes da adoção da decisão em questão, as recorrentes terem adquirido o direito de utilizar o benefício fiscal posteriormente declarado incompatível com o mercado interno (26).

72.      Tendo em conta a natureza da medida em questão no presente caso, é evidente que o Tribunal Geral procurou obter inspiração nos processos supramencionados. Na verdade, quando a decisão em questão foi adotada, a HBH não só cumpria, em abstrato, as condições gerais para a aplicação da cláusula de reestruturação, como também recebeu informações vinculativas e um aviso de pagamento por conta relativo ao imposto sobre as sociedades do exercício de 2009, que teve em conta os prejuízos reportados ao abrigo da cláusula de reestruturação. Foi isso que o Tribunal Geral descreveu como um «direito adquirido».

73.      Precisamente devido às informações vinculativas e à notificação de pagamento por conta, a posição da HBH é fundamentalmente diferente das empresas que cumprem simplesmente as condições gerais para a aplicação da cláusula de reestruturação (27). Razão por que a HBH cumpre o critério da afetação individual.

74.      A opção de redação do Tribunal Geral é seguramente infeliz. Como o ilustram os argumentos da Comissão, essa opção pode conduzir a paralelos não desejados com o princípio da confiança legítima que decorre da legislação da UE. No entanto, a meu ver, a referência a um «direito adquirido» procura simplesmente descrever as circunstâncias factuais e jurídicas que distinguem a HBH de outras empresas para fins do critério da afetação individual, na aceção do processo Plaumann neste caso particular.

75.      Gostaria de salientar que, no contexto da tributação, pode ser particularmente difícil determinar o momento decisivo em que uma empresa recebeu efetivamente auxílio. Determinar o momento efetivo no tempo é, até certo ponto, arbitrário. Será o momento em que a informação vinculativa é emitida, ou o momento em que a HBH recebe o aviso de pagamento por conta? Será, como argumenta a Comissão, o momento em que a economia de impostos é determinada numa decisão fiscal final (tendo em conta que tal decisão pode ser tomada vários anos após o final do exercício em questão)? Ou será ainda algum outro momento no tempo?

76.      Indubitavelmente, ao determinar se uma empresa é individualmente afetada por uma decisão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno, as incertezas e a arbitrariedade envolvidas na escolha de qualquer daquelas alternativas, ou mesmo de outra, são incontestáveis.

77.      Dadas essas incertezas, a questão de saber se a HBH recebeu efetivamente auxílio deve ser apenas de importância secundária neste caso. Ao invés, como a jurisprudência deixa claro, o critério da afetação individual é cumprido quando o recorrente pode, com base em qualidades que lhe são próprias, ser distinguido de outras empresas (28). É precisamente esse o caso da HBH.

78.      Por todas estas razões, não deteto qualquer erro no acórdão recorrido no que diz respeito à apreciação da questão da afetação individual na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE. Por conseguinte, o recurso subordinado interposto pela Comissão deve ser julgado improcedente.

B.      O recurso: cometeu o Tribunal Geral um erro ao considerar que a medida controvertida confere vantagem seletiva a empresas em dificuldades?

79.      A HBH apresentou dois fundamentos de recurso. Esses fundamentos estão intrinsecamente ligados entre si.

80.      No primeiro fundamento de recurso, o recorrente contesta o raciocínio do Tribunal Geral. Alega que o acórdão recorrido está viciado por erros processuais relacionados com o dever de fundamentação, uma vez que a fundamentação do Tribunal Geral é insuficiente ou contraditória a respeito: 1) da definição do quadro de referência; 2) da apreciação da situação jurídica e factual das empresas que exigem reestruturação e da cláusula de reestruturação como uma «medida geral»; e 3) da justificação da medida em causa.

81.      No segundo fundamento, contesta aos mesmos aspetos do acórdão, mas de um ponto de vista substantivo. Nesse fundamento, a HBH alega que o acórdão recorrido viola o artigo 107.°, n.° 1, TFUE, devido a erros de direito ou a interpretação errónea do direito nacional a respeito: 1) da definição do quadro de referência; 2) da apreciação da situação jurídica e factual das empresas que exigem reestruturação e da cláusula de reestruturação como uma «medida geral»; e 3) da justificação da medida em causa.

82.      A Comissão contesta os argumentos do recorrente. No que diz respeito ao primeiro fundamento de recurso relativo ao dever de fundamentação, esta Instituição considera, no essencial, que essa fundamentação se baseia numa leitura errada do acórdão recorrido. No que diz respeito, por outro lado, ao segundo fundamento de recurso, a Comissão sustenta que o mesmo não é admissível. A título subsidiário, a Comissão alega que o segundo fundamento é improcedente.

83.      Tendo em conta a sobreposição dos dois fundamentos de recurso, devo tratá-los conjuntamente, por etapas. É necessário que o faça, em particular, porque, mais do que alegar falta de cumprimento do dever de fundamentação, o primeiro fundamento de recurso indiretamente põe em causa a avaliação substantiva realizada pelo Tribunal Geral.

84.      Em primeiro lugar, avaliarei os argumentos relativos à definição do quadro de referência. Pelas razões abaixo aduzidas, considero que a primeira parte do segundo fundamento é pertinente. Por esse motivo, o acórdão recorrido, bem como a decisão recorrida, devem ser anulados na medida em que o quadro de referência utilizado para avaliar a seletividade da medida controvertida foi determinado erroneamente.

85.      Caso o Tribunal de Justiça não concorde com a minha apreciação da primeira parte do segundo fundamento, analisarei igualmente de forma breve os outros argumentos invocados pelo recorrente.

86.      Em segundo lugar, por conseguinte, examinarei os argumentos relativos à avaliação da situação jurídica e factual das empresas que exigem reestruturação e a cláusula de reestruturação como «medida geral». Em terceiro e último lugar, analisarei os argumentos apresentados quanto à justificação da medida controvertida.

87.      No entanto, antes de prosseguir, impõem-se algumas observações introdutórias sobre o conceito de seletividade no contexto particular da tributação.

1.      Observações preliminares sobre a avaliação da seletividade no contexto das medidas de fiscalidade direta

a)       O conceito de seletividade – uma avaliação em três etapas

88.      Em primeiro lugar, é útil fazer algumas observações sobre a lógica subjacente ao conceito de seletividade e ao propósito que este serve. É igualmente útil chamar a atenção para o quadro analítico que informa a avaliação da seletividade e as dificuldades que surgem na aplicação desse quadro no contexto das medidas de fiscalidade direta.

89.      Nos termos do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, são incompatíveis com o mercado interno, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções. Por conseguinte, devem ser cumpridos quatro critérios cumulativos para que uma medida de um Estado-Membro seja abrangida pelo âmbito de aplicação dessa disposição. Primeiro, deve existir uma vantagem. Segundo, essa vantagem deve ser seletiva. Terceiro, devem estar em causa auxílios concedidos pelo Estado ou provenientes de recursos estatais. Quarto, estes devem afetar o comércio entre os Estados-Membros.

90.      No contexto da fiscalidade, a questão de saber o que constitui uma vantagem seletiva é indiscutivelmente a mais controversa.

91.      Em termos gerais, o critério da seletividade serve para identificar medidas que favoreçam certas empresas (contribuintes) ou a produção de certos bens sobre outros.

92.      Uma vantagem fiscal resultante de uma «medida geral» aplicável indistintamente a todos os operadores económicos não constitui um auxílio estatal. Isso porque essa medida não é seletiva. Em contrapartida, uma medida que coloca os destinatários numa posição mais favorável do que outros contribuintes é suscetível de proporcionar uma vantagem seletiva aos beneficiários e, consequentemente, de constituir um auxílio estatal, na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE (29).

93.      Por conseguinte, a essência da avaliação da seletividade reside na comparação das empresas. Como o Tribunal de Justiça declarou, o que importa determinar é se uma medida favorece certas empresas ou a produção de certos bens na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, em comparação com outras empresas que se encontrem numa situação jurídica e factual comparável (30).

94.      No entanto, antes de poder avaliar se os destinatários e outras empresas estão em situação comparável, é preciso determinar o quadro de referência.

95.      O recente acórdão do Tribunal de Justiça no processo World Duty Free (31) estabelece os parâmetros com base nos quais a seletividade de uma medida fiscal deve ser avaliada. O Tribunal de Justiça distinguiu três etapas na avaliação da seletividade das medidas fiscais.

96.      Segundo o Tribunal de Justiça, para classificar uma medida fiscal como seletiva, é preciso identificar o regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado-Membro em causa (primeira etapa). Em seguida, deve demonstrar-se que a medida fiscal em causa derroga o referido regime comum, na medida em que introduz diferenciações entre operadores económicos que se encontram, à luz do objetivo prosseguido por esse regime comum, numa situação factual e jurídica comparável (segunda etapa) (32). Se assim for, deve demonstrar-se que esta diferenciação é justificada, uma vez que resulta da natureza ou da estrutura do sistema em que as referidas medidas se inserem (terceira etapa) (33).

97.      Mais especificamente, o Tribunal de Justiça explicou que o critério da seletividade está preenchido quando a Comissão conseguir demonstrar que esta medida derroga o sistema fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado Membro em causa, introduzindo, assim, através dos seus efeitos concretos, um tratamento diferenciado entre operadores, quando os operadores a quem é concedido o benefício fiscal e os que dele são excluídos se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo referido regime fiscal desse Estado Membro, numa situação factual e jurídica comparável (34).

98.      O presente recurso ilustra bem as dificuldades envolvidas na determinação da seletividade (material) de uma medida fiscal com base nesses parâmetros. Põe, em particular, em evidência as dificuldades de determinar, com base num conjunto objetivo de critérios, o quadro de referência na primeira etapa (35). Por isso, cumpre igualmente tecer algumas observações introdutórias sobre os critérios que deveriam informar a determinação do quadro de referência antes de analisar o recurso de forma mais circunstanciada.

b)      A importância crucial do quadro de referência para a avaliação da seletividade e os critérios a utilizar na determinação desse quadro

99.      O critério da seletividade é utilizado para identificar medidas que impliquem um tratamento desigual injustificado de empresas que se encontrem numa situação de facto e de direito comparável. No entanto, essa comparação só faz sentido à luz de um referencial. Razão por que a identificação adequada de um quadro de referência se reveste de importância crucial para a avaliação da seletividade. (36)

100. No entanto, a jurisprudência do Tribunal de Justiça continua em silêncio sobre a forma como deveria ser determinado o quadro de referência pertinente. O Tribunal simplesmente explicou que o quadro de referência é o regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado-Membro em causa (37). Enquanto critério de avaliação, essa afirmação é absolutamente inútil.

101. Porém, a relutância do Tribunal de Justiça em definir critérios exatos não é surpreendente. Esta postura resulta do facto de a determinação do quadro de referência implicar o dever de identificar o nível geral de tributação a que as empresas estão sujeitas no âmbito de um regime fiscal nacional. Contrariamente aos outros tipos de auxílios estatais, a determinação rigorosa de um regime comum e geralmente aplicável é repleta de incertezas no contexto da tributação. Tendo presente a complexidade de qualquer sistema tributário e as variáveis envolvidas na determinação da carga fiscal das empresas, parece impossível saber com certeza qual é a «situação normal».

102. Tal não acontece com prestações positivas. Por exemplo, no caso de condições benéficas de empréstimo ou de autorizações de exploração que apenas beneficiam um número limitado de empresas, a identificação da «situação normal» que existia antes da adoção da medida controvertida continua a ser um exercício relativamente linear.

103. A Comissão descreve o quadro de referência como sendo constituído por um conjunto coerente de regras que são, em geral, aplicáveis – com base em critérios objetivos – a todas as empresas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, definido pelo seu objetivo: essas regras definem não só o âmbito de aplicação do sistema, mas também as condições em que se aplica o sistema, os direitos e obrigações das empresas a ele sujeitas e as especificidades técnicas do funcionamento do sistema. No caso dos impostos, o quadro de referência baseia-se em elementos como a matéria coletável, os sujeitos passivos, o facto gerador do imposto e as taxas de imposto (38).

104. Provavelmente, quaisquer disposições fiscais, ou a sua combinação, podem corresponder a essa descrição.

105. A este respeito, foi apresentada, na audiência, uma pergunta à Comissão. Questionada sobre os critérios a utilizar na determinação do quadro de referência, a Comissão não foi capaz de explicar de que forma determina o quadro de referência. Descreveu esse processo como uma procura de lógica no sistema. Em qualquer caso, a resposta da Comissão parece confirmar que a determinação do quadro de referência num caso específico efetivamente não se baseia num conjunto objetivo de critérios.

106. Posto isto, podem ser extraídas algumas conclusões da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Uma leitura dessa jurisprudência sugere que se favoreça uma abordagem lata na determinação do quadro de referência. Tal abordagem leva em consideração todas as disposições legislativas pertinentes como um todo, ou a referência mais alargada possível (39). Além disso, resulta da jurisprudência que a determinação do quadro de referência não deve ser um exercício formal (40).

107. Observo, por exemplo, que no processo World Duty Free o Tribunal aceitou a opinião da Comissão de que o referencial relevante não era a regra dos investimentos no exterior, mas sim o regime fiscal das sociedades espanholas no seu conjunto. Com base nesse referencial, a Comissão concluiu que tinha sido concedida uma vantagem seletiva a uma determinada categoria de empresas. As empresas tributáveis em Espanha que adquiriam participações de, pelo menos, 5% em sociedades estrangeiras eram tratadas de forma mais favorável em comparação com empresas tributáveis em Espanha que realizavam investimentos idênticos em empresas nacionais, mesmo que essas duas categorias de empresas se encontrassem numa situação comparável à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal comum espanhol (41).

108. Por outro lado, no acórdão Gibraltar, o Tribunal de Justiça confirmou que o quadro de referência pode ser constituído por uma série de regimes fiscais diferentes. Foi com base nisso que a Comissão concluiu que havia sido conferida uma vantagem seletiva a determinadas empresas (sociedades «offshore»). Assim foi, ainda que, formalmente falando, essas empresas estivesse sujeitas à mesma carga fiscal que as outras empresas. Nesse caso, o Tribunal também confirmou que a técnica regulamentar não deveria ter importância para determinar o quadro de referência (42).

109. Para simplificar, pode inferir-se da jurisprudência que o Tribunal de Justiça aceitou uma abordagem que procura identificar todo o conjunto de regimes que influenciam a carga fiscal que pesa sobre as empresas. Na minha opinião, tal abordagem justifica-se. Garante que a seletividade de uma medida fiscal é avaliada com base num quadro que inclui todas as disposições relevantes, e não com base em disposições artificialmente retiradas de um quadro legislativo mais alargado. Garante também que as etapas um e dois não são confundidas na avaliação da seletividade. Isso porque uma abordagem mais restrita exigiria a identificação das empresas que se encontram numa situação factual e jurídica comparável. Na verdade, importa não esquecer que a determinação do quadro de referência deve preceder a comparação de empresas.

110. Analisarei o presente recurso à luz destas considerações.

2.      Primeira etapa: determinação do quadro de referência

a)      Argumentos das partes

111. Na primeira parte do primeiro fundamento de recurso, a HBH alega que a fundamentação do Tribunal Geral é insuficiente ou contraditória quanto à determinação do quadro de referência (43). Assim é na opinião da recorrente porque a seletividade da cláusula de reestruturação é avaliada no acórdão recorrido com base na regra da não dedução dos prejuízos, embora o Tribunal Geral reconheça que a medida controvertida deve ser apreciada à luz de uma regra mais geral, a saber, a regra do reporte de prejuízos (44).

112. A Comissão considera que a fundamentação do Tribunal Geral é sólida e não contraditória.

113. Na primeira parte do segundo fundamento de recurso, a HBH alega que o Tribunal Geral interpretou erroneamente o artigo 107.°, n.° 1, TFUE, em razão dos erros relacionados com a determinação do quadro de referência (45). O recorrente argumenta igualmente que o Tribunal Geral confundiu a primeira e segunda etapas da avaliação da seletividade no acórdão recorrido (46).

114. Como principal contestação, a Comissão alega que os argumentos apresentados pelo recorrente dizem respeito a constatações factuais e devem ser julgados inadmissíveis. A título subsidiário, a Comissão afirma que esses argumentos são improcedentes. Nada no dossiê corrobora a posição da HBH de que a regra do reporte de prejuízos deveria ter sido considerada como a regra relevante para avaliar a seletividade da cláusula de reestruturação.

115. Começo por abordar a questão da admissibilidade.

b)      Avaliação

1)      A determinação do quadro de referência é uma questão de direito suscetível de fiscalização em sede de recurso.

116. Como tem vindo a ser habitual nos recursos interpostos junto do Tribunal de Justiça, a Comissão contesta a admissibilidade dos argumentos do recorrente. Alega que os argumentos do recorrente relativos à determinação do quadro de referência não admitem fiscalização pelo Tribunal, atendendo a que dizem respeito a constatações factuais.

117. Os argumentos da Comissão devem ser categoricamente rejeitados.

118. É verdade que o Tribunal Geral, ao abrigo do artigo 58.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 256.° TFUE, é o único competente para apurar a matéria de facto e apreciar essa matéria de facto. Na realidade, os recursos interpostos junto do Tribunal são limitados a questões de direito. A este respeito, é jurisprudência constante que a determinação do conteúdo da legislação nacional faz parte da apreciação dos factos que não são suscetíveis de fiscalização em sede de recurso (47).

119. Não obstante, o Tribunal de Justiça é competente para exercer a fiscalização da qualificação jurídica desses factos e das consequências jurídicas daí retiradas (48). Pode também verificar se houve uma desvirtuação deste direito no caso de a alegada desvirtuação poder ser detetada sem uma nova apreciação dos factos e das provas (49).

120. Os argumentos apresentados pela HBH no que diz respeito à determinação do quadro de referência não podem evitar ser fiscalizados em sede de recurso.

121. Há aqui uma questão a não esquecer, a saber, as partes concordam quanto ao conteúdo da legislação nacional. Todavia, discordam dos objetivos dessa legislação. A divergência também persiste quanto à qualificação jurídica dessa legislação à luz das regras da UE em matéria de auxílios estatais. Mais especificamente, no que respeita à primeira etapa, está em causa a apreciação jurídica da seletividade que o Tribunal Geral realizou com base nos factos relevantes.

122. Claramente, a interpretação adequada do conceito de seletividade é uma questão de direito, não de facto.

123. A adoção da abordagem rígida defendida pela Comissão implicaria que uma questão de importância fundamental para a avaliação da seletividade não fosse sistematicamente da competência do Tribunal de Justiça. Considerando que a determinação do quadro de referência tem um impacto decisivo nas duas etapas seguintes na avaliação da seletividade, uma abordagem desse tipo não deve, em minha opinião, ser aceite. Como expliquei, o quadro de referência constitui precisamente o referencial com base no qual a seletividade de uma medida fiscal deve ser avaliada. 

2)      O Tribunal Geral errou na determinação do quadro de referência

i)      O quadro jurídico em que a medida controvertida se aplica e a fundamentação do Tribunal Geral

124. O quadro jurídico a que se refere a cláusula de reestruturação abrange três conjuntos de regras.

125. Em primeiro lugar, a regra do reporte de prejuízos aplica-se a todas as empresas em conformidade com o § 8, n.° 1, da KStG. Reflete o princípio da tributação segundo a capacidade contributiva. Em segundo lugar, a regra da não dedução dos prejuízos, conforme estabelecido no § 8c, n.° 1, da KStG, é uma exceção àquela norma. Tal acontece porque exclui a aquisição prejudicial de participações (25% ou mais) do âmbito da regra geral. Em terceiro lugar, a cláusula de reestruturação, conforme prevista no § 8c, n.° 1a, da KStG retira do âmbito da exceção (isto é, da regra da não dedução dos prejuízos) determinadas situações específicas. Por força dessa medida, as situações nela definidas (ou seja, a reestruturação de empresas em dificuldades) deixam de ser abrangidas pela regra da não dedução dos prejuízos. Essas situações voltaram a ser abrangidas pela regra mais geral que permite a uma empresa o reporte de prejuízos. 

126. Dada a técnica legislativa escolhida, a seletividade da medida em questão depende fortemente da perspetiva. Na verdade, a conclusão sobre a seletividade será muito diferente conforme é aplicada a regra geral do reporte de prejuízos ou a exceção a essa regra - a saber, a regra da não dedução dos prejuízos - como referência para avaliar a seletividade da cláusula de reestruturação (50).

127. Mais especificamente, se a regra da não dedução dos prejuízos for retirada do contexto legislativo mais alargado da regra do reporte de prejuízos, a cláusula de reestruturação transforma-se numa exceção à regra da não dedução dos prejuízos. Em contrapartida, se a regra do reporte de prejuízos estiver incluída no quadro de referência, a cláusula de reestruturação deixa de constituir uma derrogação óbvia ao quadro de referência suscetível de conferir uma vantagem seletiva a determinadas empresas. Ao invés, torna-se uma parte intrínseca do próprio quadro de referência.

128. A este respeito, o acórdão recorrido não é um modelo de clareza.

129. Concretamente, a seguinte declaração pode ser uma fonte de confusão: «[…] não se pode deixar de observar que a regra da não dedução dos prejuízos, à semelhança da regra do reporte de prejuízos, faz parte do quadro legal em que se insere a medida controvertida. Por outras palavras, o quadro legal relevante para o caso é composto pela regra geral do reporte de prejuízos, conforme limitado pela regra da não dedução dos prejuízos, e é precisamente nesse quadro que se deve verificar se a medida controvertida introduz diferenciações entre operadores que se encontram numa situação de facto e de direito comparável […]» (51).

130. Essa afirmação, se considerada isoladamente, poderia ser interpretada (como faz o recorrente) no sentido de que o Tribunal Geral considerou que a regra do reporte de prejuízos e a regra da não dedução dos prejuízos constituem o quadro de referência. Não obstante, os argumentos do recorrente que alegam uma fundamentação insuficiente ou contraditória têm por base, a meu ver, uma leitura errada do acórdão recorrido.

131. Uma análise mais aprofundada do acórdão recorrido revela que o Tribunal Geral partiu do princípio de que a regra da não dedução dos prejuízos constitui o quadro de referência.

132. Em boa verdade, o Tribunal Geral reconheceu a existência de uma regra mais geral (a regra do reporte de prejuízos). Observou ainda que o quadro de referência determinado pela Comissão constitui uma exceção à referida regra geral. Contudo, passou a explicar as razões pelas quais considerou que a regra da não dedução dos prejuízos constitui o quadro de referência relevante para avaliar a seletividade da cláusula de reestruturação.

133. Concretamente, o Tribunal Geral referiu que a regra da não dedução dos prejuízos limita o recurso à regra do reporte dos prejuízos na aquisição de uma participação social igual ou superior a 25% do capital e suprime-o na aquisição de uma participação superior a 50% do capital. Esta última regra aplica-se, portanto, sistematicamente, a todos os casos de alteração do tecido acionista igual ou superior a 25% do capital, sem distinguir consoante a natureza ou as características das empresas em causa (52). O Tribunal Geral observou ainda que a cláusula de reestruturação está redigida sob a forma de exceção à regra da não dedução dos prejuízos e só se aplica às situações, bem definidas, que estejam sujeitas a esta última regra (53). Com base nisto, defendeu que a Comissão havia definido corretamente o quadro de referência como sendo constituído pela regra da não dedução dos prejuízos (54).

134. A este respeito, não consigo identificar qualquer erro processual relativo à obrigação de fundamentação no acórdão recorrido. Contudo, entendo que o acórdão recorrido está viciado por um erro substantivo de direito no que diz respeito à determinação do quadro de referência. Este erro equivale a uma aplicação errada do artigo 107.°, n.° 1, TFUE.

135. Para entender as razões, é necessário analisar ainda os fundamentos da decisão recorrida. Assim é porque o Tribunal Geral reafirmou a avaliação que a Comissão faz do quadro jurídico em que se inscreve a cláusula de reestruturação.

ii)    O Tribunal Geral determinou o quadro de referência à luz da técnica legislativa aplicada e, ao fazê-lo, confundiu a primeira e segunda etapas.

136. Na decisão recorrida, depois de definir o quadro jurídico nacional e as alterações nele introduzidas por ordem cronológica, a Comissão explicou que a cláusula de reestruturação prevista no § 8c, n.° 1a, da KStG difere da regra anterior num aspeto significativo. Esse aspeto prendia-se, segundo a Comissão, com a importância crucial da finalidade dos auxílios estatais (55).

137. Mais especificamente, a Comissão explicou que, nos termos do § 8c, n.° 1, da KStG, uma sociedade deduz na íntegra os prejuízos reportados quando mais de metade das suas ações são transferidas, a menos que seja aplicada a cláusula de reestruturação. O regime geral é, portanto, a dedução dos prejuízos em caso de alterações significativas da estrutura acionista, sendo que a cláusula de reestruturação prevista no § 8c, n.° 1a, da KStG constitui a exceção ao regime geral (56).

138. Em contrapartida, ao abrigo da antiga regra da não dedução de prejuízos (antigo § 8, n.° 4, da KStG), o regime geral era a continuação do reporte dos prejuízos em caso de alterações significativas da estrutura acionista, desde que a empresa fosse economicamente idêntica. Esta exceção tinha como objetivo prevenir abusos, por exemplo sob a forma de «empresas fantasma» (57).

139. À primeira vista, a explicação de que a regra da não dedução de prejuízos deve ser vista como o quadro de referência é atrativa. No entanto, numa averiguação mais atenta, torna evidente que essa explicação se baseia numa distinção indefinida.

140. Esta situação ocorre porque a única diferença entre o quadro antigo e o novo reside na forma da medida. A alegada diferença depende da técnica legislativa aplicada pelo Estado-Membro em causa. Tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça no Processo Gibraltar, essa abordagem está longe de ser satisfatória (58).

141. Há que ter presente que, no acórdão recorrido, a regra da não dedução de prejuízos é considerada como o quadro de referência relevante na medida em que a cláusula de reestruturação constitui uma exceção a essa regra. Ao abrigo da antiga regra de não dedução dos prejuízos não era assim.

142. Uma comparação entre a antiga regra da não dedução de prejuízos e a nova revela as falhas na fundamentação assente na técnica legislativa. Tal mostra que as duas regras simplesmente abordam, de perspetivas diferentes, a questão da restrição do reporte de prejuízos.

143.  De acordo com a antiga regra da não dedução de prejuízos, foi dada ênfase à identidade económica da empresa adquirida. As entidades economicamente idênticas eram autorizadas a reportar os prejuízos, enquanto as que tinham mudado a identidade económica em resultado de uma alteração da estrutura acionista não o eram. Expressa a título de exemplo de «economicamente idêntico», a cláusula de reestruturação constituía uma parte inerente da antiga regra de não dedução de prejuízos (59).

144. Embora a nova regra da dedução de prejuízos seja provavelmente mais precisa (e como tal a cláusula de reestruturação), não vejo de que forma a alteração da técnica legislativa – e um rigor acrescido nas regras em questão – possa ser considerada de importância crucial para efeitos de auxílio estatal. Na verdade, tal como a antiga regra da não dedução de prejuízos, a (nova) regra limita simplesmente a possibilidade de deduzir, no futuro, os prejuízos anteriormente incorridos em situações estritamente definidas que se prendem com a alteração da estrutura acionista. Salvo essa exceção, a possibilidade de reportar os prejuízos mantém-se.

145. Por conseguinte, em termos substantivos, a cláusula de reestruturação simplesmente limita o âmbito de aplicação da regra da não dedução de prejuízos (60). Nesse sentido, a cláusula de reestruturação é uma parte inseparável do regime geral, a saber, a regra do reporte de prejuízos.

146. Além da técnica legislativa utilizada, não há nada no processo que ajude a explicar por que razão, sob o regime em questão, a regra de reporte de prejuízos não deve fazer parte do quadro de referência.

147. A este respeito, poderá inferir-se um problema corolário do acórdão recorrido. Este, ao adotar uma abordagem estrita baseada em técnicas legislativas e ao retirar a regra da não dedução dos prejuízos do seu quadro legislativo mais amplo, também confunde a primeira e segunda etapas na avaliação da seletividade. De facto, o Tribunal Geral baseou-se na comparabilidade das empresas que sofreram uma alteração na estrutura acionista para determinar o quadro de referência. Uma análise mais circunstanciada revela que o Tribunal Geral partiu do pressuposto de que todas as empresas que sofreram uma alteração substancial na estrutura acionista estão necessariamente numa situação factual e de direito comparável, em vez de identificar primeiro o quadro de referência (61). Na verdade, só é possível concluir que a regra de reporte de prejuízos não faz parte do quadro de referência, se se presumir que as empresas que sofrem uma alteração no seu tecido acionista estão numa situação comparável.

148. Assim sendo, considero que o Tribunal Geral cometeu um erro na determinação do quadro de referência. Concretamente, ao fazer assentar a sua conclusão na técnica legislativa utilizada e na comparabilidade das empresas que sofreram uma alteração substancial na estrutura acionista, o Tribunal Geral limitou artificialmente o quadro de referência, excluindo dele a regra de reporte de prejuízos.

149. Face ao exposto, tenho para mim que a primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada procedente.

150. Para concluir no que toca a esta matéria, observo que a regra da não dedução dos prejuízos é aplicada no acórdão recorrido como referencial para avaliar a seletividade da medida controvertida (segunda e terceira etapas). Se o Tribunal de Justiça aceitasse a primeira parte do segundo fundamento, como sugiro, não haveria necessidade de considerar o restante conteúdo dos argumentos que se prendem com a avaliação da seletividade no contexto da segunda e terceira etapas, o que sucede porque o destino da medida controvertida depende, em última análise, da definição do quadro de referência.

151. Porém, no caso de o Tribunal de Justiça não concordar comigo, farei as seguintes observações sobre essa avaliação.

3.      Segunda etapa: comparação da situação factual e de direito das empresas

a)      Argumentos das partes

152. Na segunda parte do primeiro fundamento, a HBH alega que a fundamentação do Tribunal Geral é insuficiente ou contraditória. Mais especificamente, no primeiro aspeto da segunda parte do primeiro fundamento de recurso, alega que – tendo em conta a forma como o quadro de referência foi definido no acórdão recorrido – o Tribunal Geral não deu uma explicação cabal quanto às razões que permitiram comparar a situação factual e de direito das empresas que exigem uma reestruturação com as empresas saudáveis (62). No segundo aspeto, o recorrente contesta os motivos expostos no acórdão recorrido para justificar o facto de a cláusula de reestruturação não dever ser considerada uma «medida geral» potencialmente acessível a todas as empresas (63).

153. A Comissão sustenta que a fundamentação do Tribunal Geral é sólida e suficiente.

154. Na segunda parte do segundo fundamento, a HBH alega uma violação do artigo 107.°, n.° 1, TFUE. Refere que o Tribunal Geral cometeu um erro na sua apreciação da seletividade (prima facie) da medida controvertida. Ao considerar que as empresas em dificuldades que necessitam de reestruturação e as empresas saudáveis se encontram numa situação comparável à luz do objetivo do regime fiscal, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito (64).

155. Mais especificamente, a HBH alega que o Tribunal Geral errou na definição do objetivo da regra da não dedução dos prejuízos (primeiro aspeto) (65). Por outro lado, o recorrente argumenta que ao sustentar que a medida controvertida era prima facie seletiva e não uma «medida geral», no sentido de ser potencialmente acessível a todas as empresas, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito (segundo aspeto) (66). Esta situação ocorre, essencialmente, porque o acórdão recorrido se afastou da jurisprudência estabelecida no acórdãoAutogrill (67) do Tribunal Geral.

156. A Comissão entende que não existe qualquer erro no acórdão recorrido quanto à apreciação da seletividade.

157. No entanto, como alegação principal, a Comissão sustenta que a segunda parte do segundo fundamento é inadmissível. Por um lado, os argumentos apresentados no primeiro aspeto dizem respeito à constatação e avaliação de factos. Por outro, o segundo aspeto diz respeito a uma questão que não fazia parte do objeto do litígio em primeira instância. Por conseguinte, ao permitir os argumentos do recorrente sobre a questão da qualificação da medida controvertida como medida geral, o Tribunal Geral decidiu ultra petita (68).

b)      Avaliação

1)      Os argumentos do recorrente relativos à definição do objetivo do quadro de referência

158. Por um lado, os argumentos da HBH relativos a uma fundamentação insuficiente ou contraditória, no primeiro aspeto da segunda parte do primeiro fundamento de recurso, dizem respeito a uma questão analisada pelo Tribunal Geral em nome da exaustividade. Estes também se basearam na mesma premissa (errada) que a primeira parte do primeiro fundamento, a saber, que o Tribunal Geral considerou que tanto a regra do reporte de prejuízos como a regra da não dedução dos prejuízos constituem o quadro de referência. Conforme ilustrado acima, o Tribunal Geral considerou no acórdão recorrido que a regra da não dedução dos prejuízos constitui o quadro de referência pertinente (69). Por conseguinte, esses argumentos devem ser rejeitados.

159.  Por outro lado, os argumentos do recorrente relacionados com a violação do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, no primeiro aspeto da segunda parte do segundo fundamento, estão igualmente destinados a fracassar. Esses argumentos são parcialmente inadmissíveis e parcialmente inoperantes.

160. Em primeiro lugar, esses argumentos reiteram a posição de que o Tribunal Geral considerou que a regra do reporte de prejuízos e a regra da não dedução dos prejuízos constituem o quadro de referência. Como já foi explicado, essa posição assenta numa leitura errada do acórdão recorrido.

161. Em segundo lugar, segundo os seus argumentos, o recorrente põe em causa a conclusão do Tribunal Geral segundo a qual a regra da não dedução se destina a garantir que os prejuízos não são reportados no caso de uma alteração substancial do tecido acionista de uma empresa que tenha acumulado prejuízos (70). Na opinião do recorrente, esta regra visa simplesmente combater os abusos, evitando a compra e venda de «sociedades fantasma».

162. Certamente, qualquer regime fiscal pode visar uma multiplicidade de objetivos diferentes. Esses objetivos incluem, entre outros, a geração de receitas para o orçamento do Estado, a orientação do comportamento dos consumidores e das empresas e o combate a problemas como a evasão fiscal. Um regime fiscal também pode ser concebido para corrigir as consequências de uma recessão económica.

163. À semelhança da determinação do quadro de referência, a comparabilidade dos contribuintes à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal na segunda etapa da avaliação da seletividade é, em minha opinião, uma questão de direito. Esta questão diz respeito à qualificação jurídica das disposições nacionais pertinentes ao abrigo das regras da UE em matéria de auxílios estatais (71).

164. Contudo, o recorrente solicita ao Tribunal de Justiça que (re) determine o objetivo da regra da não dedução dos prejuízos. Essa não é, no meu entender, uma questão da competência do Tribunal em sede de recurso. Entendo, tal como a Comissão, que a competência do Tribunal não se estende à reavaliação do objetivo do quadro de referência. Essa é simplesmente uma questão de facto que se prende com a avaliação do conteúdo da legislação nacional. Essas questões não podem ser objeto de fiscalização, salvo no caso de ser evidente uma desvirtuação da legislação nacional no processo. Não é o que se passa no caso em apreço.

165. Por último, e, em terceiro lugar, no primeiro aspeto da segunda parte do segundo fundamento de recurso, a HBH também contesta uma análise do Tribunal Geral realizada por razões de exaustividade. No acórdão recorrido, o Tribunal Geral analisou também a hipótese apresentada pela HBH de que o objetivo relevante do quadro de referência consistia em evitar o abuso da regra de reporte de prejuízos, dissuadindo a aquisição de «sociedades fantasmas». Concluiu que, mesmo tendo em conta essa hipótese, as empresas saudáveis e em dificuldade que sofreram uma mudança substancial na estrutura acionista estavam numa situação comparável (72).

166. Dado que o recorrente não conseguiu demonstrar que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na sua primeira avaliação, os argumentos apresentados em relação a essa avaliação alternativa continuam a ser ineficazes.

2)      Os argumentos do recorrente relativos à conclusão do Tribunal Geral de que a cláusula de reestruturação não é uma medida geral

167. Os argumentos do recorrente relativos à conclusão do Tribunal Geral segundo os quais a cláusula de reestruturação não é uma «medida geral» potencialmente acessível a todas as empresas podem ser descartados rapidamente.

168. Em primeiro lugar, no que se refere ao segundo aspeto da segunda parte do primeiro fundamento de recurso (a questão da fundamentação insuficiente), no acórdão recorrido, as razões pelas quais a medida controvertida não é uma medida geral potencialmente disponível para todas as empresas são expostas breve mas claramente: essa medida refere-se apenas a uma categoria de empresas que se encontram numa situação específica, isto é, as empresas em dificuldade (73).

169. Mais importante ainda, no que diz respeito ao segundo aspeto da segunda parte do segundo fundamento, o Tribunal Geral aplicou corretamente a jurisprudência relevante.

170. Após a conclusão do processo escrito no caso em apreço, o acórdão do Tribunal Geral que o recorrente invoca foi anulado no recurso (74). Contrariamente ao que argumenta a HBH, não resulta, por conseguinte, da jurisprudência que a seletividade exija que a medida impugnada esteja disponível apenas para uma determinada categoria de empresas.

171. No Processo World Duty Free, o Tribunal confirmou essa questão. Considerou que, para que uma medida fiscal seja seletiva, não deve afetar necessariamente uma determinada categoria de empresas que possam ser distinguidas devido a propriedades específicas, comuns e próprias. Ao invés, para determinar a seletividade de uma medida impõe-se, no essencial, verificar se a exclusão de certos operadores da obtenção de um benefício fiscal resultante de uma medida que derroga um regime comum fiscal constitui um tratamento discriminatório quanto a estes (75).

172. Este é o método analítico utilizado pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido (76). Por conseguinte, não pode afirmar-se que a jurisprudência relevante quanto à avaliação da seletividade tenha sido aplicada incorretamente pelo acórdão recorrido.

173. Com base no que precede, considero que a segunda parte do primeiro e segundo fundamentos deve ser julgada parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente (77).

4.      Terceira etapa: avaliar a existência de uma justificação intrínseca ao regime fiscal

a)      Argumentos das partes

174. Na terceira parte do primeiro fundamento, o recorrente alega que o Tribunal Geral não explicou cabalmente os motivos pelos quais não considerou o argumento que o recorrente apresentou em primeira instância sobre a justificação da cláusula de reestruturação, a saber, que a medida controvertida garante o respeito do princípio da tributação segundo a capacidade contributiva (78).

175. A Comissão não considera que haja erro na fundamentação do Tribunal Geral.

176. Na terceira parte do segundo fundamento, a HBH alega que o Tribunal Geral interpretou erroneamente o artigo 107.°, n.° 1, TFUE ao considerar que a cláusula de reestruturação se destina a promover a reestruturação de empresas em dificuldade e, por conseguinte, prossegue um objetivo extrínseco ao sistema fiscal (79).

177. A Comissão considera que o Tribunal Geral identificou corretamente o objetivo da medida controvertida com base na sua competência exclusiva de constatação dos factos. Quanto aos argumentos relativos ao princípio da tributação segundo a capacidade contributiva, esses são, na opinião da Comissão, inoperantes ou, a título subsidiário, infundados.

b)      Avaliação

178. Na terceira parte dos primeiro e segundo fundamentos de recurso, o recorrente contesta em especial a conclusão do Tribunal Geral de que o objetivo da cláusula de reestruturação não é intrínseco ao sistema fiscal, a saber, garantir que a tributação se baseie na capacidade contributiva do contribuinte.

179. Em primeiro lugar, o argumento de que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao identificar incorretamente o objetivo da medida controvertida deve ser julgado inadmissível. À semelhança da determinação do objetivo do quadro de referência, a identificação do objetivo da cláusula de reestruturação é, a meu ver, um elemento de facto (80). Salvo uma distorção óbvia, o Tribunal não é competente para fiscalizar essas constatações. No caso em apreço, a distorção não é evidente no processo.

180. Em segundo lugar, o restante conteúdo dos argumentos do recorrente não produz efeito. De facto, os argumentos relativos aos alegados erros na fundamentação do acórdão recorrido e aos erros na avaliação do argumento da HBH de que a cláusula de reestruturação se destina a garantir que a tributação se baseia na capacidade contributiva do contribuinte referem-se a uma matéria que o Tribunal Geral analisou a bem da exaustividade.

181. Por outras palavras, concordo com a Comissão quanto ao facto de os argumentos do recorrente na terceira parte dos primeiro e segundo fundamentos de recurso serem parcialmente inadmissíveis e parcialmente ineficazes.

182. A título de conclusão, observo que pode ser particularmente difícil salvar uma medida fiscal nesta terceira etapa da avaliação da seletividade.

183. Na verdade, o Tribunal de Justiça adotou uma abordagem estrita face à justificação. Apenas é permitida uma justificação que decorra dos princípios de base ou orientadores do sistema fiscal. Ou seja, uma medida que foi considerada a priori seletiva pode ser justificada apenas por razões relacionadas com a natureza ou com o regime geral do sistema fiscal. A este respeito, o Tribunal estabeleceu uma distinção entre, por um lado, os objetivos atribuídos a um regime fiscal específico, que lhe são extrínsecos, e, por outro, os mecanismos inerentes ao próprio sistema fiscal necessários para a consecução de tais objetivos (81).

184. Por mais claro que essa distinção possa parecer em teoria, a questão, na prática, é de longe mais complexa.

185. Em primeiro lugar, essa distinção assenta no facto de que somente os motivos relacionados com a manutenção da matéria coletável (isto é, com a necessidade de assegurar receitas para o orçamento do Estado) podem ser válidos. Isso é ilustrado nos exemplos dados pela Comissão: por exemplo, a necessidade de lutar contra a evasão fiscal, a necessidade de ter em conta os requisitos contabilísticos específicos, a capacidade de gestão administrativa e o princípio da neutralidade fiscal, bem como a necessidade de evitar a dupla tributação, poderão constituir a base para uma possível justificação que permita salvar uma medida fiscal (82). No entanto, não estou convencido de que essas razões possam ser separadas de forma significativa de outros objetivos que o Estado visa com a tributação. Uma questão que não deve ser negligenciada é que, no mundo de hoje, a tributação também é uma ferramenta utilizada pelo Estado para orientar o comportamento. Por outras palavras, os motivos que, na taxonomia do Tribunal de Justiça, são intrínsecos ao sistema fiscal, estão inseparavelmente ligados a objetivos que têm um contexto social mais alargado. Refiro-me, especificamente, a objetivos como a necessidade de manter o emprego, proteger o ambiente e garantir o desenvolvimento regional ou a igualdade de tratamento dos contribuintes.

186. Em segundo lugar, e ainda mais importante, qualquer regime fiscal passível de permitir (a priori) uma vantagem seletiva sobre determinadas empresas deteriora a matéria coletável. Isso ocorre porque uma vantagem fiscal seletiva alivia a carga tributária que pesa sobre certas empresas.

187. Por conseguinte, não é surpreendente que, a meu ver, o Tribunal de Justiça ainda não tenha aceite os motivos invocados pelos Estados-Membros na terceira etapa da avaliação da seletividade. Daí se pode inferir que estamos perante uma presunção de facto irrefutável de que as medidas fiscais consideradas seletivas a priori são, na realidade, seletivas.

C.      Consequências da avaliação

188. Nos termos do primeiro parágrafo do artigo 61.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça anula a decisão do Tribunal Geral. Pode, neste caso, decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

189. Concluí que a primeira parte do segundo fundamento deve ser considerada procedente. Se o Tribunal concordar com a minha avaliação, eu aconselharia o Tribunal a pronunciar-se definitivamente sobre o litígio.

190. O erro de direito identificado na determinação do quadro de referência implica que o acórdão recorrido deve ser anulado na medida em que julgou improcedente o recurso do recorrente. Assim deve ser porque a avaliação da seletividade da medida controvertida está desvirtuada por esse erro de direito. Esse erro de direito levou o Tribunal Geral a confirmar que a Comissão definiu corretamente o quadro de referência na decisão recorrida. Por conseguinte, a seletividade da cláusula de reestruturação foi avaliada com base num referencial (a regra da não dedução dos prejuízos) que considero ser erróneo, do ponto de vista jurídico. Por outras palavras, a avaliação da seletividade na decisão recorrida assenta na premissa errada, razão por que essa decisão deve ser igualmente anulada.

191. Se o Tribunal, ao invés, discordar da minha apreciação sobre essa questão, o recurso deve então ser julgado improcedente na sua totalidade.

D.      Despesas

192. Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

193. Se o Tribunal concordar com a minha apreciação do recurso, em conformidade com os artigos 137.°, 138.° e 184.° do Regulamento de Processo, a Comissão deve ser condenada nas despesas do presente processo, tanto em primeira instância como em sede de recurso.

V.      Conclusão

194. À luz das considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça:

–        negar provimento ao recurso subordinado interposto pela Comissão;

–        anular o acórdão do Tribunal Geral de 4 de fevereiro de 2016 no processo T-287/11, Heitkamp Bau Holding/Comissão, na medida em que julgou o recurso improcedente;

–        anular a Decisão da Comissão relativa ao auxílio estatal C 7/10 (ex CP 250/09 e NN 5/10) concedido pela Alemanha - Regime de reporte de prejuízos para efeitos fiscais no caso de reestruturação de empresas em dificuldades («Sanierungsklausel»);

–        condenar a Comissão nas despesas.


1      Língua do processo: inglês.


2      Acórdão de 4 de fevereiro de 2016, Heitkamp BauHolding/Comissão (T-287/11, EU:T:2016:60) (a seguir «acórdão recorrido»).


3      Decisão de 26 de janeiro de 2011 relativa ao auxílio de Estado C 7/10 (ex CP 250/09 e NN 5/10) concedido pela Alemanha – Regime de reporte de prejuízos para efeitos fiscais no caso de reestruturação de empresas em dificuldades (Sanierungsklausel) (JO 2011, L 235, p. 26, a seguir «decisão recorrida»).


4      Acórdão de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, EU:C:1963:17).


5      Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C-20/15 P e C-21/15 P, EU:C:2016:981).


6      Acórdãos de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão (C-88/03, EU:C:2006:511, n.° 56), e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck (C-524/14 P, EU:C:2016:971, n.° 55).


7      N.os 50 a 79 do acórdão recorrido.


8      Acórdão de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, EU:C:1963:17).


9      Observo que o Tribunal Geral considerou recentemente que uma decisão adotada pela Comissão – decisão que, em parte, constata a inexistência de auxílio de Estado e, em parte, declara o auxílio incompatível com o mercado interno, embora sem ordenar a sua recuperação – constitui um ato regulamentar que não necessita de medidas de execução na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE. V. acórdãos de 15 de setembro de 2016, Ferracci/Comissão (T-219/13, EU:T:2016:485, n.os 50 a 55), e Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão (T-220/13, ainda não publicado, EU:T:2016:484). No entanto, o Tribunal ainda não decidiu sobre essa questão no recurso (Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, C-622/16; Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori,C-623/16; e Comissão/Ferracci, C-624/16, pendente).


10      Acórdão de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, EU:C:1963:17, p. 107).


11      Nomeadamente as conclusões do advogado-geral F.G. Jacobs no processo Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C-50/00 P, EU:C:2002:197, n.os 59 e segs.), e acórdão de 3 de maio de 2002, Jégo-Quéré/Comissão (T-177/01, EU:T:2002:112, n.° 49). O legislador foi, pelo contrário, um pouco mais aberto à possibilidade de flexibilização dos requisitos de legitimidade dos requerentes particulares. Esta abertura é comprovada pela introdução da categoria de «atos regulamentares» no artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, pelo Tratado de Lisboa.


12      V., entre outros, os acórdãos de 2 de fevereiro de 1988, Kwekerij van der Kooy e o./Comissão (67/85, 68/85 e 70/85, EU:C:1988:38, n.° 15); de 19 de outubro de 2000, Itália e Sardegna Lines/Comissão (C-15/98 e C-105/99, EU:C:2000:570, n.° 33), e de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão (C-274/12 P, EU:C:2013:852, n.° 49).


13      Acórdão de 22 de novembro de 2001, Antillean Rice Mills/Conselho (C-451/98, EU:C:2001:622, n.° 52).


14      Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão (C-132/12 P, EU:C:2014:100, n.os 59 a 62), e de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonlinie e o./Comissão (C-133/12 P, EU:C:2014:105, n.os 46 a 49).


15      Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão (C-71/09 P, C-73/09 P e C-76/09 P, EU:C:2011:368, n.° 53).


16      V., por exemplo, os acórdãos de 28 de janeiro de 1986, COFAZ e o./Comissão (169/84, EU:C:1986:42, n.° 25); de 19 de maio de 1993, Cook/Comissão (C-198/91, EU:C:1993:197, n.° 23); de 13 de dezembro de 2005, Comissão/Aktionsgemeinschaft Rechtund Eigentum (C-78/03 P, EU:C:2005:761, n.° 37 e jurisprudência referida), e de 9 de julho de 2009, 3F (C-319/07 P, EU:C:2009:435, n.° 34 e jurisprudência referida).


17      N.os 66 a 79 do acórdão recorrido.


18      Acórdão de 19 de outubro de 2000, Itália e Sardegna Lines/Comissão (C-15/98 e C-105/99, EU:C:2000:570).


19      Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão (C-71/09 P, C-73/09 P e C-76/09 P, EU:C:2011:368).


20      Acórdãos de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão (C-71/09 P, C-73/09 P e C-76/09 P, EU:C:2011:368, n.° 53), e de 19 de outubro de 2000, Itália e Sardegna Lines/Comissão (C-15/98 e C-105/99, EU:C:2000:570, n.os 33 e 34).


21      Acórdão de 22 de junho de 2006, Reino da Bélgica e Forum 187/Comissão (C-182/03 e C-217/03, EU:C:2006:416).


22      Acórdão de 17 de setembro de 2009, Comissão/Koninklijke Friesland Campina (C-519/07 P, EU:C:2009:556).


23      Acórdãos de 22 de junho de 2006, Reino da Bélgica e Forum 187/Comissão (C-182/03 e C-217/03, EU:C:2006:416, n.os 60 a 63), e de 17 de setembro de 2009, Comissão/Koninklijke Friesland Campina (C-519/07 P, EU:C:2009:556, n.os 56 a 58). V. também o acórdão de 17 de janeiro de 1985, Piraiki-Patraiki e o./Comissão (11/82, EU:C:1985:18, n.° 19).


24      Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão (C-132/12 P, EU:C:2014:100).


25      Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonlinie e o./Comissão (C-133/12 P, EU:C:2014:105).


26      Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonpunt e o./Comissão (C-132/12 P, EU:C:2014:100, n.os 59 a 62), e de 27 de fevereiro de 2014, Stichting Woonlinie e o./Comissão (C-133/12 P, EU:C:2014:105, n.os 46 a 49).


27      Como um breve parêntesis, gostaria também de salientar que os factos subjacentes ao acórdão de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão (C-274/12 P, EU:C:2013:852), diferem também fundamentalmente dos do presente caso. Naquele processo, a recorrente realizou investimentos com base na medida nacional que, posteriormente, foi declarada incompatível com o mercado interno pela Comissão. Assim, beneficiou da medida nacional impugnada. No entanto, as semelhanças ficam por aí. Os investimentos efetuados pela recorrente ocorreram antes da data-limite relevante: a decisão da Comissão permitiu expressamente que a medida nacional impugnada continuasse a aplicar-se aos investimentos efetuados antes da adoção da decisão de abrir uma investigação formal. V., a este respeito, os n.os 47 a 50. V. também o despacho de 21 de março de 2012, Telefónica/Comissão (T-228/10, não publicado, EU:T:2012:140, n.os 36 a 40).


28      Por esse motivo, a objeção da Comissão de que o recorrente não havia referido ter recebido auxílios perante o Tribunal Geral não é pertinente aqui.


29      Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C-20/15 P e C-21/15 P, EU:C:2016:981, n.° 56 e jurisprudência referida).


30      Existe uma discrepância na jurisprudência quanto à questão de saber se a comparabilidade das empresas deve ser feita à luz do objetivo do regime fiscal como um todo ou da medida nacional impugnada. Por exemplo, no acórdão Adria-Wien Pipeline o Tribunal de Justiça declarou que as empresas deveriam ser comparadas à luz do objetivo prosseguido pela medida controvertida (acórdão de 8 de novembro de 2001, Adria-Wien Pipeline e Wietersdorfer & Peggauer Zementwerke (C-143/99, EU:C:2001:598, n.° 41 e jurisprudência referida). Em contrapartida, mais recentemente, o Tribunal de Justiça declarou no acórdão World Duty Free que as empresas devem ser comparadas à luz do objetivo prosseguido pelo regime fiscal comum (acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C-20/15 P e C-21/15 P, EU:C:2016:981, n.° 57 e jurisprudência referida).


31      Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C-20/15 P e C-21/15 P, EU:C:2016:981).


32      Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C-20/15 P e C-21/15 P, EU:C:2016:981, n.° 57 e jurisprudência referida). V., também, acórdão de 18 de julho de 2013, P (C-6/12, EU:C:2013:525, n.° 19).


33      Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C-20/15 P e C-21/15 P, EU:C:2016:981, n.° 58 e jurisprudência referida).


34      Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C-20/15 P e C-21/15 P, EU:C:2016:981, n.os 57 e 67).


35      Para informação sobre essas dificuldades, v., por exemplo, O. Peiffert, «Comparaison n’est pas raison: Pour une clarification du critère de sélectivité d’une aide d’État», Concurrences, n.º 3, 2017, 52 a 60.


36      Para uma visão diferente sobre a importância da identificação do regime de tributação comum, v. conclusões da advogada-geral J. Kokott, ANGED (C-233/16, EU:C:2017:852, n.° 88).


37      Acórdãos de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos (C-78/08 a C-80/08, EU:C:2011:550, n.° 49 e jurisprudência referida); de 18 de julho de 2013, P (C-6/12, EU:C:2013:525, n.° 19); e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C-20/15 P e C-21/15 P, EU:C:2016:981, n.° 57).


38      Comunicação da Comissão sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.°, n.° 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, C/2016/2946 (JO 2016, C 262, p. 1), disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=uriserv:OJ.C_.2016.262.01.0001.01.ENG&toc=OJ:C:2016:262:TOC#ntc205-C_2016262EN.01000101-E0205, n.os 133 e 134.


39      V., nesse sentido, acórdãos de 22 de junho de 2006, Reino da Bélgica e Forum 187/Comissão (C-182/03 e C-217/03, EU:C:2006:416,n.os 95, 104, 107 e 122); de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão (C-88/03, EU:C:2006:511, n.os 56); de 17 de setembro de 2009, Comissão/Koninklijke Friesland Campina (C-519/07 P, EU:C:2009:556, n.os 2 a 7); e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C-20/15 P e C-21/15 P, EU:C:2016:981, n.° 68).


40      Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C-106/09 P e C-107/09 P, EU:C:2011:732, n.os 92 e 93).


41      Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C-20/15 P e C-21/15 P, EU:C:2016:981, n.os 22 e 67 a 69).


42      Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, (C-106/09 P e C-107/09 P, EU:C:2011:732, n.os 92 a 95).


43      N.os 103 a 106 do acórdão recorrido.


44      N.os 107 a 109 do acórdão recorrido.


45      N.os 103 a 106 do acórdão recorrido.


46      N.° 104 do acórdão recorrido.


47      V. por exemplo, acórdãos de 24 de outubro de 2002, Aéroports de Paris/Comissão (C-82/01 P, EU:C:2002:617, n.° 63); de 21 de dezembro de 2011, A2A/Comissão (C-318/09 P, não publicado, EU:C:2011:856, n.° 125); e de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C-559/12 P, EU:C:2014:217, n.os 78 e 79 e jurisprudência referida).


48      V., entre outros, acórdãos de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C-185/95 P, EU:C:1998:608, n.° 23 e jurisprudência referida), e de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C-559/12 P, EU:C:2014:217, n.° 78 e jurisprudência referida).


49      Acórdão de 3 de abril de 2014, França/Comissão (C-559/12 P, EU:C:2014:217, n.os 79 e 80 e jurisprudência referida).


50      Do mesmo modo, v. o acórdão de 18 de julho de 2013, P (C-6/12, EU:C:2013:525, n.° 13), em que o Tribunal parafraseia a posição do órgão jurisdicional de reenvio quanto às alternativas disponíveis para determinar o quadro de referência.


51      N.° 106 do acórdão recorrido.


52      N.° 104 do acórdão recorrido.


53      N.° 105 do acórdão recorrido.


54      N.° 107 do acórdão recorrido.


55      Considerando 21 da decisão recorrida.


56      Considerando 22 da decisão recorrida


57      Considerando 23 da decisão recorrida.


58      De facto, a avaliação da seletividade não deve depender da forma. V., do mesmo modo, acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C-106/09 P e C-107/09 P, EU:C:2011:732, n.os 92 e 93).


59      V. n.° 9, supra.


60      Neste caso, também é útil observar que a cláusula de reestruturação não é a única disposição que limita o âmbito de aplicação da regra da não dedução dos prejuízos. Em dezembro de 2009, foram introduzidas duas novas exceções a essa regra. Por um lado, no que diz respeito a todas as reestruturações realizadas exclusivamente num grupo de empresas liderado por um único indivíduo ou empresa detentor de 100% das ações, o reporte dos prejuízos deve ser mantido. Por outro lado, também era assim se, no momento da aquisição prejudicial de uma participação, os prejuízos correspondessem a reservas ocultas dos ativos da empresa.


61      V. n.° 133, supra, sobre a fundamentação do Tribunal Geral.


62      N.os 133 e 134 do acórdão recorrido.


63      N.° 141 do acórdão recorrido.


64      N.os 126 a 133 do acórdão recorrido.


65      N.os 128 a 131 do acórdão recorrido.


66      N.° 141 do acórdão recorrido.


67      Acórdão de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T-219/10, EU:T:2014:939).


68      N.° 122 do acórdão recorrido.


69      V. n.° 131 e seg., supra.


70      N.° 128 do acórdão recorrido.


71      V. n.° 118, supra.


72      N.os 132 a 134 do acórdão recorrido.


73      N.° 141 do acórdão recorrido.


74      Acórdãos de 7 de novembro de 2014, Autogrill España/Comissão (T-219/10, EU:T:2014:939), e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C-20/15 P e C-21/15 P, EU:C:2016:981).


75      Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C-20/15 P e C-21/15 P, EU:C:2016:981, n.os 69 a 71 e jurisprudência referida).


76      N.os 140 e 141 do acórdão recorrido.


77      Dado que o segundo aspeto da segunda parte do segundo fundamento de recurso é improcedente, não é necessário abordar o argumento da Comissão de que o Tribunal Geral decidiu ultra petita.


78      N.os 165 e 166 do acórdão recorrido.


79      N.os 158 a 160 e 164 a 170 do acórdão recorrido.


80      V. n.° 164, supra.


81      V., por exemplo, acórdãos de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão (C-88/03, EU:C:2006:511, n.os 81 e 82); de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos (C-78/08 a C-80/08, EU:C:2011:550, n.° 69); de 9 de outubro de 2014, Ministerio de Defensa e Navantia (C-522/13, EU:C:2014:2262, n.° 42); e de 18 de julho de 2013, P (C-6/12, EU:C:2013:525, n.° 29).


82      Para esses e outros exemplos, Comunicação da Comissão, op. cit., n.° 138. Pode inferir-se ainda do acórdão do Tribunal de Justiça no processo Paint Graphos que o ato de evitar a dupla tributação pode ser considerado uma razão intrínseca ao sistema fiscal. Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos (C-78/08 a C-80/08, EU:C:2011:550, n.° 71).