ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)
20 de junho de 2018 (*)
«Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 143.o, n.o 1, alínea d), e artigo 143.o, n.o 2 — Isenções de IVA na importação — Importação seguida de uma entrega intracomunitária — Requisitos — Prova da expedição ou do transporte de bens para outro Estado-Membro — Transporte em regime de suspensão de impostos especiais de consumo — Transferência do poder de dispor dos bens para o adquirente — Fraude fiscal — Inexistência de obrigação da autoridade competente de ajudar o sujeito passivo a coligir as informações necessárias para provar o cumprimento dos requisitos de isenção»
No processo C-108/17,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius, Lituânia), por decisão de 15 de fevereiro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de março de 2017, no processo
«Enteco Baltic» UAB
contra
Muitinės departamentas prie Lietuvos Respublikos finansų ministerijos,
sendo interveniente:
Vilniaus teritorinė muitinė,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),
composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, C. Vajda, E. Juhász, K. Jürimäe (relatora) e C. Lycourgos, juízes,
advogado-geral: P. Mengozzi,
secretário: M. Aleksejev, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 25 de janeiro de 2018,
considerando as observações apresentadas:
– em representação da «Enteco Baltic» UAB, por A. Medelienė, advokatė, e M. Bielskienė, advokato padėjėja,
– em representação do Governo lituano, por R. Krasuckaitė, D. Stepanienė, K. Dieninis e D. Kriaučiūnas, na qualidade de agentes,
– em representação da Comissão Europeia, por L. Lozano Palacios e J. Jokubauskaitė, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 22 de março de 2018,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 138.o, do artigo 143.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 143.o, n.o 2, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2009/69/CE do Conselho, de 25 de junho de 2009 (JO 2009, L 175, p. 12) (a seguir «Diretiva IVA»), bem como dos princípios da neutralidade fiscal e da proteção da confiança legítima.
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a «Enteco Baltic» UAB ao Muitinės departamentas prie Lietuvos Respublikos finansų ministerijos (Departamento dos Serviços Aduaneiros do Ministério das Finanças, Lituânia) (a seguir «DSA») a propósito da isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) nas importações, para a Lituânia, de combustíveis provenientes da Bielorrússia, seguidas de expedição ou de transporte desses combustíveis para outros Estados-Membros.
Quadro jurídico
Direito da União
Diretiva IVA
3 De acordo com o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva IVA, «[e]ntende-se por “entrega de bens” a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário».
4 Nos termos do artigo 131.o desta diretiva:
«As isenções previstas nos capítulos 2 a 9 aplicam-se sem prejuízo de outras disposições [do direito da União] e nas condições fixadas pelos Estados-Membros a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.»
5 O artigo 138.o, n.o 1, da referida diretiva prevê:
«Os Estados-Membros isentam as entregas de bens expedidos ou transportados, para fora do respetivo território mas na [União], pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, efetuadas a outro sujeito passivo ou a uma pessoa coletiva que não seja sujeito passivo agindo como tal num Estado-Membro diferente do Estado de partida da expedição ou do transporte dos bens.»
6 A Diretiva 2009/69, cujo prazo de transposição terminou em 1 de janeiro de 2011, aditou um n.o 2 ao artigo 143.o da Diretiva IVA na sua versão inicial. Uma vez que as operações em causa no processo principal ocorreram no período compreendido entre os anos de 2010 e 2012, as duas versões sucessivas do referido artigo 143.o são aplicáveis ao processo principal.
7 Os considerandos 3 a 5 da Diretiva 2009/69 enunciam:
«(3) A importação de bens está isenta de imposto sobre o valor acrescentado [IVA] se for seguida da entrega ou transferência desses bens para um sujeito passivo noutro Estado-Membro. Os Estados-Membros estabelecem as condições nas quais tal isenção é concedida. Contudo, a experiência mostra que as divergências que existem na aplicação desta medida são exploradas pelos operadores para evitar o pagamento do IVA sobre bens importados nessas circunstâncias.
(4) Para prevenir tal exploração, é necessário especificar a nível comunitário, relativamente a determinadas operações, uma série de condições mínimas em que se aplica a isenção.
(5) Atendendo a que, por esses motivos, o objetivo da presente diretiva, a saber, fazer face ao problema da evasão ao IVA, não pode ser suficientemente realizado pelos Estados-Membros e pode, pois, ser melhor alcançado ao nível comunitário, a Comunidade pode tomar medidas […]»
8 O artigo 143.o da Diretiva IVA dispõe:
«1. Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:
[…]
d) As importações de bens expedidos ou transportados a partir de um território terceiro ou de um país terceiro para um Estado-Membro que não seja o de chegada da expedição ou do transporte, no caso de a entrega desses bens, efetuada pelo importador designado ou reconhecido como devedor do imposto por força do disposto no artigo 201.o, estar isenta em conformidade com o artigo 138.o;
[…]
2. A isenção prevista na alínea d) do n.o 1 só se aplica nos casos em que a importação de bens é seguida da entrega de bens isenta ao abrigo do n.o 1 e da alínea c) do n.o 2 do artigo 138.o se, no momento da importação, o importador tiver prestado às autoridades competentes do Estado-Membro de importação pelo menos as seguintes informações:
a) O seu número de identificação para efeitos de IVA emitido no Estado-Membro de importação ou o número de identificação para efeitos de IVA do seu representante fiscal, devedor do imposto, emitido no Estado-Membro de importação;
b) O número de identificação para efeitos de IVA do adquirente, a quem os bens são entregues nos termos do n.o 1 do artigo 138.o, emitido noutro Estado-Membro, […];
c) A prova de que os bens importados se destinam a ser transportados ou expedidos do Estado-Membro de importação para outro Estado-Membro.
Todavia, os Estados-Membros podem prever que a prova a que se refere a alínea c) seja apresentada às autoridades competentes apenas mediante pedido.»
9 O artigo 167.o desta diretiva dispõe:
«O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.»
Regulamentação relativa à cooperação administrativa e à luta contra a fraude no domínio do IVA
10 O Regulamento (UE) n.o 904/2010 do Conselho, de 7 de outubro de 2010, relativo à cooperação administrativa e à luta contra a fraude no domínio do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2010, L 268, p. 1), constitui uma reformulação do Regulamento (CE) n.o 1798/2003 do Conselho, de 7 de outubro de 2003, relativo à cooperação administrativa no domínio do [IVA] e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 218/92 (JO 2003, L 264, p. 1).
11 O Regulamento n.o 904/2010 revoga, como previsto no respetivo artigo 61.o, primeiro parágrafo, o Regulamento n.o 1798/2003, a partir de 1 de janeiro de 2012, e é aplicável, nos termos do seu artigo 62.o, segundo parágrafo, a partir dessa data. Tendo em conta a data da troca de informações solicitada no litígio no processo principal, o Regulamento n.o 904/2010 é relevante para efeitos do presente processo.
12 Os considerandos 3, 4 e 7 do Regulamento n.o 904/2010 têm a seguinte redação:
«(3) A fraude e a evasão fiscal para além das fronteiras dos Estados-Membros originam perdas orçamentais e são contrárias ao princípio da justiça fiscal. Elas podem também provocar distorções nos movimentos de capitais e nas condições de concorrência, afetando, por conseguinte, o funcionamento do mercado interno.
(4) A luta contra a fraude ao IVA exige uma estreita colaboração entre as autoridades competentes de todos os Estados-Membros encarregadas da execução das disposições aprovadas neste domínio.
[…]
(7) Para que possam cobrar o imposto devido, os Estados-Membros deverão cooperar a fim de ajudar a garantir que o montante do IVA é fixado de forma correta. Em consequência, deverão não só controlar a aplicação do imposto devido no seu próprio território, mas também prestar assistência a outros Estados-Membros a fim de assegurar a correta aplicação do imposto que diga respeito a atividades efetuadas no seu próprio território mas que seja devido noutro Estado-Membro.»
13 O artigo 1.o, n.os 1 e 2, deste regulamento prevê:
«1. O presente regulamento estabelece as condições em que as autoridades competentes dos Estados-Membros responsáveis pela aplicação da legislação relativa ao IVA devem cooperar entre si e com a Comissão no sentido de assegurar o cumprimento dessa legislação.
Para o efeito, o presente regulamento define as regras e os procedimentos que permitem às autoridades competentes dos Estados-Membros cooperar e trocar entre si todas as informações que possam ajudar a realizar uma correta avaliação do IVA, controlar a correta aplicação do IVA, designadamente o relativo às operações intracomunitárias, e lutar contra a fraude ao IVA. Define, designadamente, as regras e os procedimentos que permitem aos Estados-Membros recolher e trocar as referidas informações por via eletrónica.
2. O presente regulamento determina as condições em que as autoridades a que se refere o n.o 1 prestam assistência à proteção das receitas do IVA de todos os Estados-Membros.»
14 Nos termos do artigo 7.o, n.o 1, do referido regulamento:
«A pedido da autoridade requerente, a autoridade requerida comunica as informações a que se refere o artigo 1.o, incluindo as que respeitam a um ou mais casos específicos.»
15 O artigo 54.o, n.o 1, deste regulamento enuncia:
«A autoridade requerida de um Estado-Membro comunica à autoridade requerente de outro Estado-Membro as informações a que se refere o artigo 1.o, desde que:
a) O número e a natureza dos pedidos de informação apresentados por essa autoridade requerente em determinado período não imponham encargos administrativos desproporcionados à autoridade requerida;
b) Essa autoridade requerente tenha esgotado as fontes habituais de informação, a que, segundo as circunstâncias, teria podido recorrer para obter as informações solicitadas sem correr o risco de prejudicar a obtenção do resultado pretendido.»
Regulamentação sobre os impostos especiais de consumo
16 A Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE (JO 2009, L 9, p. 12), prevê, no capítulo IV, as regras que regem a circulação de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto. Esse capítulo abrange os artigos 17.o a 31.o desta diretiva.
17 Nos termos do artigo 21.o, n.os 1 a 3, da referida diretiva:
«1. A circulação dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo só poderá ser considerada como tendo lugar em regime de suspensão do imposto se for coberta por um documento administrativo eletrónico processado nos termos dos n.os 2 e 3.
2. Para efeitos do n.o 1 do presente artigo, o expedidor apresenta um projeto de documento administrativo eletrónico às autoridades competentes do Estado-Membro de expedição através do sistema informatizado a que se refere o artigo 1.o da Decisão n.o 1152/2003/CE, adiante designado “sistema informatizado”.
3. As autoridades competentes do Estado-Membro de expedição verificam, por via eletrónica, os dados constantes do projeto de documento administrativo eletrónico.
Se esses dados não forem válidos, o expedidor é imediatamente informado do facto.
Se os dados forem válidos, as autoridades competentes do Estado-Membro de expedição atribuem ao documento um código de referência administrativo específico e comunicam-no ao expedidor.»
18 O artigo 24.o da referida diretiva dispõe:
«1. Imediatamente após a receção dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em qualquer dos destinos referidos no n.o 1, alínea a), subalíneas i), ii) e iv), do artigo 17.o, ou no n.o 2 do mesmo artigo, o destinatário apresenta às autoridades competentes do Estado-Membro de destino, sem demora e o mais tardar no prazo de cinco dias úteis após o termo da circulação, salvo em casos devidamente justificados a contento das autoridades competentes, um aviso de receção dos produtos, adiante designado “relatório de receção”, através do sistema informatizado.
[…]
3. As autoridades competentes do Estado-Membro de destino verificam, por via eletrónica, os dados constantes do relatório de receção.
Se esses dados não forem válidos, o destinatário é imediatamente informado do facto.
Se os dados forem válidos, as autoridades competentes do Estado-Membro de destino confirmam ao destinatário o registo do relatório de receção e transmitem-no às autoridades competentes do Estado-Membro de expedição.
4. As autoridades competentes do Estado-Membro de expedição transmitem o relatório de receção ao expedidor. Se os locais de expedição e de destino estiverem situados no mesmo Estado-Membro, as autoridades competentes desse Estado-Membro transmitem o relatório de receção diretamente ao expedidor.»
19 O Regulamento (CE) n.o 684/2009 da Comissão, de 24 de julho de 2009, que aplica a Diretiva 2008/118 no que diz respeito aos processos informatizados para a circulação de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto (JO 2009, L 197, p. 24), estabelece, nomeadamente, de acordo com o seu artigo 1.o, alínea a), medidas respeitantes à estrutura e ao teor das mensagens trocadas através do sistema informatizado a que se refere o n.o 2 do artigo 21.o da Diretiva 2008/118, para efeitos dos artigos 21.o a 25.o desta última.
20 Nos termos do artigo 3.o deste regulamento:
«1. O projeto de documento administrativo eletrónico apresentado em conformidade com o n.o 2 do artigo 21.o da Diretiva [2008/118] e o documento administrativo eletrónico ao qual tiver sido atribuído um código de referência administrativo em conformidade com o terceiro parágrafo do n.o 3 do artigo 21.o desta diretiva devem cumprir os requisitos do quadro 1 do anexo I do presente regulamento.
2. O projeto de documento administrativo eletrónico não pode ser apresentado mais de sete dias antes da data indicada nesse documento como data de expedição dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em causa.»
21 O artigo 7.o do referido regulamento dispõe:
«O relatório de receção apresentado em conformidade com o artigo 24.o da Diretiva [2008/118] e o relatório de exportação apresentado em conformidade com o artigo 25.o da mesma diretiva devem cumprir os requisitos do quadro 6 do anexo I do presente regulamento.»
Direito lituano
22 O artigo 143.o, n.os 1 e 2, da Diretiva IVA foi transposto para o direito lituano pelo artigo 35.o da Lietuvos Respublikos pridėtinės vertės mokesčio įstatymas (Lei do IVA lituana; a seguir «Lei do IVA»). Este artigo 35.o consta do título V da Lei do IVA, que tem como epígrafe «Casos em que os produtos importados não estão sujeitos ao IVA na importação». O referido artigo prevê:
«1. As operações de importação de bens estão isentas de IVA se, no momento em que ocorram, for sabido que os bens se destinam a exportação e a ser transportados para outro Estado-Membro, ficando a entrega dos bens pelo importador da Lituânia noutro Estado-Membro, nos termos do capítulo VI da presente lei, sujeita ao regime de IVA à taxa zero.
2. As disposições do presente artigo são aplicáveis desde que o importador se encontre registado como sujeito passivo de IVA na Lituânia e os bens sejam transportados para outro Estado-Membro no prazo de um mês a contar da data do facto gerador, referido no artigo 14.o, n.o 12 ou n.o 13, da presente lei. Poderá ser estabelecido um prazo mais longo para o transporte dos bens, desde que objetivamente justificado.
3. As modalidades de aplicação do presente artigo são fixadas pelo Serviço Aduaneiro Nacional com a Administração Tributária Central.»
23 Nos termos do artigo 49.o, n.o 1, da Lei do IVA:
«O IVA à taxa zero é aplicável aos produtos fornecidos a uma pessoa registada como sujeito passivo de IVA noutro Estado-Membro, exportados do território nacional para outro Estado-Membro […]»
24 O artigo 56.o da Lei do IVA, relativo à «[p]rova quanto à aplicabilidade do regime de taxa zero», prevê:
«1. […] Um sujeito passivo de IVA que tenha procedido à liquidação do IVA à taxa zero, nos termos do artigo 49.o da presente lei, deve possuir elementos de prova da exportação dos produtos do território nacional e, quando o IVA à taxa zero for aplicado na entrega dos produtos a uma pessoa registada para efeitos de IVA noutro Estado-Membro, elementos de prova de que a pessoa para a qual os produtos foram exportados é um sujeito passivo de IVA noutro Estado-Membro.
[…]
4. Não obstante as outras disposições do presente artigo, a Administração Tributária tem o direito, em conformidade com as modalidades previstas na Lei da Administração Tributária (Mokesčių administravimo įstatymas), de exigir a apresentação de elementos de prova adicionais que permitam apreciar o fundamento da aplicação de IVA à taxa zero. […]
5. Não obstante as outras disposições do presente artigo, a Administração Tributária tem o direito de recolher, por sua própria iniciativa ou pelos serviços responsáveis pela aplicação da lei, elementos de prova adicionais que permitam apreciar o fundamento da aplicação de IVA à taxa zero. […]»
25 As Regras de isenção de IVA na importação dos produtos importados e fornecidos noutro Estado-Membro da União Europeia (a seguir «Regras») foram aprovadas pela Decisão n.o 1B-439/VA-71 do diretor do DSA e do chefe da Valstybinė mokesčių inspekcija prie Lietuvos Respublikos finansų ministerijos (Inspeção Nacional Tributária do Ministério das Finanças, Lituânia) (a seguir «Inspeção»), de 29 de abril de 2004. O § 4 destas Regras tem a seguinte redação:
«Os produtos importados para o território nacional estão isentos de IVA se estiverem cumulativamente preenchidos os seguintes requisitos:
4.1. no momento da importação, sabe-se que os produtos se destinam a ser exportados e que serão transportados para outro Estado-Membro;
[…]»
26 Nos termos do § 7 das referidas Regras:
«Devem ser apresentados, com vista ao controlo aduaneiro, juntamente com a declaração de importação aduaneira, além dos outros documentos:
[…]
7.2. Documentos que provem que os produtos importados para o território do país se destinam a ser transportados e que serão transportados para outro Estado-Membro (documentos de transporte ou contrato, nomeadamente).»
27 As Regras foram alteradas pela Decisão n.o 1B-773/VA-119 do diretor do DSA e do chefe da Inspeção, de 28 de dezembro de 2010, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2011. Essa decisão aditou um § 71 às mesmas, que prevê:
«O importador deve informar imediatamente por escrito a autoridade aduaneira regional, se houver alteração do local de armazenagem dos produtos ou do seu adquirente (o sujeito passivo do outro Estado-Membro e/ou o Estado-Membro no qual são entregues os produtos referidos nos documentos fornecidos com vista ao controlo aduaneiro), apresentando novos elementos que expliquem os motivos das alterações e juntando cópias dos documentos comprovativos.»
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
28 A Enteco Baltic é uma sociedade com sede na Lituânia. Exerce atividade no comércio por grosso de combustíveis.
29 No período em causa no processo principal, compreendido entre os anos de 2010 e 2012, a Enteco Baltic importou para a Lituânia combustíveis provenientes da Bielorrússia. Esses combustíveis eram colocados no designado «regime aduaneiro 42», que permite a sua introdução em livre prática com isenção de IVA na importação. Nas declarações de importação, esta sociedade indicou o número de identificação para efeitos de IVA dos adquirentes situados noutro Estado-Membro, a quem pretendia entregar os produtos. Estes eram armazenados em entrepostos de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo pertencentes a outras empresas lituanas.
30 A Enteco Baltic vendeu estes combustíveis a sociedades com sede na Polónia, na Eslováquia e na Hungria, com base em contratos escritos e encomendas individuais. Esses contratos previam um fornecimento «ex works» («à saída da fábrica»). Assim, nos termos dos referidos contratos, a Enteco Baltic só estava obrigada a entregar os combustíveis aos adquirentes na Lituânia e estes eram responsáveis pela prossecução do transporte dos produtos para o Estado-Membro de destino. Quer as encomendas individuais dos adquirentes quer as faturas passadas pela Enteco Baltic eram, por norma, comunicadas por correio eletrónico.
31 Para efeitos do respetivo transporte, os produtos eram objeto de documentos eletrónicos de transporte dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, bem como de declarações de expedição CMR (declarações de expedição baseadas na Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, assinada em Genebra, em 19 de maio de 1956, conforme alterada pelo Protocolo de 5 de julho de 1978). Estas últimas eram preenchidas pelos trabalhadores responsáveis do entreposto fiscal de expedição e indicavam, designadamente, o lugar de expedição dos produtos (ou seja, o entreposto fiscal de expedição), o seu adquirente e o lugar de receção (ou seja, o entreposto fiscal de destino).
32 Após entrega dos produtos nos entrepostos fiscais de destino situados na Polónia, a Enteco Baltic recebia uma confirmação eletrónica de entrega dos produtos (a seguir «confirmação e-ROR»). Recebia igualmente as declarações de expedição CMR, com a confirmação, pelos entrepostos fiscais de destino, da receção dos produtos.
33 Ocasionalmente, a Enteco Baltic vendia produtos a sujeitos passivos situados noutros Estados-Membros, distintos daqueles cujos números de identificação vinham mencionados nas declarações de importação. Os elementos relativos a esses sujeitos passivos, incluindo o respetivo número de identificação para efeitos de IVA, eram sempre fornecidos à Inspeção nos relatórios mensais de entrega de produtos noutros Estados-Membros.
34 Em 2012, o Vilniaus teritorinė muitinė (Serviço Regional Aduaneiro de Vílnius, Lituânia) (a seguir «SAV») analisou parcialmente as declarações de importação relativas ao período compreendido entre 1 de abril de 2010 e 31 de maio de 2012 e constatou irregularidades nos números de identificação para efeitos de IVA. Corrigiu-as.
35 Em 2013, a Inspeção recebeu das Administrações Tributárias eslovaca, húngara e polaca informações relativas a uma eventual fraude na aplicação do «regime aduaneiro 42». Em especial, estas Administrações referiram que não podiam confirmar a receção dos combustíveis em causa pelos adquirentes e que estes não tinham declarado IVA no período em causa.
36 Tendo em conta estas informações, a Inspeção efetuou uma nova fiscalização tributária, em 2013, sobre o cumprimento, pela Enteco Baltic, das obrigações em matéria de IVA correspondentes ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2012 e 30 de junho de 2013. Verificou que esta sociedade tinha fornecido elementos de prova suficientes para demonstrar a saída dos produtos do território lituano e a realidade da transferência, para os adquirentes, do direito de dispor de tais produtos como proprietário. Segundo a Inspeção, não ficou provado que, nas operações em causa, a Enteco Baltic agiu de forma negligente ou imprudente.
37 O SAV efetuou também, em 2014 e 2015, uma nova fiscalização sobre o período compreendido entre 1 de abril de 2010 e 31 de maio de 2012, bem como uma fiscalização inicial sobre o período compreendido entre 1 de junho de 2012 e 31 de dezembro de 2013. No final dessas fiscalizações, o SAV concluiu que a Enteco Baltic não tinha entregado os combustíveis aos sujeitos passivos referidos nas declarações de importação ou não tinha demonstrado que os combustíveis tinham sido transportados e que o direito de dispor de tais produtos como proprietário tinha sido transferido para as pessoas cujo nome vinha indicado nas faturas que mencionavam o IVA devido.
38 A Enteco Baltic recorreu a uma sociedade polaca de prestação de serviços de informação económica para obter informações adicionais sobre os transportes em causa. Pediu também ao SAV que se dirigisse aos entrepostos fiscais polacos para obter as informações que a referida sociedade não podia obter. Este pedido não foi satisfeito.
39 Em 25 de novembro de 2015, o SAV elaborou um relatório de inspeção em que concluía que a Enteco Baltic tinha considerado, sem fundamento, que as importações de combustíveis provenientes da Bielorrússia estavam isentas de IVA. Consequentemente, impôs-lhe o pagamento do montante de 3 220 822 euros a título de IVA, acrescido de coimas e juros de mora.
40 O DSA confirmou estas ordens por decisão de 16 de março de 2016.
41 A Enteco Baltic interpôs recurso dessa decisão do DSA na Mokestinių ginčų komisija prie Lietuvos Respublikos Vyriausybės (Comissão do Contencioso Tributário junto do Governo, Lituânia). Por decisão de 1 de junho de 2016 da referida Comissão, o recurso baixou de novo ao DSA para reapreciação.
42 Tanto a Enteco Baltic como o DSA interpuseram recurso no órgão jurisdicional de reenvio, pedindo, designadamente, a anulação da decisão da Comissão do Contencioso Tributário junto do Governo.
43 Nestas circunstâncias, o Vilniaus apygardos administracinis teismas (Tribunal Administrativo Regional de Vílnius, Lituânia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Deve o artigo 143.o, n.o 2, da [D]iretiva IVA ser interpretado no sentido de que veda à autoridade tributária de um Estado-Membro a possibilidade de recusar a aplicação da isenção prevista no artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da mesma diretiva, com base apenas no facto de os bens terem, na sequência de uma alteração de circunstâncias, sido transportados para outro contribuinte (sujeito passivo de IVA), em vez de entregues ao beneficiário previsto do fornecimento ao tempo da importação dos bens, cujos nome e número de identificação para efeitos de IVA figuram na declaração de importação, e tendo a autoridade pública recebido toda a informação relativa à identidade do comprador efetivo?
2) Em circunstâncias como as do presente caso, pode o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA ser interpretado no sentido de que os documentos que não tenham sido infirmados (boletins de expedição e-AD [sob a forma de documentos administrativos eletrónicos] e confirmações e-ROR [comunicação eletrónica de receção]) que atestem o transporte dos bens de um entreposto fiscal no território de um Estado-Membro para um entreposto fiscal de outro Estado-Membro são suscetíveis de ser considerados prova suficiente do transporte dos bens para outro Estado-Membro?
3) Deve o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA ser interpretado no sentido de que veda à autoridade tributária de um Estado-Membro a possibilidade de se recusar a aplicar a isenção prevista no mesmo preceito quando o direito de disposição não tenha sido transmitido ao adquirente dos bens diretamente, mas por intermédio de pessoas por ele especificadas (empresas de transportes/entrepostos fiscais)?
4) É contrária aos princípios da neutralidade do IVA e da proteção das legítimas expectativas uma prática administrativa ao abrigo da qual a interpretação do que deve ser considerado uma transmissão do direito de disposição, e dos elementos que são exigíveis para prova da mesma, difere conforme seja aplicável o artigo 167.o ou o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA?
5) É o alcance do princípio da boa-fé em matéria de cobrança de IVA extensivo ao direito das pessoas a isenção de IVA na importação [nos termos do artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA] em casos como o que é objeto do processo principal, isto é, em que a estância aduaneira rejeita o direito de um contribuinte a isenção de IVA na importação com fundamento em incumprimento das condições aplicáveis à reexportação de bens no interior da União Europeia (artigo 138.o da Diretiva IVA)?
6) Deve o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA ser interpretado no sentido de que veda aos Estados-Membros a prática administrativa de basear a presunção de que (i) o direito de disposição não foi transmitido a um parceiro contratual específico e de que (ii) o contribuinte tinha ou poderia ter tido conhecimento de uma possível fraude ao IVA cometida pelo respetivo parceiro contratual no facto de a empresa comunicar com os parceiros contratuais por meios de comunicação eletrónicos, e de ter sido estabelecido no decurso de investigação por uma autoridade tributária que os parceiros contratuais não operavam nos endereços especificados e não declararam o IVA sobre as transações com o sujeito passivo em questão?
7) Deve o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA ser interpretado no sentido de que, embora o dever de fazer prova do direito a isenção de imposto incumba ao contribuinte, tal não significa, contudo, que a autoridade pública competente para decidir a questão da transmissão do direito de disposição não tenha a obrigação de coligir informação de acesso restrito a autoridades públicas?»
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
44 Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), e o artigo 143.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que as autoridades competentes de um Estado-Membro recusem a isenção de IVA na importação apenas porque, na sequência de uma alteração das circunstâncias verificada após a importação, os produtos em causa foram entregues a um sujeito passivo diferente daquele cujo número de identificação para efeitos de IVA vinha indicado na declaração de importação, apesar de o importador ter comunicado todas as informações relativas à identidade do novo adquirente às autoridades competentes do Estado-Membro de importação.
45 A título preliminar, deve referir-se que, como recordado no n.o 6 do presente acórdão, o prazo de transposição da Diretiva 2009/69, que aditou um n.o 2 ao artigo 143.o da Diretiva IVA na sua versão inicial, terminou em 1 de janeiro de 2011. Assim, esta última disposição só se aplica a partir desta data.
46 Em primeiro lugar, decorre do artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA que os Estados-Membros isentam as importações de bens expedidos ou transportados a partir de um território terceiro ou de um país terceiro para um Estado-Membro sem ser o de chegada da expedição ou do transporte, no caso de a entrega desses bens, efetuada pelo importador designado ou reconhecido como devedor do imposto por força do disposto no artigo 201.o desta diretiva, estar isenta em conformidade com o artigo 138.o da mesma.
47 A isenção de IVA na importação está, assim, sujeita à realização posterior, pelo importador, de uma entrega intracomunitária também ela isenta nos termos do artigo 138.o da Diretiva IVA e depende, por conseguinte, do cumprimento dos requisitos materiais fixados neste artigo, como observou o advogado-geral nos n.os 42, 50 e 68 das suas conclusões.
48 Em contrapartida, nem o artigo 138.o nem o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA preveem a obrigação de o importador indicar o número de identificação para efeitos de IVA do adquirente que participa na subsequente operação intracomunitária.
49 Antes da alteração à Diretiva IVA na sua versão inicial, pela Diretiva 2009/69, essa obrigação podia estar prevista no direito nacional, como é o caso do direito lituano no processo principal.
50 Com efeito, na falta de disposição a este respeito na Diretiva IVA, compete aos Estados-Membros fixar, em conformidade com o artigo 131.o desta diretiva, as condições em que isentam as importações seguidas de uma entrega intracomunitária, a fim de garantir a aplicação correta e simples da isenção na importação prevista por esta diretiva e evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso. Contudo, no exercício dos seus poderes, os Estados-Membros devem respeitar os princípios gerais de direito que fazem parte da ordem jurídica da União (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11, EU:C:2012:547, n.o 36 e jurisprudência referida; de 9 de outubro de 2014, Traum, C-492/13, EU:C:2014:2267, n.o 27; e de 9 de fevereiro de 2017, Euro Tyre, C-21/16, EU:C:2017:106, n.o 33).
51 A este respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu, no contexto da isenção das entregas intracomunitárias prevista no artigo 138.o, n.o 1, da Diretiva IVA, que, uma vez que a isenção depende da verificação das condições materiais enunciadas taxativamente nesta disposição, entre as quais não figura a obrigação de o adquirente dispor de um número de identificação para efeitos de IVA, os Estados-Membros não podem, em princípio, recusar o benefício da referida isenção por inobservância de uma exigência formal, como a identificação para efeitos de IVA do adquirente, eventualmente prevista no direito nacional de um Estado-Membro (v., neste sentido, Acórdão de 9 de fevereiro de 2017, Euro Tyre, C-21/16, EU:C:2017:106, n.os 29 e 32).
52 Estas mesmas considerações impõem-se quando, em aplicação do artigo 131.o da Diretiva IVA, um Estado-Membro prevê a sujeição do benefício da isenção na importação prevista no artigo 143.o, n.o 1, alínea d), desta diretiva à comunicação, pelo importador, do número de identificação para efeitos de IVA do adquirente.
53 Em segundo lugar, o artigo 143.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva IVA, que resulta das alterações introduzidas pela Diretiva 2009/69, prevê agora que, para poder beneficiar da isenção na importação prevista no n.o 1, alínea d), deste artigo, o importador deve, no momento da importação, indicar o número de identificação para efeitos de IVA do adquirente.
54 Embora esta disposição, atendendo à sua letra, pudesse ser interpretada no sentido de que a isenção na importação deve ser recusada quando, após ter indicado um número de identificação para efeitos de IVA de um adquirente, o importador entrega os bens em questão a um adquirente diferente, essa interpretação seria, contudo, contrária à sistemática geral e ao contexto do artigo 143.o, n.o 2, da Diretiva IVA.
55 Com efeito, por um lado, decorre dos considerandos 3 a 5 da Diretiva 2009/69 que o artigo 143.o, n.o 2, da Diretiva IVA enumera os requisitos mínimos de aplicação da isenção de IVA na importação nele prevista. O aditamento destes requisitos na Diretiva IVA justificava-se pela necessidade de prevenir uma utilização ilícita e fraudulenta do regime de isenção de IVA por operadores que se aproveitavam das diferenças nos requisitos de concessão da isenção na importação anteriormente fixados pelos Estados-Membros. Segue-se que a obrigação que, após a alteração introduzida pela Diretiva 2009/69, passou a figurar no artigo 143.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva IVA, de o importador indicar o número de identificação para efeitos de IVA do adquirente, não pode ser vista como um requisito material de isenção, servindo apenas para corrigir divergências na aplicação da isenção entre Estados-Membros.
56 Tanto mais assim é que a Diretiva 2009/69 não alterou o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA, que remete para os requisitos materiais da isenção da entrega intracomunitária subsequente, fixados no artigo 138.o desta diretiva.
57 Por outro lado, tendo em conta as considerações do advogado-geral expostas nos n.os 67 a 71 das suas conclusões, deve acrescentar-se que a interpretação contrária desta disposição seria incompatível com a sujeição do benefício da isenção na importação à verificação dos requisitos da isenção da entrega intracomunitária subsequente e, na falta de alteração destes últimos requisitos — em particular do artigo 138.o da Diretiva IVA — pela Diretiva 2009/69, introduziria incoerências neste regime de isenções.
58 Consequentemente, quer na vigência da Diretiva IVA na sua versão inicial quer na vigência da Diretiva IVA, a isenção na importação não pode, em princípio, ser recusada apenas porque os produtos foram entregues a um adquirente diferente daquele cujo número foi indicado no momento da importação, desde que se demonstre que a importação foi efetivamente seguida de uma entrega intracomunitária que obedece aos requisitos materiais de isenção previstos no artigo 138.o, n.o 1, desta diretiva e que o importador informou sempre devidamente a autoridade competente das alterações ocorridas na identidade dos adquirentes.
59 Só assim não seria se o importador participasse intencionalmente numa fraude fiscal que pusesse em perigo o funcionamento do sistema comum do IVA ou se a violação de uma exigência formal tivesse por efeito impedir a produção da prova incontestável do cumprimento das exigências materiais (v., por analogia, Acórdãos de 20 de outubro de 2016, Plöckl, C-24/15, EU:C:2016:791, n.os 39, 43, 44 e 46, e de 9 de fevereiro de 2017, Euro Tyre, C-21/16, EU:C:2017:106, n.os 36 a 39 e 42).
60 Além disso, cumpre recordar que, para punir a inobservância das exigências formais, os Estados-Membros podem prever sanções diferentes da recusa de isenção de IVA, como a aplicação de uma coima ou de uma sanção pecuniária proporcionada à gravidade da infração (v., neste sentido, Acórdão de 19 de abril de 2018, Firma Hans Bühler, C-580/16, EU:C:2018:261, n.o 52).
61 À luz das considerações expostas, há que responder à primeira questão que o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), e o artigo 143.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que as autoridades competentes de um Estado-Membro recusem a isenção de IVA na importação apenas porque, na sequência de uma alteração das circunstâncias verificada após a importação, os produtos em causa foram entregues a um sujeito passivo diferente daquele cujo número de identificação para efeitos de IVA vinha indicado na declaração de importação, apesar de o importador ter comunicado todas as informações relativas à identidade do novo adquirente às autoridades competentes do Estado-Membro de importação, desde que se demonstre que efetivamente se verificaram os requisitos materiais da isenção da entrega intracomunitária subsequente.
Quanto à segunda questão
62 Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA, lido em conjugação com o artigo 138.o e com o artigo 143.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que documentos, como declarações de expedição CMR e e-AD e confirmações e-ROR, que confirmam o transporte de bens a partir de um entreposto fiscal situado no Estado-Membro de importação com destino não ao adquirente mas a um entreposto fiscal situado noutro Estado-Membro, podem ser considerados elementos de prova suficientes da expedição ou do transporte dos bens, na aceção dessas disposições.
63 Recorde-se que o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA prevê a isenção das importações de bens seguidas de entregas intracomunitárias que estão elas próprias isentas por força do artigo 138.o, n.o 1, desta diretiva.
64 Por um lado, decorre do artigo 143.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva IVA, cujas disposições resultam das alterações introduzidas pela Diretiva 2009/69, que a isenção na importação só é aplicável se, no momento da importação, o importador fizer prova de que os bens importados se destinam a ser transportados ou expedidos do Estado-Membro de importação para outro Estado-Membro.
65 A este respeito, antes dessas alterações, cabia exclusivamente aos Estados-Membros prever os requisitos a que estava sujeita a isenção do IVA nas importações de bens, prevista no artigo 143.o, n.o 1, da Diretiva IVA.
66 Por outro lado, recorde-se que a isenção de uma entrega intracomunitária de um bem ao abrigo do artigo 138.o, n.o 1, da Diretiva IVA só é aplicável quando o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente, o vendedor prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado-Membro e, na sequência dessa expedição ou desse transporte, o mesmo bem saia fisicamente do território do Estado-Membro de partida da expedição ou do transporte (Acórdãos de 6 de setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11, EU:C:2012:547, n.o 31 e jurisprudência referida, e de 9 de fevereiro de 2017, Euro Tyre, C-21/16, EU:C:2017:106, n.o 25).
67 O ónus da prova de que os requisitos previstos no artigo 138.o, n.o 1, da Diretiva IVA estão preenchidos incumbe a quem invoca o direito de isenção do IVA, isto é, ao fornecedor dos bens (Acórdão de 27 de setembro de 2007, Twoh International, C-184/05, EU:C:2007:550, n.o 26). Contudo, nos casos em que o direito de dispor do bem como proprietário é transferido para o adquirente no território do Estado-Membro de partida da expedição ou do transporte e em que esse adquirente expede ou transporta o bem para fora do território desse Estado-Membro, a prova que o fornecedor pode submeter às autoridades tributárias depende essencialmente dos elementos que, para o efeito, receber do adquirente (Acórdãos de 16 de dezembro de 2010, Euro Tyre Holding, C-430/09, EU:C:2010:786, n.o 37, e de 14 de junho de 2017, Santogal M-Comércio e Reparação de Automóveis, C-26/16, EU:C:2017:453, n.o 66).
68 Além disso, decorre do artigo 138.o, n.o 1, da Diretiva IVA e da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o requisito da expedição ou do transporte dos bens em causa se verifica se os bens saírem efetivamente do território do Estado-Membro de partida da expedição ou do transporte, para serem transferidos para o território do Estado-Membro de destino (v., neste sentido, Acórdão de 27 de setembro de 2007, Teleos e o., C-409/04, EU:C:2007:548, n.os 27 e 33).
69 Resulta do exposto que, para beneficiar da isenção na importação prevista no artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA, o importador deve, designadamente, apresentar às autoridades do Estado-Membro de importação a prova de que, por um lado, no momento da importação, os bens em causa se destinam a ser expedidos ou transportados com destino a outro Estado-Membro e de que, por outro, no âmbito da entrega intracomunitária subsequente, os referidos bens foram objeto dessa expedição ou desse transporte.
70 A este respeito, basta que o importador prove que os bens em causa se destinam a ser expedidos ou transportados e, em seguida, sejam efetivamente expedidos ou transportados com destino a outro Estado-Membro, sem ser necessário provar que o são com destino, especificamente, ao endereço do adquirente dos mesmos bens.
71 No presente caso, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se, em particular, sobre o valor probatório das declarações de expedição CMR e e-AD e das confirmações e-ROR. Embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a força probatória dos elementos de prova apresentados no processo principal, o Tribunal de Justiça pode, porém, fornecer-lhe todos os elementos de interpretação de direito da União que lhe possam ser úteis.
72 A este respeito, quanto, desde logo, às declarações de expedição e-AD, importa remeter para as disposições do direito da União relativas ao documento administrativo eletrónico que acompanha a circulação de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto (a seguir «documento e-AD»), como os que estão em causa no processo principal, que estão sujeitos a esses impostos.
73 Por um lado, resulta das disposições do artigo 21.o, n.o 2, da Diretiva 2008/118 e do artigo 3.o do Regulamento n.o 684/2009, lido em conjugação com o quadro 1 do anexo I desse regulamento, que, no máximo, sete dias antes da data de expedição dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo em causa, o expedidor apresenta às autoridades competentes do Estado-Membro de expedição um projeto de documento e-AD que inclua, nomeadamente, informações sobre os operadores económicos em causa — a saber, o despachante e o destinatário —, os lugares de expedição e de destino, os bens expedidos e a fatura referente a esses bens, bem como o transporte destes últimos. Os dados que figuram nesse projeto são verificados pelas referidas autoridades, nos termos do artigo 21.o, n.o 3, desta diretiva.
74 Como salientou o advogado-geral nos n.os 122 e 124 das suas conclusões, há que considerar que um projeto de documento e-AD desta natureza, quando devidamente preenchido e apresentado no momento da importação, pode constituir um elemento que permite demonstrar que, nesse momento, o bem em causa se destina a ser transportado ou expedido para outro Estado-Membro, na aceção do artigo 143.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva IVA.
75 Por outro lado, importa precisar que, em conformidade com o disposto no artigo 24.o da Diretiva 2008/118, após a receção de produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, o destinatário apresenta às autoridades competentes do Estado-Membro de destino um aviso de receção dos produtos, e estas, por sua vez, transmitem-no ao expedidor. A este respeito, resulta do artigo 7.o do Regulamento n.o 684/2009, conjugado com o quadro 6 do anexo I deste regulamento, que este relatório de receção inclui, nomeadamente, uma referência ao documento e-AD pertinente.
76 À semelhança do advogado-geral, no n.o 126 das suas conclusões, há que considerar que este relatório de receção é suscetível de demonstrar que o bem em causa saiu efetivamente do território do Estado-Membro de expedição e foi transportado ou expedido para outro Estado-Membro, na aceção do artigo 138.o, n.o 1, da Diretiva IVA.
77 Em seguida, relativamente às confirmações e-ROR, resulta dos elementos dos autos que foram passadas após a expedição ou o transporte dos bens. Uma vez que ainda não existiam no momento da importação, essas confirmações não permitem demonstrar que, nesse momento, os bens em causa se destinavam a ser transportados ou expedidos para outro Estado-Membro, na aceção do artigo 143.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva IVA. Em contrapartida, são suscetíveis de ser tomadas em consideração para efeitos da prova da realidade da expedição ou do transporte desses bens, nos termos do artigo 138.o, n.o 1, desta diretiva.
78 Por último, no que se refere às declarações de expedição CMR, há que salientar que são passadas antes da expedição ou do transporte para o Estado-Membro de destino e indicam, nomeadamente, o lugar de expedição, o comprador, o lugar de receção e os veículos de transporte. Consequentemente, são suscetíveis de demonstrar que os bens em causa se destinam a ser expedidos ou transportados para o referido Estado e de serem tidas em conta ao abrigo do artigo 143.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva IVA, na medida em que foram apresentadas no momento da importação. Podem também ser tidas em conta ao abrigo do artigo 138.o, n.o 1, desta diretiva, sobretudo se, no final da expedição ou do transporte, ostentarem uma marca de homologação.
79 A este respeito, decorre da decisão de reenvio que, no órgão jurisdicional de reenvio, as partes no processo principal divergem quanto à questão de saber se a isenção na importação podia ser recusada apenas porque as declarações CMR apresentadas pela Enteco Baltic não ostentavam a marca de homologação ou porque ostentavam a marca de registo dos entrepostos fiscais polacos. Todavia, importa salientar que este fundamento não é suficiente, de per se, para determinar a recusa da isenção, se os demais elementos de prova apresentados por essa sociedade demonstrarem, por um lado, que, no momento da importação, os bens em causa se destinavam a ser expedidos ou transportados para um Estado-Membro diferente do Estado-Membro de importação e, por outro, que, na operação subsequente, os bens foram efetivamente expedidos ou transportados para esse outro Estado-Membro.
80 Compete, assim, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, à luz de todos os elementos de prova apresentados pela Enteco Baltic, se estes requisitos se verificam.
81 Atendendo às considerações expostas, há que responder à segunda questão que o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA, lido em conjugação com o artigo 138.o e com o artigo 143.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que:
– documentos que confirmam o transporte de bens a partir de um entreposto fiscal situado num Estado-Membro de importação com destino a um entreposto fiscal situado noutro Estado-Membro, e não ao adquirente, podem ser considerados elementos de prova suficientes da expedição ou do transporte desses bens para outro Estado-Membro;
– documentos como declarações de expedição CMR e documentos e-AD podem ser tidos em conta para demonstrar que, no momento da importação para um Estado-Membro, os bens em questão se destinam a ser expedidos ou transportados para outro Estado-Membro, na aceção do artigo 143.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva IVA, desde que os referidos documentos sejam apresentados nesse momento e contenham todas as informações necessárias. Estes documentos, bem como as confirmações e-ROR e o relatório de receção emitido no termo de uma circulação em regime de suspensão de impostos especiais de consumo, são suscetíveis de demonstrar que os referidos bens são efetivamente expedidos ou transportados com destino a outro Estado-Membro, em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, desta diretiva.
Quanto à terceira e quarta questões
82 Com a terceira e quarta questões, que importa apreciar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades de um Estado-Membro recusem a um importador o benefício do direito à isenção de IVA, previsto nessa disposição, para as importações de bens que efetuou nesse Estado e que foram seguidas de uma entrega intracomunitária, quando esses bens não foram enviados diretamente para o adquirente, mas sim tomados a cargo por empresas de transporte e por entrepostos fiscais que aquele designou, e se, neste contexto, o conceito de «entrega de bens», na aceção do artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva, deve ser entendido da mesma forma que no contexto do artigo 167.o da referida diretiva.
83 A título preliminar, recorde-se que a isenção na importação prevista no artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA depende da realização subsequente de uma entrega intracomunitária, ela própria isenta nos termos do artigo 138.o, n.o 1, desta diretiva.
84 Como sucede com qualquer entrega de bens, conforme definida no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva IVA, a entrega intracomunitária exige a transferência para o adquirente do direito de dispor de um bem corpóreo como proprietário (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11, EU:C:2012:547, n.o 32).
85 Segundo jurisprudência constante, o conceito de «entrega de bens», na aceção da Diretiva IVA, deve ser objeto de uma definição autónoma e uniforme, própria do direito da União (v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2010, De Fruytier, C-237/09, EU:C:2010:316, n.o 22). De acordo com a finalidade da Diretiva IVA, que visa, entre outros, basear o sistema do IVA numa definição uniforme das operações tributáveis (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de fevereiro de 1990, Shipping and Forwarding Enterprise Safe, C-320/88, EU:C:1990:61, n.o 8, e de 11 de maio de 2017, Posnania Investment, C-36/16, EU:C:2017:361, n.o 25), este conceito deve ter um significado uniforme no âmbito desta diretiva. Consequentemente, não pode ser interpretado de maneira diferente no âmbito da isenção na importação e no do direito à dedução do IVA pago a montante, referido no artigo 167.o da Diretiva IVA.
86 Decorre também da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de «entrega de bens» não se refere à transferência da propriedade nas formas previstas no direito nacional aplicável, incluindo antes qualquer operação de transferência de um bem corpóreo por uma parte que confira a outra parte o poder de dispor dele, de facto, como se fosse o proprietário desse bem (Acórdão de 3 de junho de 2010, De Fruytier, C-237/09, EU:C:2010:316, n.o 24 e jurisprudência referida).
87 A transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário não exige que a parte para quem o bem é transferido o detenha fisicamente nem que esse bem seja fisicamente transportado para ela e/ou fisicamente por ela recebido (Despacho de 15 de julho de 2015, Itales, C-123/14, não publicado, EU:C:2015:511, n.o 36).
88 Em contrapartida, na falta de transferência do poder de dispor dos bens como proprietário, não podem estar abrangidos pelo conceito de «entrega de bens» a transferência de bens tendo em vista a sua simples detenção (v., neste sentido, Acórdão de 14 de julho de 2005, British American Tobacco e Newman Shipping, C-435/03, EU:C:2005:464, n.o 36) nem o facto de um transportador deslocar materialmente os bens em causa de um local para outro, por conta de outros operadores (v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2010, De Fruytier, C-237/09, EU:C:2010:316, n.o 25).
89 Quanto ao processo principal, para determinar se as operações realizadas entre o importador e os adquirentes após a importação dos bens em causa devem ser qualificadas de «entregas de bens», na aceção da Diretiva IVA, importa, como resulta dos n.os 95 a 97 das conclusões do advogado-geral, apreciar se o poder de dispor dos bens como proprietário foi transferido pela Enteco Baltic para os transportadores e para os entrepostos fiscais ou se estes últimos apenas desempenharam um papel de intermediário de transporte e de armazenamento, sem que esse poder lhes tenha sido transmitido. Neste último caso e desde que o referido poder tenha efetivamente sido transferido pela Enteco Baltic para os adquirentes, como deixa entender o pedido de decisão prejudicial, essas operações devem ser qualificadas de «entregas de bens».
90 Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, à luz de todas as circunstâncias de facto de que dispõe, se isso sucede no litígio de que conhece (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de fevereiro de 1990, Shipping and Forwarding Enterprise Safe, C-320/88, EU:C:1990:61, n.o 13, e de 18 de julho de 2013, Evita-K, C-78/12, EU:C:2013:486, n.o 34).
91 Se, no final dessa apreciação, se verificar que a Enteco Baltic transferiu o poder de dispor dos bens como proprietário para os adquirentes, e desde que os restantes requisitos da isenção na importação estejam preenchidos, a isenção na importação não pode ser recusada à Enteco Baltic.
92 Atendendo às considerações expostas, há que responder à terceira e quarta questões que o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades de um Estado-Membro recusem a um importador o benefício do direito à isenção de IVA, previsto nessa disposição, para as importações de bens que efetuou nesse Estado-Membro e que foram seguidas de uma entrega intracomunitária, porque esses bens não foram enviados diretamente para o adquirente, mas sim tomados a cargo por empresas de transporte e por entrepostos fiscais que aquele designou, quando o poder de dispor dos referidos bens como proprietário foi transferido pelo importador para o adquirente. Neste âmbito, o conceito de «entrega de bens», na aceção do artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva, deve ser interpretado da mesma forma que no contexto do artigo 167.o da referida diretiva.
Quanto à quinta e sexta questões
93 Com a quinta e sexta questões, que importa apreciar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática administrativa segundo a qual, em circunstâncias como as do processo principal, o benefício do direito à isenção de IVA na importação é recusado ao importador de boa-fé se os requisitos da isenção da entrega intracomunitária subsequente não se verificarem devido à prática de fraude fiscal pelo adquirente.
94 A este respeito, recorde-se que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não é contrário ao direito da União exigir que um operador aja de boa-fé e tome todas as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas para garantir que a operação que efetua não o leve a participar numa fraude fiscal. Na hipótese de o sujeito passivo em causa saber ou dever saber que a operação que efetuou estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente e não ter tomado todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar esta fraude, deveria ser-lhe recusado o benefício da isenção (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11, EU:C:2012:547, n.os 48 e 54 e jurisprudência referida).
95 Compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, com base numa apreciação global de todos os elementos e circunstâncias de facto do processo principal, se a Enteco Baltic agiu de boa-fé e tomou todas as medidas que lhe podem ser razoavelmente exigidas para garantir que as operações de importação e de entrega efetuadas não a levavam a participar numa fraude fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11, EU:C:2012:547, n.o 53). O Tribunal de Justiça pode, todavia, fornecer-lhe todos os elementos de interpretação do direito da União que lhe possam ser úteis (Acórdão de 14 de junho de 2017, Santogal M-Comércio e Reparação de Automóveis, C-26/16, EU:C:2017:453, n.o 72).
96 No caso em apreço, os autos de que dispõe o Tribunal de Justiça não contêm elementos que permitam concluir que a Enteco Baltic agiu ou não com a diligência devida. A este respeito, há, porém, que precisar que, como salientou o advogado-geral nos n.os 102 a 104 das suas conclusões, a circunstância de o importador ter comunicado com os seus clientes por via eletrónica não permite qualificar a sua conduta de conduta de má-fé ou negligente nem presumir que esta sociedade sabia ou devia saber que participava numa fraude fiscal.
97 Caso o órgão jurisdicional de reenvio conclua que a Enteco Baltic agiu de boa-fé e tomou todas as medidas que lhe podiam ser razoavelmente exigidas para garantir que as operações de importação e de entrega realizadas não a levavam a participar numa fraude fiscal, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o princípio da segurança jurídica se opõe a que um Estado-Membro que, num primeiro tempo, aceitou os documentos apresentados pelo vendedor como provas justificativas do direito à isenção de uma entrega, possa, depois, obrigar esse vendedor a pagar o IVA relativo a essa entrega, devido a uma fraude cometida pelo adquirente da qual o referido vendedor não tinha nem podia ter conhecimento (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de setembro de 2007, Teleos e o., C-409/04, EU:C:2007:548, n.o 50, e de 14 de junho de 2017, Santogal M-Comércio e Reparação de Automóveis, C-26/16, EU:C:2017:453, n.o 75).
98 Não resulta dos elementos dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que se verifiquem esses requisitos na situação em causa no processo principal. A este respeito, é certo que resulta destes elementos que, com base nos elementos de prova apresentados pela Enteco Baltic, a Inspeção concluiu que se verificavam os requisitos da isenção das entregas intracomunitárias e que esta sociedade não podia ser acusada de negligência. No entanto, importa sublinhar que a análise efetuada pela Inspeção, que, de qualquer forma, incidia apenas sobre algumas das operações em causa no processo principal, não impedia o SAV de verificar, por ocasião de um novo controlo, efetuado dentro dos prazos aplicáveis, se a Enteco Baltic não tinha nem podia ter conhecimento da prática de uma eventual fraude pelo adquirente no que diz respeito ao conjunto das operações em causa.
99 A interpretação do princípio da segurança jurídica à luz das considerações expostas nos n.os 97 e 98 do presente acórdão não é posta em causa pelo argumento, apresentado na audiência pelo Governo lituano e pela Comissão, de que os controlos realizados pela Inspeção e pelo SAV, respetivamente, têm objetos distintos, sendo que o primeiro analisa o cumprimento dos requisitos previstos no artigo 138.o da Diretiva IVA e o segundo verifica o cumprimento dos requisitos previstos no artigo 143.o, n.o 1, alínea d), desta diretiva. Com efeito, o benefício da isenção na importação concedido nos termos do artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA depende da verificação dos requisitos da isenção da entrega intracomunitária subsequente, nos termos do artigo 138.o, n.o 1, da referida diretiva. Ora, segundo as indicações constantes da decisão de reenvio, a decisão do SAV respeitava precisamente aos requisitos desta última disposição.
100 À luz das considerações expostas, há que responder à quinta e sexta questões que o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática administrativa segundo a qual, em circunstâncias como as do processo principal, o benefício do direito à isenção de IVA é recusado ao importador de boa-fé se os requisitos da isenção da entrega intracomunitária subsequente não se verificarem devido à prática de fraude fiscal pelo adquirente, a menos que se prove que o importador sabia ou devia saber que a operação estava implicada numa fraude praticada pelo adquirente e não tomou todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar a sua participação nessa fraude. O mero facto de o importador e o adquirente terem comunicado através de meios de comunicação eletrónicos não permite presumir que o importador sabia ou devia saber que participava nessa fraude.
Quanto à sétima questão
101 Com a sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que as autoridades nacionais competentes estão obrigadas, na apreciação da transferência do poder de dispor dos bens como proprietário, a coligir informações apenas acessíveis às autoridades públicas.
102 A este respeito, importa recordar que, por analogia com a jurisprudência referida no n.o 67 do presente acórdão e como, de resto, expõe o órgão jurisdicional de reenvio, compete ao importador demonstrar que se verificam os requisitos da isenção na importação prevista no artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA. A este título, compete-lhe, nomeadamente, demonstrar que o poder de dispor dos bens como proprietário foi transferido para o adquirente.
103 Além disso, no contexto das operações intracomunitárias, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, quando o fornecedor não pode oferecer as provas necessárias para demonstrar que se verificam os requisitos da isenção de uma entrega intracomunitária, as autoridades tributárias do Estado-Membro de partida da expedição ou do transporte de bens não estão obrigadas a pedir informações às autoridades do Estado-Membro de destino com fundamento nas disposições do Regulamento n.o 1798/2003, relativas ao sistema de troca de informações entre as Administrações Tributárias dos Estados-Membros (v., neste sentido, Acórdão de 22 de abril de 2010, X e fiscale eenheid Facet-Facet Trading, C-536/08 e C-539/08, EU:C:2010:217, n.o 37, e, por analogia, Acórdão de 27 de setembro de 2007, Twoh International, C-184/05, EU:C:2007:550, n.os 28, 34 e 38).
104 Tal interpretação é transponível para o Regulamento n.o 904/2010, que, de acordo com o seu artigo 62.o, segundo parágrafo, é aplicável a partir de 1 de janeiro de 2012 e que, por força do seu artigo 61.o, primeiro parágrafo, revoga o Regulamento n.o 1798/2003 com efeitos a partir dessa mesma data.
105 Com efeito, como decorre, em especial, dos considerandos 3, 4 e 7 do Regulamento n.o 904/2010, este tem por objetivo a luta contra a fraude ao IVA e a evasão fiscal e contribuir para a correta aplicação do IVA. Para o efeito, este regulamento define, de acordo com o seu artigo 1.o, n.o 1, segundo parágrafo, regras e procedimentos que permitem às autoridades competentes dos Estados-Membros cooperar e trocar entre si todas as informações que possam ajudar a realizar uma correta avaliação do IVA, controlar a correta aplicação do IVA, designadamente o relativo às operações intracomunitárias, e lutar contra a fraude ao IVA. Em particular, o artigo 7.o, n.o 1, do referido regulamento prevê, para o efeito, que, a pedido de uma autoridade nacional, a autoridade requerida comunica todas as informações que permitam uma correta avaliação do IVA. O artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 904/2010 prevê limites ao intercâmbio de informações entre as autoridades nacionais, que não estão obrigadas a fornecer as informações solicitadas em todas as circunstâncias. Consequentemente, e na falta de disposição expressa a este respeito neste regulamento, este não confere um direito específico ao sujeito passivo de pedir a transmissão de informações caso o próprio não possa fornecer os elementos de prova que justifiquem o seu direito à isenção do IVA (v., por analogia, Acórdão de 27 de setembro de 2007, Twoh International, C-184/05, EU:C:2007:550, n.os 30 a 34).
106 À luz das considerações expostas, há que responder à sétima questão que o artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que as autoridades nacionais competentes não estão obrigadas, na apreciação da transferência do poder de dispor dos bens como proprietário, a coligir informações apenas acessíveis às autoridades públicas.
Quanto às despesas
107 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:
1) O artigo 143.o, n.o 1, alínea d), e o artigo 143.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2009/69/CE do Conselho, de 25 de junho de 2009, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que as autoridades competentes de um Estado-Membro recusem a isenção de imposto sobre o valor acrescentado na importação apenas porque, na sequência de uma alteração das circunstâncias verificada após a importação, os produtos em causa foram entregues a um sujeito passivo diferente daquele cujo número de identificação para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado vinha indicado na declaração de importação, apesar de o importador ter comunicado todas as informações relativas à identidade do novo adquirente às autoridades competentes do Estado-Membro de importação, desde que se demonstre que efetivamente se verificaram os requisitos materiais da isenção da entrega intracomunitária subsequente.
2) O artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2006/112, conforme alterada pela Diretiva 2009/69, lido em conjugação com o artigo 138.o e com o artigo 143.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva, conforme alterada, deve ser interpretado no sentido de que:
– documentos que confirmam o transporte de bens a partir de um entreposto fiscal situado num Estado-Membro de importação com destino a um entreposto fiscal situado noutro Estado-Membro, e não ao adquirente, podem ser considerados elementos de prova suficientes da expedição ou do transporte desses bens para outro Estado-Membro;
– documentos como declarações de expedição baseadas na Convenção relativa ao contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, assinada em Genebra, em 19 de maio de 1956, conforme alterada pelo Protocolo de 5 de julho de 1978, e documentos administrativos eletrónicos que acompanham a circulação de bens sujeitos a impostos especiais de consumo em regime de suspensão do imposto, podem ser tidos em conta para demonstrar que, no momento da importação para um Estado-Membro, os bens em questão se destinam a ser expedidos ou transportados para outro Estado-Membro, na aceção do artigo 143.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2006/112, conforme alterada, desde que os referidos documentos sejam apresentados nesse momento e contenham todas as informações necessárias. Estes documentos, bem como as confirmações eletrónicas de entrega de produtos e o relatório de receção emitido no termo de uma circulação em regime de suspensão de impostos especiais de consumo, são suscetíveis de demonstrar que os referidos bens são efetivamente expedidos ou transportados com destino a outro Estado-Membro, em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, da Diretiva 2006/112, conforme alterada.
3) O artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2006/112, conforme alterada pela Diretiva 2009/69, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades de um Estado-Membro recusem a um importador o benefício do direito à isenção de imposto sobre o valor acrescentado, previsto nessa disposição, para as importações de bens que efetuou nesse Estado e que foram seguidas de uma entrega intracomunitária, porque esses bens não foram enviados diretamente para o adquirente, mas sim tomados a cargo por empresas de transporte e por entrepostos fiscais que aquele designou, quando o poder de dispor dos referidos bens como proprietário foi transferido pelo importador para o adquirente. Neste âmbito, o conceito de «entrega de bens», na aceção do artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva, conforme alterada, deve ser interpretado da mesma forma que no contexto do artigo 167.o da referida diretiva, conforme alterada.
4) O artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2006/112, conforme alterada pela Diretiva 2009/69, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma prática administrativa segundo a qual, em circunstâncias como as do processo principal, o benefício do direito à isenção de imposto sobre o valor acrescentado na importação é recusado ao importador de boa-fé se os requisitos da isenção da entrega intracomunitária subsequente não se verificarem devido à prática de fraude fiscal pelo adquirente, a menos que se prove que o importador sabia ou devia saber que a operação estava implicada numa fraude praticada pelo adquirente e não tomou todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar a sua participação nessa fraude. O mero facto de o importador e o adquirente terem comunicado através de meios de comunicação eletrónicos não permite presumir que o importador sabia ou devia saber que participava nessa fraude.
5) O artigo 143.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2006/112, conforme alterada pela Diretiva 2009/69, deve ser interpretado no sentido de que as autoridades nacionais competentes não estão obrigadas, na apreciação da transferência do poder de dispor dos bens como proprietário, a coligir informações apenas acessíveis às autoridades públicas.
Assinaturas
* Língua do processo: lituano.