Edição provisória
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)
7 de julho de 2022 (*)
«Reenvio prejudicial – Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) – Diretiva 2006/112/CE – Artigos 184.° e 185.° – Regularização das deduções – Sujeito passivo que não exerceu o seu direito a dedução antes de o prazo ter prescrito – Impossibilidade de efetuar esta dedução no âmbito da regularização»
No processo C-194/21,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal, Países Baixos), por Decisão de 26 de março de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de março de 2021, no processo
Staatssecretaris van Financiën,
contra
X,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),
composto por: I. Jarukaitis, presidente de secção, M. Ilešič e Z. Csehi (relator), juízes,
advogado-geral: T. Ćapeta,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
– em representação de X, por A.C.P.A. van Dijk, belastingadviseur,
– em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman, M.A.M. de Ree e C. S. Schillemans, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo checo, por O. Serdula, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,
– em representação da Comissão Europeia, por W. Roels e V. Uher, na qualidade de agentes,
vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 184.° e 185.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010 (JO 2010, L 189, p. 1) (a seguir «Diretiva IVA»).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Staatssecretaris van Financiën (Secretário de Estado das Finanças, Países Baixos) a X, a respeito da regularização de uma não dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) pago a montante a título da aquisição de terrenos para construção.
Quadro jurídico
Direito da União
3 O artigo 63.° da Diretiva IVA prevê:
«O facto gerador do imposto ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços.»
4 O artigo 135.°, n.° 1, alínea k), desta diretiva tem a seguinte redação:
«Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:
[...]
k) As entregas de bens imóveis não edificados, que não sejam as entregas de terrenos para construção referidas na alínea b) do n.o 1 do artigo 12.o»
5 Nos termos do artigo 167.o da referida diretiva:
«O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.»
6 O artigo 168.° da mesma diretiva prevê:
«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:
a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;
[...]»
7 O artigo 178.° da Diretiva IVA dispõe:
«Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:
a) Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.°, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida nos termos das secções 3 a 6 do capítulo 3 do título XI;
[...]»
8 Nos termos do artigo 179.°, primeiro parágrafo, desta diretiva:
«O sujeito passivo efetua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.°»
9 O artigo 180.° da referida diretiva estabelece:
«Os Estados-Membros podem autorizar o sujeito passivo a proceder a deduções que não tenham sido efetuadas em conformidade com os artigos 178.o e 179.o»
10 O artigo 182.° da mesma diretiva prevê:
«Os Estados-Membros determinam as condições e as normas de aplicação dos artigos 180.o e 181.o»
11 No capítulo 5 do título X da Diretiva IVA, intitulado «Regularização das deduções», figuram, nomeadamente, os artigos 184.° a 186.°
12 O artigo 184.° desta diretiva dispõe:
«A dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito.»
13 O artigo 185.° da referida diretiva prevê:
«1. A regularização é efetuada nomeadamente quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, por exemplo no caso de anulação de compras ou de obtenção de abatimentos nos preços.
2. Em derrogação do disposto no n.° 1, não é efetuada qualquer regularização no caso de operações total ou parcialmente por pagar, no caso de destruição, perda ou roubo devidamente comprovados ou justificados, bem como no caso das afetações de bens a ofertas de pequeno valor e a amostras referidas no artigo 16.°
No caso de operações total ou parcialmente por pagar e nos casos de roubo, os Estados-Membros podem, todavia, exigir a regularização.»
14 O artigo 186.° da mesma diretiva enuncia:
«Os Estados-Membros determinam as normas de aplicação dos artigos 184.o e 185.o»
Direito neerlandês
15 O artigo 15.° da Wet houdende vervanging van de bestaande omzetbelasting door een omzetbelasting volgens het stelsel van heffing over de toegevoegde waarde (Lei que Substitui o Imposto Existente sobre o Volume de Negócios por um Imposto sobre o Volume de Negócios Segundo o Sistema do Imposto sobre o Valor Acrescentado), de 28 de junho de 1968 (Stb. 1968, n.° 329), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei do Imposto sobre o Volume de Negócios»), prevê:
«1. O imposto [...], que é deduzido pelo operador, é:
a) o imposto que, no período a que se refere a declaração, tenha sido contabilizado numa fatura emitida em conformidade com as regras em vigor por outros operadores a título de entregas de bens e de prestações de serviços que efetuaram a favor do operador; [...] desde que os bens e os serviços sejam utilizados pelo operador para efeitos das operações tributadas. [...]
4. A dedução do imposto é efetuada em conformidade com o destino dos bens e dos serviços no momento em que o imposto é faturado ao operador ou no momento em que se torna exigível. Se se verificar que o operador, quando começar a utilizar os bens e os serviços, deduziu o respetivo imposto numa proporção superior ou inferior àquela a que tem direito de acordo com s utilização que é feita dos bens ou dos serviços, o montante deduzido em excesso é exigível nesse momento. O imposto exigível é pago em conformidade com o disposto no artigo 14.° A parte do imposto que, podendo ser deduzida, não o foi, é restituída mediante pedido apresentado pelo operador.»
16 O artigo 12.° do Uitvoeringsbeschikking omzetbelasting (Regulamento de Execução do Imposto sobre o Volume de Negócios), de 12 de agosto de 1968 (Stb. 1968, no 423) na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, tem a seguinte redação:
«[...]
2. A regularização prevista no artigo 15.°, n.° 4, da Lei [do Imposto sobre o Volume de Negócios] é efetuada com base nas informações relativas ao período de tributação durante o qual o operador começou a utilizar os bens ou os serviços.
3. Na declaração relativa ao último período de tributação de um exercício, a regularização da dedução é efetuada com base nas informações relativas a todo o exercício fiscal.»
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
17 A sociedade B vendeu a X dez parcelas de terreno para construção. Esta sociedade tinha um projeto de desenvolvimento destas parcelas para fins recreativos, pretendendo nelas construir caravanas residenciais com acessórios (stacaravans), e em seguida vendê-las com o respetivo terreno. Em 20 de abril de 2006, ou por volta desta data, X e B celebraram, com este objetivo, um contrato que previa que B realizaria por sua própria conta todos os trabalhos de desenvolvimento e que o produto líquido da venda das parcelas desenvolvidas seria dividido em partes iguais pelas partes contratantes.
18 B entregou as parcelas a X em 20 de abril de 2006. A título desta entrega, B faturou o IVA a X, que não exerceu o seu direito à dedução.
19 Devido a circunstâncias económicas, o projeto de desenvolvimento das parcelas acabou por não se concretizar.
20 Em 8 de fevereiro de 2013, X revendeu duas parcelas a B e faturou o IVA sobre o preço de venda. X não declarou nem pagou o montante deste imposto.
21 Em 26 de novembro de 2015, a Autoridade Tributária enviou a X um aviso de liquidação adicional do IVA relativo ao preço pago por B a título da entrega das duas parcelas e o referido IVA foi pago.
22 X interpôs recurso desta liquidação adicional no rechtbank Gelderland (Tribunal de Primeira Instância da Guéldria, Países Baixos). Alegou que, nos termos do artigo 15.°, n.° 4, da Lei do Imposto sobre o Volume de Negócios, a liquidação adicional devia ser reduzida até ao montante do IVA pago quando da entrega destas parcelas em 2006.
23 Tendo sido negado provimento a este recurso, X interpôs recurso no Gerechtshof Arnhem-Leeuwarden (Tribunal de Recurso de Arnhem-Leeuwarden, Países Baixos), que julgou procedentes os pedidos de X e reduziu o montante da liquidação adicional de 26 de novembro de 2015.
24 Este órgão jurisdicional considerou que o artigo 15.°, n.° 4, da Lei do Imposto sobre o Volume de Negócios e o artigo 184.° da Diretiva IVA não limitam o âmbito do regime de regularização às situações nas quais, no momento em que o bem entregue é utilizado pela primeira vez, a sua utilização efetiva difere da utilização que era pretendida quando da sua aquisição. Sendo a utilização efetiva, em seu entender, determinante para o direito à dedução, este órgão jurisdicional considerou que o IVA faturado a X no momento em que as duas parcelas foram adquiridas em 2006 e que não foi deduzido nessa altura pode ser integralmente deduzido quando da primeira utilização das referidas parcelas, para efeitos de operações tributadas, ocorrida em 2013.
25 O Staatssecretaris van Financiën (Secretário de Estado das Finanças, Países Baixos) interpôs recurso desse acórdão no Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal, Países Baixos), que é o órgão jurisdicional de reenvio, em cujo âmbito alega que X devia ter deduzido o IVA relativo à entrega das parcelas ocorrida em 2006 no momento em que este imposto se tornou exigível. Com efeito, considera que o regime de regularização previsto no artigo 15.°, n.° 4, da Lei do Imposto sobre o Volume de Negócios não visa conceder, a posteriori, um direito à dedução do IVA que o operador não exerceu na declaração relativa ao período durante o qual se constituiu o direito à dedução, ou seja, em conformidade com o artigo 15.° desta lei, no momento em que o imposto dedutível se tornou exigível ou no momento em que este último lhe foi faturado. O regime de regularização previsto nesta disposição, lido em conjugação com os artigos 184.° e 185.° da Diretiva IVA, só diz respeito, em seu entender, às situações nas quais a dedução efetuada é superior ou inferior àquela a que o sujeito passivo tinha direito. Considera que, no caso em apreço, a regularização não se justifica porque o destino para efeitos de operações tributadas das parcelas no momento da respetiva aquisição corresponde à sua utilização efetiva no momento em que foram utilizadas pela primeira vez.
26 O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre o modo como os artigos 184.° e 185.° da Diretiva IVA devem ser interpretados.
27 Referindo-se nomeadamente ao Acórdão de 11 de abril de 2018, SEB bankas (C-532/16, EU:C:2018:228, n.os 32 e 33), o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a obrigação de regularização está definida no artigo 184.° da Diretiva IVA de modo muito amplo, de acordo com uma formulação que não exclui a priori nenhuma situação possível de dedução indevida. Na medida em que o mecanismo da regularização visa, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, aumentar a precisão das deduções para assegurar a neutralidade do IVA, o órgão jurisdicional de reenvio considera que este objetivo permite que se faça uma interpretação ampla dos artigos 184.° e 185.° da Diretiva IVA, que permitindo que o sujeito passivo regularize, por ocasião da primeira utilização do bem em causa, a não dedução total ou parcial do IVA que lhe foi faturado quando da aquisição desse bem, mesmo que tal ocorra depois de expirado o prazo previsto no direito nacional para efetuar a dedução inicial.
28 O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, atendendo às disposições pertinentes do direito neerlandês, desta interpretação ampla não resulta que o direito à dedução pode ser exercido sem limite temporal. Com efeito, este exercício está limitado ao momento da aquisição ou ao momento da primeira utilização dos bens ou dos serviços em causa. Decorridos cada um destes momentos, são aplicáveis, por um lado, o prazo de prescrição de seis semanas previsto no direito nacional e, por outro, a faculdade de a Autoridade Tributária retificar, durante um período de cinco anos, o montante do IVA devido através de um aviso de liquidação adicional.
29 Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre a questão de saber se esta interpretação ampla é conforme com a jurisprudência do Tribunal de Justiça que, em seu entender, parece restringir o âmbito de aplicação do artigo 184.° e do artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva IVA às situações nas quais ocorre uma alteração das circunstâncias depois de decorrido o período a que se reporta a dedução inicial. O órgão jurisdicional de reenvio refere-se, a este respeito, nomeadamente, ao Acórdão de 27 de junho de 2018, Varna Holideis (C-364/17, EU:C:2018:500, n.° 29 e jurisprudência referida), e ao Acórdão de 27 de março de 2019, Mydibel (C-201/18, EU:C:2019:254, n.os 26 a 29 e 43).
30 O órgão jurisdicional de reenvio observa, além disso, que semelhante interpretação não parece ser conciliável com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, conforme esta decorre nomeadamente do Acórdão de 12 de abril de 2018, Biosafe – Indústria de Reciclagens (C-8/17, EU:C:2018:249, n.° 36), e do Acórdão de 30 de abril de 2020, CTT – Correios de Portugal (C-661/18, EU:C:2020:335, n.° 59), segundo a qual, por um lado, por força do princípio da segurança jurídica, um prazo de prescrição não pode ser considerado incompatível com o regime fixado pela Diretiva IVA, desde que sejam respeitados os princípios da equivalência e da efetividade, e, por outro, a possibilidade de exercer o direito à dedução do IVA sem limites temporais seria contrária a este princípio, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, relativamente aos seus direitos e às suas obrigações para com a Autoridade Tributária, não possa ser indefinidamente posta em causa.
31 O órgão jurisdicional de reenvio considera que a jurisprudência do Tribunal de Justiça não excluiu expressamente do regime de regularização as situações nas quais o sujeito passivo, no momento em que adquire um bem, não exerce o seu direito à dedução do IVA. Considera que seria desproporcionado, em tal situação, recusar ao sujeito passivo a possibilidade de exercer o seu direito à dedução no momento em que começa a utilizar o bem em causa, uma vez que não foi constatado que existiu fraude, abuso de direito e que o Erário Público não foi prejudicado.
32 Foi neste contexto que o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal, Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Devem os artigos 184.° e 185.° da Diretiva IVA 2006 ser interpretados no sentido de que o sujeito passivo que, no momento da aquisição de um bem ou de um serviço, não efetuou a dedução do IVA pago a montante […] no prazo de caducidade nacional aplicável de acordo com a utilização prevista para fins tributáveis, poderá efetuar a referida dedução no âmbito da regularização – no momento da primeira utilização posterior desse bem ou serviço – se a utilização efetiva no momento da regularização não for diferente da utilização prevista?
2) É relevante para a resposta à questão 1 o facto de a não dedução inicial não se ter ficado a dever a fraude ou abuso de direito e de não se ter provado nenhum prejuízo para o erário público?»
Quanto às questões prejudiciais
33 Com as suas questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 184.° e 185.° da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que seja recusada a um sujeito passivo que não exerceu, antes de decorrido o prazo de prescrição previsto no direito nacional, o direito à dedução do IVA respeitante à aquisição de um bem ou de um serviço, a possibilidade de efetuar posteriormente essa dedução, por ocasião da primeira utilização do referido bem ou do referido serviço para efeitos de operações tributadas, a título de uma regularização, mesmo que não tenha sido constatado que existiu abuso de direito, fraude ou perda de receitas fiscais.
34 O Tribunal de Justiça já declarou reiteradamente que o direito à dedução faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado (Acórdão de 12 de abril de 2018, Biosafe – Indústria de Reciclagens, C-8/17, EU:C:2018:249, n.° 29 e jurisprudência referida).
35 De acordo com o artigo 167.° e com o artigo 179.°, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA, o direito à dedução do IVA é exercido, em princípio, durante o mesmo período em que se constituiu o direito à dedução, ou seja, no momento em que o imposto se torna exigível. Resulta do artigo 63.o desta diretiva que o facto gerador do imposto ocorre e o imposto se torna exigível no momento em que a entrega de bens é efetuada ou no momento em que os serviços são prestados (v., neste sentido, Acórdão de 21 de outubro de 2021, Wilo Salmson France, C-80/20, EU:C:2021:870, n.° 84 e jurisprudência referida).
36 Além disso, este direito à dedução é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que incidiram sobre as operações efetuadas a montante (Acórdão de 12 de abril de 2018, Biosafe – Indústria de Reciclagens, C-8/17, EU:C:2018:249, n.° 29 e jurisprudência referida).
37 No entanto, um sujeito passivo pode ser autorizado a proceder à dedução, ao abrigo dos artigos 180.° e 182.° da Diretiva IVA, mesmo que não tenha exercido o seu direito durante o período em que esse direito se constituiu, sem prejuízo, porém, da observância das condições e regras fixadas pelas regulamentações nacionais (Acórdão de 12 de abril de 2018, Biosafe – Indústria de Reciclagens, C-8/17, EU:C:2018:249, n.° 35 e jurisprudência referida).
38 A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que a Lei do Imposto sobre o Volume de Negócios não prevê a possibilidade de um sujeito passivo exercer o direito à dedução depois de expirado o prazo de apresentação da declaração relativa ao período durante o qual esse direito se constituiu.
39 No entanto, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta das regras gerais do procedimento tributário que semelhante possibilidade pode ser reconhecida ao sujeito passivo, desde que seja respeitado um prazo de seis semanas para apresentar uma reclamação contra o montante que pagou a título dessa declaração. Nesta hipótese, o operador económico deve apresentar uma reclamação no prazo de seis semanas a contar do pagamento do imposto correspondente a essa declaração e, em caso de reembolso de IVA, no prazo de seis semanas a contar da data da decisão de reembolso.
40 Decorre das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que X, depois de não ter exercido o seu direito à dedução do IVA referente à aquisição das parcelas em 2006, não fez uso dessa faculdade dentro do prazo de prescrição previsto. Só no âmbito do recurso que interpôs contra o aviso de liquidação adicional de 26 de novembro de 2015 é que X pediu para exercer o direito à dedução desse IVA, ou seja, mais de nove anos após a entrega das parcelas.
41 Ora, há que salientar, em primeiro lugar, que a possibilidade de exercer o direito à dedução do IVA sem limite temporal seria contrária ao princípio da segurança jurídica, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, no que diz respeito aos seus direitos e obrigações para com a Autoridade Tributária, não possa ser indefinidamente posta em causa (Acórdãos de 8 de maio de 2008, Ecotrade, C-95/07 e C-96/07, EU:C:2008:267, n.° 44; de 12 de julho de 2012, EMS-Bulgaria Transport, C-284/11, EU:C:2012:458, n.° 48; e de 12 de abril de 2018, Biosafe – Indústria de Reciclagens, C-8/17, EU:C:2018:249, n.° 36 e jurisprudência referida).
42 O Tribunal de Justiça declarou assim que não se pode considerar que um prazo de prescrição cujo termo tem por consequência punir o contribuinte não suficientemente diligente, que não reclamou a dedução do IVA a montante, fazendo-lhe perder o direito à dedução do IVA, é incompatível com o regime fixado pela Diretiva IVA desde que, por um lado, esse prazo se aplique de maneira idêntica aos direitos análogos em matéria fiscal que se baseiam no direito interno e àqueles que se baseiam no direito da União (princípio da equivalência) e, por outro, não impossibilite ou dificulte excessivamente, na prática, o exercício do direito à dedução do IVA (princípio da efetividade) (Acórdãos de 8 de maio de 2008, Ecotrade, C-95/07 e C-96/07, EU:C:2008:267, n.° 46 e jurisprudência referida, e de 12 de abril de 2018, Biosafe – Indústria de Reciclagens, C-8/17, EU:C:2018:249, n.° 37 e jurisprudência referida).
43 Em segundo lugar, no que respeita à obrigação de regularização da dedução do IVA prevista nos artigos 184.° e 185.° da Diretiva IVA, é certo que esta está definida de modo amplo, na medida em que «a dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito». Esta formulação não exclui a priori nenhuma situação possível de dedução indevida e o âmbito geral desta obrigação de regularização é confirmado pela enumeração expressa das exceções permitidas pela Diretiva IVA no seu artigo 185.°, n.° 2 (Acórdão de 11 de abril de 2018, SEB bankas, C-532/16, EU:C:2018:228, n.os 32 e 33).
44 Por força do artigo 185.°, n.° 1, desta diretiva, semelhante regularização deve ser realizada nomeadamente quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções (Acórdão de 18 de outubro de 2012, TETS Haskovo, C-234/11, EU:C:2012:644, n.° 32).
45 Todavia, o Tribunal de Justiça declarou que o mecanismo de regularização só é aplicável se existir um direito à dedução (v., neste sentido, Acórdão de 30 de março de 2006, Uudenkaupungin kaupunki, C-184/04, EU:C:2006:214, n.° 37). Ora, os artigos 184.° e 185.° da Diretiva IVA não dão origem a um direito à dedução (v., por analogia, Acórdãos de 11 de julho de 1991, Lennartz, C-97/90, EU:C:1991:315, n.os 11 e 12, e de 2 de junho de 2005, Waterschap Zeeuws Vlaanderen, C-378/02, EU:C:2005:335, n.° 38).
46 Daqui resulta que o mecanismo de regularização previsto na Diretiva IVA não se aplica quando o sujeito passivo não exerceu o direito à dedução do IVA e perdeu este direito pelo facto de o prazo ter prescrito.
47 Por conseguinte, este mecanismo não se aplica em circunstâncias, como as do processo principal, nas quais que o sujeito passivo que não exerceu o direito à dedução do IVA quando da aquisição do bem que serviu de base a esse direito pretende exercê-lo por ocasião da primeira utilização desse bem embora já tenha prescrito o prazo previsto no direito nacional para o exercício do referido direito. Pouco importa, a este respeito, que a primeira utilização do referido bem corresponda ou não corresponda à utilização que fora projetada quando da respetiva aquisição.
48 O princípio da neutralidade fiscal não põe em causa esta conclusão. É certo que o mecanismo de regularização faz parte integrante do regime de dedução previsto na Diretiva IVA e visa aumentar a precisão das deduções de modo a assegurar a neutralidade fiscal, a qual constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pelo legislador da União (Acórdão de 17 de setembro de 2020, Stichting Schoonzicht, C-791/18, EU:C:2020:731, n.° 26 e jurisprudência referida).
49 Todavia, o princípio da neutralidade fiscal não é uma regra de direito primário, mas um princípio de interpretação que deve ser aplicado em paralelo com outros princípios, entre os quais o princípio da segurança jurídica (v., por analogia, Acórdãos de 19 de julho de 2012, Deutsche Bank, C-44/11, EU:C:2012:484, n.° 45, e de 9 de março de 2017, Oxycure Belgium, C-573/15, EU:C:2017:189, n.° 32).
50 Por conseguinte, o princípio da neutralidade fiscal não pode ter por efeito permitir que um sujeito passivo regularize um direito à dedução que não exerceu antes de um prazo prescrever e que, consequentemente, deixou de ter.
51 No que se refere à inexistência de fraude ou de abuso de direito ou ainda a prejuízos para as receitas fiscais do Estado-Membro em causa, estes elementos não podem justificar que um sujeito passivo possa contornar um prazo de prescrição. Semelhante interpretação seria contrária ao princípio da segurança jurídica, conforme foi recordado no n.° 41 do presente acórdão, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, no que diz respeito aos seus direitos e obrigações para com a Autoridade Tributária, não possa ser indefinidamente posta em causa.
52 Atendendo a todas as considerações que precedem, há que responder às questões submetidas que os artigos 184.° e 185.° da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja recusada a um sujeito passivo que não exerceu, antes de decorrido o prazo de prescrição previsto no direito nacional, o direito à dedução do IVA respeitante à aquisição de um bem ou de um serviço, a possibilidade de efetuar posteriormente essa dedução, por ocasião da primeira utilização do referido bem ou do referido serviço para efeitos de operações tributadas, a título de uma regularização, mesmo que não tenha sido constatado que existiu abuso de direito, fraude ou perda de receitas fiscais.
Quanto às despesas
53 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:
Os artigos 184.° e 185.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010,
devem ser interpretados no sentido de que:
não se opõem a que seja recusada a um sujeito passivo que não exerceu, antes de decorrido o prazo de prescrição previsto no direito nacional, o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) respeitante à aquisição de um bem ou de um serviço, a possibilidade de efetuar posteriormente essa dedução, por ocasião da primeira utilização do referido bem ou do referido serviço para efeitos de operações tributadas, a título de uma regularização, mesmo que não tenha sido constatado que existiu abuso de direito, fraude ou perda de receitas fiscais.
Assinaturas
* Língua do processo: neerlandês.