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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

30 de março de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial – Fiscalidade – Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – Diretiva 2006/112/CE – Artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c) – Entrega de bens e prestação de serviços efetuadas a título oneroso – Artigo 9.°, n.° 1 – Conceitos de “sujeito passivo” e de “atividade económica” – Município que procede ao desenvolvimento das energias renováveis no seu território em benefício dos seus residentes, proprietários de um imóvel, que tenham manifestado a intenção de nele serem instalados sistemas de energias renováveis – Contribuição própria de 25 % dos custos subvencionáveis, sem poder exceder um valor máximo acordado entre o município e o proprietário interessado – Reembolso do município através de uma subvenção do Voivodato competente de 75 % dos custos subvencionáveis – Artigo 13.°, n.° 1 – Não sujeição a imposto dos municípios pelas atividades ou operações realizadas na qualidade de autoridades públicas»

No processo C-612/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), por Decisão de 16 de abril de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de setembro de 2021, no processo

Gmina O.

contra

Dyrektor Krajowej Informacji Skarbowej,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: M. L. Arastey Sahún, presidente de Secção, N. Wahl (relator) e J. Passer, juízes,

advogado-geral: J. Kokott,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Gmina O., por J. Wyrzykowski, doradca podatkowy,

–        em representação do Dyrektor Krajowej Informacji Skarbowej, por B. Kołodziej, D. Pach e T. Wojciechowski,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e U. Małecka, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 10 de novembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.°, n.° 1, do artigo 9.°, n.° 1, do artigo 13.°, n.° 1, e do artigo 73.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Gmina O. (Município de O.), situado na Polónia, ao Dyrektor Krajowej Informacji Skarbowej (Diretor da Informação Nacional do Tesouro, Polónia), a respeito de uma informação fiscal vinculativa dirigida a esse município relativamente à sua sujeição ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA) pela realização de operações que consistem na celebração de um contrato pelo referido município com alguns dos seus habitantes para a instalação de sistemas de energias renováveis (a seguir «SER») nos seus imóveis, mediante uma contrapartida financeira por parte desses habitantes.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 prevê:

«Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

a)      As entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[...]

c)      As prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[...]»

4        O artigo 9.°, n.° 1, desta diretiva dispõe:

«Entende-se por “sujeito passivo” qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma atividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa atividade.

Entende-se por “atividade económica” qualquer atividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as atividades extrativas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada atividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com caráter de permanência.»

5        Nos termos do artigo 13.°, n.° 1, da referida diretiva:

«Os Estados, as regiões, as autarquias locais e os outros organismos de direito público não são considerados sujeitos passivos relativamente às atividades ou operações que exerçam na qualidade de autoridades públicas, mesmo quando, no âmbito dessas atividades ou operações, cobrem direitos, taxas, quotizações ou remunerações.

Contudo, quando efetuarem essas atividades ou operações, devem ser considerados sujeitos passivos relativamente às mesmas na medida em que a não sujeição ao imposto possa conduzir a distorções de concorrência significativas.

Em qualquer caso, os organismos de direito público são considerados sujeitos passivos no que se refere às atividades referidas no Anexo I, na medida em que estas não sejam insignificantes.»

6        O artigo 73.° da Diretiva 2006/112 tem a seguinte redação:

«Nas entregas de bens e às prestações de serviços, que não sejam as referidas nos artigos 74.° a 77.°, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relação a essas operações, do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, incluindo as subvenções diretamente relacionadas com o preço de tais operações.»

 Direito polaco

7        A ustawa o podatku od towarów i usług (Lei relativa ao Imposto sobre Bens e Serviços), de 11 de março de 2004 (Dz. U. de 2004, n.° 54, posição 535), na versão aplicável ao litígio no processo principal, procede à transposição para o direito polaco da Diretiva 2006/112.

8        O artigo 29a.°, n.° 1, desta lei, que diz respeito ao valor tributável, dispõe:

«Sem prejuízo do disposto nos n.os 2, 3 e 5, e nos artigos 30a.° a 30c.°, 32.°, 119.° e 120.°, n.os 4 e 5, o valor tributável compreende tudo o que constitui a contraprestação que o fornecedor ou o prestador recebeu ou deva receber, pela venda de bens ou pela prestação de serviços, do adquirente dos bens, do beneficiário dos serviços ou de terceiros, incluindo subvenções, subsídios e outros auxílios da mesma natureza que influenciem diretamente o preço dos bens fornecidos ou dos serviços prestados pelo sujeito passivo.»

9        O artigo 400a.°, n.° 1, da ustawa Prawo ochrony środowiska (Lei relativa à Proteção Ambiental), de 27 de abril de 2001 (Dz. U. de 2001, n.° 62, posição 627), na versão aplicável ao litígio no processo principal, prevê:

«O financiamento da proteção do ambiente e da gestão da água inclui:

[...]

21.      projetos relacionados com a proteção da qualidade do ar;

22.      apoio à utilização de energia renovável proveniente de fontes locais e introdução de suportes de energia mais amigos do ambiente;

[...]»

10      O artigo 403.°, n.° 2, desta lei dispõe:

«Entre as tarefas próprias dos municípios figura o financiamento da proteção ambiental, na medida prevista no artigo 400a.°, n.° 1, pontos 2, 5, 8, 9, 15, 16, 21 a 25, 29, 31, 32 e 38 a 42, num montante não inferior ao montante das receitas provenientes das taxas e sanções referidas no artigo 402.°, n.os 4, 5 e 6 que constituem as receitas dos orçamentos dos municípios, menos o excedente dessas receitas afetado a fundos de província (Fundos do Voivodato) [...]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

11      O Município de O., que dispõe de um número de registo para efeitos de IVA na Polónia, celebrou com uma comunidade urbana e dois outros municípios, igualmente situados na Polónia, um acordo de parceria para a realização de um projeto destinado à instalação de SER no território destas quatro coletividades territoriais (a seguir «projeto»).

12      O projeto está integrado no programa operacional regional do Voivodato em causa para o período de 2014-2020 e destina-se a permitir a transição para uma economia de baixo carbono. A comunidade urbana, enquanto líder do projeto, celebrou, em nome das quatro coletividades territoriais interessadas, um acordo relativo ao financiamento do projeto com esse Voivodato. Nos termos desta convenção, o líder do projeto recebe as subvenções do Voivodato em causa, as quais cobrem apenas uma parte dos custos subvencionáveis, após o que transfere para os seus parceiros a parte que lhes corresponde. O Município de O. beneficia, no que lhe diz respeito, de um financiamento de 75 % do total dos custos subvencionáveis.

13      Cada coletividade contratante seleciona em separado a empresa através de concurso público, emitindo esta última, portanto, faturas relacionadas com o contrato relativamente a cada uma dessas coletividades.

14      Na parte que fica a seu cargo, cada coletividade contratante é livre de decidir sobre as modalidades do seu financiamento. O Município de O. decidiu obter dos proprietários dos imóveis que beneficiarão, a seu pedido, dos SER, uma contribuição de 25 % dos custos subvencionáveis, sem, no entanto, poder ultrapassar o valor máximo acordado por contrato. Por outro lado, está estipulado no contrato-tipo celebrado pelo Município de O. com os proprietários em causa que todas os SER instaladas continuarão a ser propriedade desta durante o período de validade do projeto, ou seja, durante um período de cinco anos a contar da data da receção do último pagamento que o município receberá a título de reembolso da quota-parte que lhe cabe nas subvenções pagas pelo Voivodato em causa. No termo desse período, a propriedade do SER é transferida para o proprietário do bem imóvel em causa.

15      Foi neste contexto que o Município de O. enviou ao Diretor da Informação Nacional do Tesouro um pedido de informação fiscal vinculativa, a fim de saber se a contribuição paga pelos proprietários interessados e a subvenção por ele recebida do Voivodato em causa deveriam estar isentas de IVA.

16      Na sua informação fiscal vinculativa de 7 de agosto de 2019, o Diretor da Informação Nacional do Tesouro considerou que o Município de O. devia ser considerado «sujeito passivo de IVA» no âmbito das operações em causa no processo principal.

17      O Município de O. contestou essa informação fiscal vinculativa no Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie (Tribunal Administrativo do Voivodato de Varsóvia, Polónia). Por Sentença de 10 de julho de 2020, este último negou provimento ao recurso, considerando que esse município exercia, no âmbito das operações em causa no processo principal, uma atividade económica e que esta não era exercida pelo Município de O. na qualidade de autoridade pública.

18      O Município de O. interpôs recurso de cassação dessa sentença para o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), o órgão jurisdicional de reenvio.

19      Em primeiro lugar, esse órgão jurisdicional interroga-se sobre as consequências a retirar do facto de o Município de O. ser parte no contrato celebrado com a empresa que ganhou o concurso público e efetuar os pagamentos dos montantes que lhe são devidos, pelos quais recebe uma fatura emitida em seu nome quanto a eventual exercício de uma atividade económica por esse município. Em segundo lugar, admitindo que esta última exerce efetivamente essa atividade, interroga-se sobre a questão de saber se as operações em causa no processo principal são realizadas no âmbito de um regime de direito público. Em terceiro lugar, admitindo que se trata de uma atividade económica que não é efetuada no âmbito desse regime, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre a determinação do valor tributável dessas operações.

20      Foi nestas circunstâncias que o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem as disposições da Diretiva [2006/112], em especial os seus artigos 2.°, n.° 1, 9.°, n.° 1, e 13.°, n.° 1, ser interpretadas no sentido de que o município (autoridade pública) atua na qualidade de sujeito passivo de IVA quando executa um projeto destinado a aumentar a quota das fontes de energia renováveis, comprometendo-se, por força de um contrato de direito civil celebrado com os proprietários de um imóvel, a construir e instalar [SER] nos seus imóveis e, após um determinado período, a transferir a propriedade desses sistemas para os mesmos proprietários dos imóveis?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, deve o financiamento proveniente de fundos europeus que o município (autoridade pública) recebeu para a implementação de projetos relacionados com fontes de energia renováveis ser incluído no valor tributável, na aceção do artigo 73.° da referida diretiva?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

21      Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.°, n.° 1, o artigo 9.°, n.° 1, e o artigo 13.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que constitui uma entrega de bens e uma prestação de serviços sujeitas a IVA o facto de um município entregar e instalar, por intermédio de uma empresa, SER em benefício dos seus residentes proprietários que manifestaram a intenção de estar equipados com tais sistemas, quando essa atividade não visa a obtenção de receitas com caráter de permanência e apenas dá lugar, por parte desses residentes, a um pagamento que cobre, no máximo, um quarto dos custos suportados, sendo o saldo financiado por fundos públicos.

22      Importa começar por recordar que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, o único competente para apreciar os factos, determinar a natureza das operações em causa no processo principal (Acórdão de 13 de janeiro de 2022, Termas Sulfurosas de Alcafache, C-513/20, EU:C:2022:18, n.° 36).

23      Dito isto, incumbe, porém, ao Tribunal de Justiça fornecer a esse órgão jurisdicional todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe foi submetido (Acórdão de 15 de abril de 2021, Administration de l’Enregistrement, des Domaines et de la TVA, C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 35 e jurisprudência referida).

24      A este respeito, para serem abrangidas pela Diretiva 2006/112, as atividades realizadas por um município no âmbito da promoção das energias renováveis devem, em primeiro lugar, constituir uma entrega de bens ou uma prestação de serviços efetuada por esse município a título oneroso a favor dos seus residentes, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c), desta diretiva, e, em segundo lugar, terem sido efetuadas no âmbito de uma atividade económica, na aceção do artigo 9.°, n.° 1, da referida diretiva, pelo que o sobredito município agiu igualmente na qualidade de sujeito passivo.

 Quanto à existência de uma entrega de bens e de uma prestação de serviços efetuadas a título oneroso

25      Segundo jurisprudência constante, para que tais operações sejam efetuadas «a título oneroso», na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c), da Diretiva 2006/112, deve existir um nexo direto entre a entrega de bens ou a prestação de serviços, por um lado, e a contrapartida realmente recebida pelo sujeito passivo, por outro. Tal nexo direto fica demonstrado quando exista entre o autor da entrega de bens ou da prestação de serviços, por um lado, e o seu beneficiário, por outro, uma relação jurídica, no quadro da qual se trocam prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo autor dessas operações o contravalor efetivo da entrega efetuada ou do serviço fornecido ao referido beneficiário (v., neste sentido, Acórdão de 15 de abril de 2021, Administration de l’Enregistrement, des Domaines et de la TVA, C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 36).

26      A este respeito, por um lado, importa recordar que, para se poder considerar que estas operações foram efetuadas «a título oneroso», na aceção da Diretiva 2006/112, não é necessário, como decorre também do artigo 73.° dessa diretiva, que a contrapartida da entrega de bens ou da prestação de serviços seja obtida diretamente do destinatário desta, podendo igualmente ser obtida de um terceiro (v., neste sentido, Acórdão de 15 de abril de 2021, Administration de l’Enregistrement, des Domaines et de la TVA, C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 40 e jurisprudência referida).

27      Por outro lado, o facto de as referidas operações serem efetuadas por um preço superior ou inferior ao preço de custo, e, por conseguinte, por um preço superior ou inferior ao preço normal do mercado, não é pertinente para a qualificação como operação a título oneroso, não sendo essa circunstância suscetível de afetar o nexo direto entre as operações efetuadas ou a efetuar e a contraprestação recebida ou a receber, cujo montante é determinado antecipadamente e segundo critérios bem definidos (v., neste sentido, Acórdão de 15 de abril de 2021, Administration de l’Enregistrement, des Domaines et de la TVA, C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 43 e jurisprudência referida).

28      No caso em apreço, resulta dos esclarecimentos prestados pelo órgão jurisdicional de reenvio que o Município de O. encarrega a empresa que ganhou o concurso público de entregar e instalar SER nos imóveis dos proprietários que manifestaram interesse em participar nessa iniciativa. A este respeito, há que referir que a transferência da propriedade desses sistemas constitui uma entrega de bens, na aceção do artigo 14.° da Diretiva 2006/112, e que a colocação à disposição da sua utilização corresponde a uma prestação de serviços, na aceção do artigo 24.°, n.° 1, desta diretiva.

29      Não há dúvida de que a existência de um contrato entre o Município de O. e esta empresa, relativo à implementação dos SER e à transferência da propriedade destes últimos para este município durante o projeto, permite considerar que a referida empresa efetua para o sobredito município uma operação a título oneroso, dado que, por outro lado, o mesmo município recebe a esse título, da mesma empresa, uma fatura individual que só ele paga. Esta operação, à luz das considerações expostas no número anterior, compreende, em parte, uma entrega de bens ao Município de O., a saber, os SER, de que este último se torna proprietário, e, em parte, uma prestação de serviços que consiste na instalação destes SER nos imóveis dos residentes em causa. A vantagem concedida a este município em contrapartida do pagamento reside não apenas na propriedade dos referidos SER mas também na melhoria da qualidade de vida global dos seus residentes devido a um modo de produção de energia mais amigo do ambiente.

30      Todavia, não está excluído que os proprietários dos imóveis sobre os quais os SER foram ou venham a ser instalados sejam os beneficiários finais dessa entrega de bens e dessa prestação de serviços, os quais, nesse caso, foram efetuados pelo Município de O. por intermédio da empresa selecionada por concurso público, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar.

31      Com efeito, é pacífico, por um lado, que esses residentes se tornarão, por força do contrato celebrado entre cada um deles e esse município, proprietários dos SER no final do projeto e que deles beneficiam desde a sua instalação e, por outro, que contribuem, em princípio, em 25 % dos custos subvencionáveis, sem que, todavia, esta percentagem possa exceder o montante acordado no referido contrato, para o pagamento da entrega desses SER e da sua instalação, como referido no n.° 14 do presente acórdão. A este respeito, à luz da jurisprudência referida nos n.os 25 a 27 do presente acórdão, não são impeditivos o facto de um terceiro, a saber, o Voivodato em causa, assumir 75 % das despesas elegíveis através de uma subvenção paga ao Município de O. nem o facto de a totalidade dos montantes correspondentes a essas percentagens de 25 % e de 75 % ser menor do que o custo do contrato, isto é, o custo realmente suportado por esse município em benefício da empresa que ganhou o concurso público, uma vez que tanto a contribuição dos referidos residentes como a subvenção desse Voivodato só incidem sobre os custos subvencionáveis, e não sobre os custos efetivos na sua totalidade.

32      Se, à luz destas considerações, o órgão jurisdicional de reenvio chegar à conclusão de que o Município de O. efetua a título oneroso para os seus residentes, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alíneas a) e c), da Diretiva 2006/112, uma entrega de bens e uma prestação de serviços, incumbe-lhe determinar se essas operações são realizadas no âmbito de uma atividade económica, dado que, segundo a jurisprudência, uma atividade só pode ser qualificada de «atividade económica», na aceção do artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, desta diretiva, se corresponder a uma das operações a que se refere o artigo 2.°, n.° 1, da referida diretiva (Acórdão de 15 de abril de 2021, Administration de l’Enregistrement, des Domaines et de la TVA, C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 32 e jurisprudência referida).

 Quanto à realização de uma entrega de bens e de uma prestação de serviços no âmbito de uma atividade económica

33      Antes de mais, importa recordar que a análise da redação do artigo 9.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112, ao mesmo tempo que põe em evidência o alcance do âmbito de aplicação do conceito de «atividade económica», especifica também o caráter objetivo desta, no sentido de que a atividade é considerada em si mesma, independentemente dos seus objetivos e dos seus resultados [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Gmina Wrocław (Conversão do direito de usufruto), C-604/19, EU:C:2021:132, n.° 69 e jurisprudência referida].

34      Assim, uma atividade é, regra geral, qualificada de «económica» quando tem caráter permanente e é realizada mediante remuneração recebida pelo autor da operação (Acórdão de 15 de abril de 2021, Administration de l’Enregistrement, des Domaines et de la TVA, C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 47 e jurisprudência referida).

35      Tendo em conta a dificuldade em criar uma definição precisa de atividade económica, é necessário analisar todas as condições em que esta é realizada (v., neste sentido, Acórdão de 12 de maio de 2016, Gemeente Borsele e Staatssecretaris van Financiën, C-520/14, EU:C:2016:334, n.° 29 e jurisprudência referida), procedendo-se a uma apreciação casuística tendo por referência o que seria o comportamento tipo de um empresário ativo no domínio em causa, isto é, no caso em apreço, um instalador de SER.

36      A este respeito, em primeiro lugar, há que salientar que, enquanto um empresário pretende obter da sua atividade receitas com caráter de permanência (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, AJFP Sibiu e DGRFP Braşov, C-655/19, EU:C:2021:40, n.os 27 a 29 e jurisprudência referida), o Município de O. referiu, no seu pedido de informação fiscal vinculativa, como resulta da decisão de reenvio, não ter a intenção de prestar serviços de instalação da SER numa base regular nem empregar ou pretender empregar trabalhadores para esse fim, o que diferencia o presente processo daqueles em que as prestações municipais tinham caráter perene.

37      Em segundo lugar, resulta dos elementos fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio que o Município de O. parece limitar-se a propor aos seus residentes, proprietários de imóveis, suscetíveis de estar interessados em SER, no âmbito de um programa regional destinado a permitir a transição para uma economia de baixo teor de carbono, o fornecimento e a instalação desses SER nos seus imóveis por intermédio de uma empresa selecionada por concurso público, mediante uma contribuição da sua parte que não exceda 25 % dos custos subvencionáveis ligados a essa entrega e a essa instalação, remunerando esse município a empresa em questão, por essas mesmas entrega e instalação, ao preço de mercado.

38      Ora, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de declarar que, quando um município só recupera, através das contribuições que recebe, uma pequena parte das despesas por ele incorridas, sendo o saldo financiado por fundos públicos, a diferença entre as despesas e os montantes recebidos em contrapartida dos serviços prestados sugere que essas contribuições correspondem mais a uma taxa do que a uma remuneração (v., neste sentido, Acórdão de 12 de maio de 2016, Gemeente Borsele e Staatssecretaris van Financiën, C-520/14, EU:C:2016:334, n.° 33 e jurisprudência referida). Por conseguinte, mesmo tendo em conta os pagamentos concedidos ao Município de O. pelo Voivodato em causa, que incidem sobre 75 % dos custos subvencionáveis, o total dos montantes recebidos dos proprietários em causa, por um lado, e desse Voivodato, por outro, permanece estruturalmente inferior ao total dos custos efetivamente suportados por esse município, como foi indicado no n.° 31 do presente acórdão, o que não corresponde à diligência eventualmente adotada por um instalador de SER, que se esforçaria, através da fixação dos seus preços, por absorver os custos e obter uma margem de lucro. Pelo contrário, o referido município só suporta o risco de perdas, não tendo perspetivas de lucro.

39      Em terceiro lugar, não se afigura economicamente viável esse instalador de SER fazer recair sobre os beneficiários das suas entregas de bens e das suas prestações de serviços apenas um quarto, quando muito, dos custos em que incorreu, mantendo-se na expectativa de uma compensação, através de uma subvenção, do essencial dos três quartos restantes desses custos. Não só esse mecanismo colocaria a sua tesouraria numa situação estruturalmente deficitária, como, além disso, faria pesar sobre ele uma incerteza inabitual para um sujeito passivo, uma vez que a questão de saber se, e em que medida, um terceiro reembolsará uma parte tão significativa dos custos suportados permanece efetivamente em aberto até à decisão desse terceiro, posterior às operações em causa.

40      Por conseguinte, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não se afigura que o Município de O. exerça, no caso em apreço, uma atividade de caráter económico, na aceção do artigo 9.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112.

 Quanto à não sujeição a imposto das operações realizadas por um organismo de direito público na qualidade de autoridade pública

41      Uma vez que, à luz das considerações acima referidas, o Município de O. não exerce uma atividade enquadrada no âmbito de aplicação da Diretiva 2006/112, não é necessário determinar se essa atividade teria igualmente sido excluída desse âmbito por força do artigo 13.°, n.° 1, desta diretiva.

42      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 2.°, n.° 1, o artigo 9.°, n.° 1, e o artigo 13.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112 devem ser interpretados no sentido de que não constitui uma entrega de bens nem uma prestação de serviços sujeitas a IVA o facto de um município entregar e instalar, por intermédio de uma empresa, SER em benefício dos seus residentes proprietários que manifestaram a intenção de estar equipados com tais sistemas, quando essa atividade não visa a obtenção de receitas com caráter de permanência e apenas dá lugar, por parte desses residentes, a um pagamento que cobre, no máximo, um quarto dos custos suportados, sendo o saldo financiado por fundos públicos.

 Quanto à segunda questão

43      Atendendo à resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

 Quanto às despesas

44      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

O artigo 2.°, n.° 1, o artigo 9.°, n.° 1, e o artigo 13.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado,

devem ser interpretados no sentido de que:

não constitui uma entrega de bens nem uma prestação de serviços sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado o facto de um município entregar e instalar, por intermédio de uma empresa, sistemas de energia renováveis em benefício dos seus residentes proprietários que manifestaram a intenção de estar equipados com tais sistemas, quando essa atividade não visa a obtenção de receitas com caráter de permanência e apenas dá lugar, por parte desses residentes, a um pagamento que cobre, no máximo, um quarto dos custos suportados, sendo o saldo financiado por fundos públicos.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.