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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

25 de maio de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial – Fiscalidade – Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – Diretiva 2006/112/CE – Direito à dedução do IVA – Recusa – Recusa baseada na nulidade da operação nos termos do direito civil nacional»

No processo C-114/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), por Decisão de 23 de novembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de fevereiro de 2022, no processo

Dyrektor Izby Administracji Skarbowej w Warszawie

contra

W. Sp. z o.o.

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: D. Gratsias, presidente de secção, I. Jarukaitis (relator) e Z. Csehi, juízes,

advogado-geral: T. Ćapeta,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Dyrektor Izby Administracji Skarbowej w Warszawie, por B. Kołodziej, D. Pach e T. Wojciechowski,

–        em representação de W. sp. z o.o., por M. Kwietko-Bębnowski, doradca podatkowy,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e I. Barcew, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 167.°, do artigo 168.°, alínea a), do artigo 178.°, alínea a), e do artigo 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010 (JO 2010, L 189, p. 1) (a seguir «Diretiva 2006/112»), lidos à luz dos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Dyrektor Izby Administracji Skarbowej w Warszawie (Diretor da Administração Fiscal de Varsóvia, Polónia, a seguir «Diretor da Administração Fiscal») à W. sp. z o.o. a respeito do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) mencionado numa fatura dirigida a W., datada de 27 de outubro de 2015.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos do artigo 63.° da Diretiva 2006/112:

«[...] o imposto torna-se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços.»

4        O artigo 167.° da mesma diretiva prevê:

«O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.»

5        O artigo 168.° da referida diretiva dispõe:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[...]»

6        Nos termos do artigo 178.° da Diretiva 2006/112:

«Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:

a)      Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.º, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma fatura emitida nos termos das secções 3 a 6 do capítulo 3 do título XI;

[...]»

7        O artigo 273.° dessa Diretiva prevê:

«Os Estados-Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados-Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.

A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas no Capítulo 3.»

 Direito polaco

8        O artigo 88.°, n.° 3a, ponto 4, alínea c), da ustawa o podatku od towarów i usług (Lei relativa ao Imposto sobre Bens e Serviços), de 11 de março de 2004 (Dz. U. 2011, no 177, posição 1054), na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei do IVA»), dispõe:

«3a.      As faturas e documentos aduaneiros não constituem fundamento para uma redução do imposto devido e um reembolso da diferença do imposto ou um reembolso do imposto a montante se:

[...]

4.      As faturas, faturas retificativas ou documentos aduaneiros emitidos:

[...]

c)      comprovarem os atos a que se aplicam as disposições dos artigos 58.° e 83.° do Kodeks cywilny (Código Civil) na parte relativa a esses atos.»

9        O artigo 58.° da ustawa – Kodeks cywilny (Lei que aprova o Código Civil), de 23 de abril de 1964, versão consolidada (Dz. U. 2020, posição 1740) (a seguir «Código Civil»), prevê:

«1.      Um ato jurídico contrário à lei ou que vise contornar a lei é nulo e não produz efeitos, a menos que uma disposição pertinente disponha em sentido contrário [...].

2.      É nulo todo o ato jurídico que seja contrário aos princípios da boa convivência em sociedade.

3.      Se só uma parte do ato jurídico estiver ferida de nulidade, as outras partes do ato mantêm-se em vigor, a menos que resulte das circunstâncias que o ato não teria sido executado sem as disposições feridas de nulidade.»

10      Nos termos do artigo 83.° do Código Civil:

«1.      É nula uma declaração de vontade simulada efetuada à outra parte com o seu consentimento. Se essa declaração tiver sido feita para dissimular outro ato jurídico, a validade da declaração deve ser avaliada de acordo com a natureza do ato.

2.      O facto de a declaração de vontade ser simulada não afeta a eficácia de um ato jurídico efetuado a título oneroso com base na declaração simulada, quando, em resultado desse ato, o terceiro adquire o direito ou é exonerado da sua obrigação, salvo se tiver agido de má fé.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

11      Em 27 de outubro de 2015, sp. z o.o. S.K.A emitiu uma fatura relativa a uma cessão de marcas a favor de W. sujeita a IVA, a qual foi declarada e paga por W.

12      Por Decisão de 20 de outubro de 2017, a Administração Fiscal pôs em causa o direito à dedução do IVA de que W. tinha beneficiado, relativo a essa fatura, com fundamento no artigo 88.°, n.° 3a, ponto 4, alínea c), da Lei do IVA, com o fundamento de que a cessão das marcas em causa era nula por força do artigo 58.°, n.° 2, do Código Civil, por ser contrária às regras da vida em sociedade, na aceção desta disposição.

13      Esta recusa foi confirmada por decisão de 11 de outubro de 2018 do Diretor da Administração Fiscal, que, todavia, considerou que a cessão das marcas em causa era um ato simulado, na aceção do artigo 83.° do Código Civil.

14      W. interpôs recurso desta decisão no Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie (Tribunal Administrativo da Província de Varsóvia, Polónia), que anulou a referida decisão por Acórdão de 29 de maio de 2019, com o fundamento de que a Administração Fiscal não tinha feito prova do caráter simulado da operação em causa.

15      O Diretor da Administração Fiscal interpôs recurso desse acórdão para o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), o órgão jurisdicional de reenvio.

16      Esse órgão jurisdicional tem dúvidas quanto à conformidade do artigo 88.°, n.° 3a, ponto 4, alínea c), da Lei do IVA com a Diretiva 2006/112.

17      Salienta que não resulta desta diretiva que um sujeito passivo possa perder o seu direito à dedução do IVA que lhe foi faturado pelo facto de a operação em causa não estar em conformidade com o direito civil nacional, uma vez que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o direito à dedução faz parte integrante do sistema do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Considera que a autonomia do IVA em relação às regras do direito civil nacional e a neutralidade do IVA militam no sentido de que a invalidade de uma operação jurídica à luz deste direito não deve implicar automaticamente a exclusão do direito à dedução.

18      Salienta, a este respeito, que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que as derrogações ao direito à dedução do IVA só são admitidas nos casos expressamente previstos pelas disposições da Diretiva 2006/112, que são de interpretação estrita e que este direito deve ser recusado quando se demonstrar, com base em elementos objetivos, que é invocado fraudulenta ou abusivamente.

19      Acrescenta que, embora, em conformidade com o artigo 273.° da Diretiva 2006/112, os Estados-Membros tenham a faculdade de adotar medidas para assegurar a cobrança exata do IVA e evitar a fraude, são, todavia, obrigados a exercer a sua competência no respeito do direito da União e dos seus princípios gerais, entre os quais o princípio da neutralidade, e no respeito do princípio da proporcionalidade.

20      Nestas circunstâncias, o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem as disposições do artigo 167.°, do artigo 168.°, alínea a), do artigo 178.°, alínea a), e do artigo 273.° da Diretiva 2006/112 [...], e os princípios da neutralidade e da proporcionalidade, ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional, como o artigo 88.°, n.° 3a, ponto 4, alínea c), da [Lei do IVA], que priva um sujeito passivo do direito de deduzir o IVA sobre a aquisição de um direito (um bem) considerada simulada na aceção das disposições do direito civil nacional, independentemente da questão de saber se o resultado visado é uma vantagem fiscal cuja concessão seria contrária a um ou vários objetivos [desta] diretiva e se tal resultado constituiu o objetivo essencial da solução contratual adotada?»

 Quanto à questão prejudicial

21      A título preliminar, há que salientar que o diretor da Administração Fiscal considera que o pedido de decisão prejudicial deve ser declarado inadmissível, em aplicação do artigo 94.°, alínea a), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, por não expor os factos pertinentes do litígio no processo principal nem os dados factuais em que a questão prejudicial se baseia, uma vez que não precisa as razões pelas quais a operação em causa tem caráter simulado.

22      A este respeito, há que recordar que, de acordo com jurisprudência constante, atualmente refletida no artigo 94.° do mesmo Regulamento de Processo, a necessidade de obter uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este defina o quadro factual e regulamentar em que se inserem as questões que submete ou que, pelo menos, explique as hipóteses factuais em que essas questões assentam. Além disso, a decisão de reenvio deve indicar as razões precisas que levaram o juiz nacional a interrogar-se sobre a interpretação do direito da União e a considerar necessário submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça (Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Suzlon Wind Energy Portugal C-605/20, EU:C:2022:116, n.° 31 e jurisprudência referida).

23      No caso em apreço, é verdade que o órgão jurisdicional de reenvio não forneceu informações sobre as razões pelas quais a operação em causa no litígio no processo principal foi considerada simulada pelo diretor da Administração Fiscal. Em contrapartida, indica, sumaria mas claramente, o conteúdo da decisão deste último que recusa o direito a dedução que é objeto desse litígio, e expõe com precisão as razões pelas quais tem dúvidas quanto à compatibilidade da disposição de direito nacional que constitui o fundamento jurídico dessa decisão à luz da Diretiva 2006/112 e dos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade.

24      Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

25      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 167.°, o artigo 168.°, alínea a), o artigo 178.°, alínea a), e o artigo 273.° da Diretiva 2006/112, lidos em conjugação com os princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional por força da qual o sujeito passivo é privado do direito à dedução do IVA pago a montante pelo simples facto de essa operação ser considerada simulada e ferida de nulidade em aplicação das disposições do direito civil nacional, sem que seja necessário demonstrar que resulta de uma fraude ao IVA ou de um abuso de direito.

26      Como resulta da decisão de reenvio, esta questão é submetida no contexto de um litígio em que o diretor da Administração Fiscal negou provimento ao recurso do sujeito passivo de uma decisão que recusa o direito à dedução do IVA, devido ao caráter simulado da operação de cessão de marcas realizada a montante, baseando-se numa disposição da Lei do IVA que tem por efeito proibir esse direito quando é aplicável à operação tributável em causa uma norma do Código Civil, segundo a qual a manifestação de vontade simulada em relação à outra parte com o seu acordo é nula.

27      Em primeiro lugar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito dos sujeitos passivos de deduzirem do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA. O direito a dedução previsto nos artigos 167.° e seguintes da Diretiva 2006/112 faz, portanto, parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado, quando os requisitos ou os requisitos materiais e formais a que este direito está subordinado forem cumpridos pelos sujeitos passivos que pretendam exercê-lo [Acórdãos de 28 de julho de 2011, Comissão/Hungria, C-274/10, EU:C:2011:530, n.os 42 e 43, e de 24 de novembro de 2022, Finanzamt M (Alcance do direito a dedução do IVA), C-596/21, EU:C:2022:921, n.° 21 e jurisprudência referida].

28      O regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA [Acórdãos de 14 de fevereiro de 1985, Rompelman, 268/83, EU:C:1985:74, n.° 19; de 21 de junho de 2012, Mahagében et Dávid, C-80/11 e C-142/11, EU:C:2012:373, n.° 39, e de 24 de novembro de 2022, Finanzamt M (Alcance do direito a dedução do IVA) C-596/21, EU:C:2022:921, n.° 22].

29      Não obstante, o direito à dedução do IVA está subordinado à observância de exigências ou de requisitos tanto materiais como de natureza formal.

30      As exigências ou condições materiais exigidas para a constituição deste direito são enumeradas no artigo 168.° da Diretiva 2006/112. Assim, para poder beneficiar do referido direito, é necessário, por um lado, que o interessado seja um «sujeito passivo», na aceção desta diretiva, e, por outro, que os bens ou os serviços invocados para fundamentar o direito à dedução do IVA sejam utilizados a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas e que, a montante, como precisa a alínea a) deste artigo, esses bens sejam entregues ou esses serviços sejam prestados por outro sujeito passivo.

31      Além disso, segundo o artigo 167.° da Diretiva 2006/112, o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, ocorrendo a exigibilidade deste imposto, por força do artigo 63.° desta diretiva, no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços. Daqui resulta que o direito a dedução está, em princípio, subordinado à prova da realização efetiva da operação (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de maio de 2005, António Jorge, C-536/03, EU:C:2005:323, n.os 24 e 25; de 27 de junho de 2018, SGI e Valériane, C-459/17 e C-460/17, EU:C:2018:501, n.os 34 e 35; e de 29 de setembro de 2022, Raiffeisen Leasing, C-235/21, EU:C:2022:739, n.° 40). Assim, na falta de realização efetiva da entrega de bens ou da prestação de serviços, não existe nenhum direito à dedução.

32      Aliás, o Tribunal de Justiça já declarou que é inerente ao mecanismo do IVA que uma operação de aquisição simulada não possa dar direito a nenhuma dedução desse imposto, uma vez que essa operação não pode ter qualquer elemento de conexão com as operações tributadas a jusante (Acórdão de 8 de maio de 2019, EN.SA., C-712/17, EU:C:2019:374, n.os 24 e 25 e jurisprudência referida).

33      Assim, em primeiro lugar, a recusa de conceder o direito à dedução a um sujeito passivo em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal pode ser justificada pela conclusão de que não foi feita prova da realização efetiva da operação invocada para fundamentar o direito a dedução.

34      Com efeito, para se poder concluir pela existência, em princípio, do direito à dedução em tais circunstâncias, é necessário verificar se a cessão de marcas invocada para fundamentar esse direito foi efetivamente realizada e se as marcas em causa foram utilizadas pelo sujeito passivo para os fins das suas operações tributadas.

35      A este respeito, importa recordar que o ónus da prova recai sobre o sujeito passivo, que é obrigado a fornecer provas objetivas de que os bens ou serviços lhe foram efetivamente entregues ou prestados a montante por outro sujeito passivo, para os fins das suas próprias operações sujeitas a IVA e relativamente aos quais pagou efetivamente IVA (Acórdãos de 21 de novembro de 2018, Vădan, C-664/16, EU:C:2018:933, n.° 44; de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C-281/20, EU:C:2021:910, n.° 39; e de 16 de fevereiro de 2023, DGRFP Cluj, C-519/21, EU:C:2023:106, n.° 100).

36      Quanto à avaliação das provas produzidas com vista a demonstrar a existência da operação tributável, deve ser efetuada pelo juiz nacional em conformidade com as regras de prova do direito nacional, procedendo a uma apreciação global de todos os elementos e circunstâncias de facto do caso em apreço (Acórdão de 6 de setembro de 2012, Mecsek-Gabona, C-273/11, EU:C:2012:547, n.° 53, e Despacho de 9 de janeiro de 2023, A.T.S. 2003, C-289/22, EU:C:2023:26, n.° 46 e jurisprudência referida).

37      Se, no processo principal, resultar dessa apreciação, que compete ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, que a cessão de marcas invocada não foi efetivamente realizada, não existe nenhum direito a dedução.

38      Neste contexto, como alega o Governo polaco nas suas observações escritas, o órgão jurisdicional de reenvio poderá tomar em consideração a circunstância, admitindo-a demonstrada, de que, apesar da aparente celebração de um contrato de cessão, as partes teriam, na realidade, continuado a atuar como se o cedente continuasse a ser o titular das marcas em causa, sendo W. apenas o seu detentor precário.

39      Se, em contrapartida, resultar desta apreciação global que a referida cessão foi efetivamente realizada e que as marcas cedidas foram utilizadas a jusante pelo sujeito passivo para os fins das suas operações tributáveis, o direito à dedução não pode, em princípio, ser-lhe negado.

40      Todavia, em segundo lugar, este direito pode ser recusado ao sujeito passivo se se demonstrar, com base em elementos objetivos, que é invocado fraudulenta ou abusivamente.

41      Com efeito, importa recordar que a luta contra a fraude, a evasão fiscal e eventuais abusos é um objetivo reconhecido e incentivado pela Diretiva 2006/112, e que o Tribunal de Justiça declarou repetidas vezes que os particulares não podem invocar de forma fraudulenta ou abusiva as normas do direito da União. Por conseguinte, mesmo que as condições materiais do direito a dedução estejam reunidas, cabe às autoridades e aos órgãos jurisdicionais nacionais recusar o benefício desse direito se se demonstrar, à luz de elementos objetivos, que o referido direito é invocado fraudulenta ou abusivamente (Acórdãos de 3 de março de 2005, Fini H, C-32/03, EU:C:2005:128, n.os 34 e 35; de 19 de outubro de 2017, Paper Consult, C-101/16, EU:C:2017:775, n.° 43, e de 1 de dezembro de 2022, Aquila Part Prod Com, C-512/21, EU:C:2022:950, n.° 26).

42      No que respeita à fraude, segundo jurisprudência constante, o benefício do direito a dedução deve ser recusado não apenas quando o próprio sujeito passivo cometa uma fraude mas também quando se demonstre que o sujeito passivo, ao qual foram entregues os bens ou prestados os serviços que estão na base do direito a dedução, sabia ou devia saber que, com a sua aquisição, participava numa operação implicada nessa fraude (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de dezembro de 2012, António Jorge, C-285/11, EU:C:2012:774, n.os 40; de 11 de novembro de 2021, Ferimet, C-281/20, EU:C:2021:910, n.° 48, e de 1 de dezembro de 2022, Aquila Part Prod Com, C-512/21, EU:C:2022:950, n.° 27).

43      A recusa do direito a dedução é uma exceção à aplicação do princípio fundamental que constitui este direito, incumbe às autoridades tributárias fazer prova bastante de que os elementos objetivos que permitem concluir que o sujeito passivo cometeu uma fraude ou sabia ou deveria saber que a operação invocada para fundamentar o direito à dedução fazia parte dessa fraude. Em seguida, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais verificar se as autoridades tributárias em causa demonstraram a existência de tais elementos objetivos (Despacho de 9 de janeiro de 2023, A.T.S. 2003, C-289/22, EU:C:2023:26, n.° 53 e jurisprudência referida).

44      No que respeita ao abuso de direito, resulta de jurisprudência reiterada que a constatação de uma prática abusiva em matéria de IVA exige, por um lado, que as operações em causa, apesar da aplicação formal dos requisitos previstos pelas disposições pertinentes da Diretiva 2006/112 e da legislação nacional que a transponha, devem ter por resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão seja contrária ao objetivo prosseguido por essas disposições e, por outro, que resulte de um conjunto de elementos objetivos que a finalidade essencial dessas operações se limita à obtenção dessa vantagem fiscal (Acórdãos de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o., C-255/02, EU:C:2006:121, n.os 74 e 75; de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses, C-419/14, EU:C:2015:832, n.° 36; e de 15 de setembro de 2022, HA.EN., C-227/21, EU:C:2022:687, n.° 35).

45      Quanto à questão de saber se a finalidade essencial de uma operação se limita à obtenção dessa vantagem fiscal, importa recordar que, em matéria de IVA, o Tribunal de Justiça já declarou que, quando o sujeito passivo pode escolher entre duas operações, não está obrigado a optar pela que implica o pagamento do montante de IVA mais elevado, tendo o direito de escolher a estrutura da sua atividade de modo a limitar a sua dívida fiscal. Os sujeitos passivos têm assim geralmente a liberdade de escolher as estruturas organizacionais e as modalidades transacionais que considerem mais adequadas às suas atividades económicas e ao objetivo de limitar os seus encargos fiscais (Acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses, C-419/14, EU:C:2015:832, n.° 42, e de 9 de janeiro de 2023, A.T.S. 2003, C-289/22, EU:C:2023:26, n.° 40).

46      Por conseguinte, o princípio de proibição das práticas abusivas, que se aplica no domínio do IVA, proíbe as montagens puramente artificiais, desprovidas de realidade económica, efetuadas com o único fim de obter uma vantagem fiscal cuja concessão seja contrária aos objetivos da Diretiva 2006/112 (Acórdãos de 16 de julho de 1998, ICI, C-264/96, EU:C:1998:370, n.° 26, e de 27 de outubro de 2011, Tanoarch, C-504/10, EU:C:2011:707, n.° 51, e Despacho de 9 de janeiro de 2023, A.T.S. 2003, C-289/22, EU:C:2023:26, n.° 41).

47      Além disso, as medidas que os Estados-Membros têm a faculdade de adotar nos termos do artigo 273.° da Diretiva 2006/112 a fim de assegurar a cobrança exata do imposto e evitar a fraude não devem ir além do que é necessário para atingir esses objetivos. Não podem, por isso, ser utilizadas de uma forma tal que ponham sistematicamente em causa o direito à dedução do IVA e, portanto, a neutralidade do IVA (Acórdão de 9 de dezembro de 2021, Kemwater ProChemie, C-154/20, EU:C:2021:989, n.° 28 e jurisprudência referida).

48      No caso em apreço, por um lado, importa salientar que não resulta das explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que os elementos à luz dos quais um ato jurídico, relativo a uma operação sujeita a IVA, pode ser qualificado de simulado e, portanto, declarado nulo, por força das regras do direito civil nacional, coincidem com os elementos que, em conformidade com as indicações que figuram nos n.os 33 a 38 do presente acórdão, permitem qualificar, à luz do direito da União, uma operação económica sujeita a este imposto de operação fictícia e, portanto, justificar, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.° 32 deste acórdão, a recusa de conceder ao sujeito passivo um direito a dedução. Tal nulidade não pode, portanto, em princípio, justificar essa recusa.

49      Por outro lado, resulta das constatações do órgão jurisdicional de reenvio que a legislação nacional em causa visa, de maneira geral, qualquer situação em que o sujeito passivo tenha praticado um ato jurídico considerado simulado e, portanto, nulo nos termos do Código Civil, sem que seja necessário provar, independentemente das regras de direito civil aplicáveis e à luz de elementos objetivos, que este direito foi invocado fraudulenta ou abusivamente. Ora, embora o caráter simulado, por força das disposições de direito civil nacional, do contrato celebrado entre o sujeito passivo e o emitente da fatura possa constituir um indício de uma prática fraudulenta ou abusiva na aceção e para a aplicação da Diretiva 2006/112, tal prática não pode ser deduzida apenas desta circunstância.

50      Nestas condições, tendo em conta todas as considerações anteriores, há que concluir que, ao prever que a anulação, por força de uma norma de direito civil, de um ato jurídico considerado simulado implica a recusa do direito à dedução do IVA, sem ser necessário demonstrar que estão reunidos os elementos que permitem qualificar, à luz do direito da União, uma operação económica tributável de operação simulada ou, quando esta operação tenha sido efetivamente realizada, independentemente de esse direito a dedução ter sido exercido de forma fraudulenta ou abusiva, uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal vai além do que é necessário para alcançar os objetivos da Diretiva 2006/112 que visam garantir a cobrança exata do IVA e evitar a fraude.

51      Por conseguinte, há que responder à questão submetida que o artigo 167.°, o artigo 168.°, alínea a), o artigo 178.°, alínea a), e o artigo 273.° da Diretiva 2006/112, lidos à luz dos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional por força da qual o sujeito passivo é privado do direito à dedução do IVA pago a montante pelo simples facto de uma operação económica tributável ser considerada simulada e ferida de nulidade em aplicação das disposições do direito civil nacional, sem ser necessário demonstrar que estão reunidos os elementos que permitem qualificar, à luz do direito da União, essa operação de simulada ou, quando a referida operação tenha sido efetivamente realizada, que resulta de uma fraude ao IVA ou de um abuso de direito.

 Quanto às despesas

52      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

O artigo 167.°, o artigo 168.°, alínea a), e o artigo 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2010/45/UE do Conselho, de 13 de julho de 2010, lidos à luz dos princípios da neutralidade fiscal e da proporcionalidade,

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem a uma legislação nacional por força da qual o sujeito passivo é privado do direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante pelo simples facto de uma operação económica tributável ser considerada simulada e ferida de nulidade em aplicação das disposições do direito civil nacional, sem ser necessário demonstrar que estão reunidos os elementos que permitem qualificar, à luz do direito da União, essa operação de simulada ou, quando essa operação tenha sido efetivamente realizada, que resulta de uma fraude ao imposto sobre o valor acrescentado ou de um abuso de direito.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.