Edição provisória
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)
4 de maio de 2023 (*)
«Reenvio prejudicial – Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – Diretiva 2006/112/CE – Artigo 185.° – Regularização das deduções do IVA pago a montante – Bens abatidos – Venda posterior como resíduos – Destruição ou eliminação devidamente comprovadas ou justificadas»
No processo C-127/22,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária), por Decisão de 16 de fevereiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de fevereiro de 2022, no processo
«Balgarska telekomunikatsionna kompania» EAD
contra
Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno-osiguritelna praktika» – Sófia
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),
composto por: L. S. Rossi, presidente de secção, J. -C. Bonichot e O. Spineanu -Matei (relatora), juízes,
advogado-geral: T. Ćapeta,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
– em representação da «Balgarska telekomunikatsionna kompania» EAD, por O. P. Hadzhiyski e T. M. Mollahasan, advokati,
– em representação do Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danachno-osiguritelna praktika» – Sófia, por T. Todorov,
– em representação da Comissão Europeia, por D. Drambozova, J. Jokubauskaitė e V. Uher, na qualidade de agentes,
vista a decisão tomada, ouvido a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 185.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1; a seguir «Diretiva IVA»).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a «Balgarska telekomunikatsionna kompania» EAD (a seguir «BTK») ao Direktor na Direktsia «Obzhalvane i danatchno-osiguritelna praktika» – Sófia (diretor da Direção «Recursos e Práticas em Matéria Tributária e de Segurança Social» de Sófia, Bulgária), a respeito da decisão do inspetor-geral dos impostos junto da Teritorialna Direktsia na Natsionalna Agentsia za Prihodite (Direção Territorial da Agência Nacional das Receitas Públicas, Bulgária) «Grandes Contribuintes e Seguradoras» que indeferiu o pedido da BTK destinado a obter o reembolso de montantes pagos a título de regularizações de deduções do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) inicialmente efetuadas, às quais tinha procedido devido ao abate de diversos bens de investimento e existências entre os anos de 2014 e 2017.
Quadro jurídico
Direito da União
3 O artigo 168.°, alínea a), da Diretiva IVA dispõe:
«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:
a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo».
4 O artigo 184.° desta diretiva prevê:
«A dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito.»
5 Nos termos do artigo 185.° da referida diretiva:
1. A regularização é efetuada nomeadamente quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, por exemplo no caso de anulação de compras ou de obtenção de abatimentos nos preços.
2. Em derrogação do disposto no n.° 1, não é efetuada qualquer regularização no caso de operações total ou parcialmente por pagar, no caso de destruição, perda ou roubo devidamente comprovados ou justificados, bem como no caso das afetações de bens a ofertas de pequeno valor e a amostras referidas no artigo 16.°
No caso de operações total ou parcialmente por pagar e nos casos de roubo, os Estados-Membros podem, todavia, exigir a regularização.»
6 O artigo 186.° da mesma diretiva prevê que os Estados-Membros determinam as normas de aplicação dos artigos 184.° e 185.° desta diretiva.
Direito búlgaro
7 A zakon za danak varhu dobavenata stoynost (Lei do Imposto sobre o Valor Acrescentado), de 21 de julho de 2006 (DV n.° 63, de 4 de agosto de 2006, p. 8), na sua versão aplicável a partir de 1 de janeiro de 2017 (a seguir «ZDDS»), dispõe no seu artigo 78.°:
1. O IVA deduzido a montante é o valor do imposto que um sujeito passivo ao abrigo da presente lei deduziu durante o ano do exercício do direito à dedução.
2. Em caso de alteração do valor tributável, de anulação de uma venda ou de alteração do tipo da operação, o sujeito passivo é obrigado a regularizar o montante do IVA deduzido.
[...]»
8 O artigo 79.°, n.° 1, da ZDDS prevê:
«Os sujeitos passivos que tenham total, parcial ou proporcionalmente ao nível de utilização para efeitos do exercício independente deduzido um crédito de imposto sobre bens que tenham produzido, adquirido ou importado, liquidam, quando da destruição, da constatação da falta ou da eliminação desses bens, um imposto de montante equivalente ao do IVA deduzido a montante.»
9 Estão previstas exceções ou limitações à regularização do IVA deduzido a montante no artigo 80.° desta lei, que dispõe, no seu n.° 2:
Não há lugar às regularizações previstas no artigo 79.° em caso de:
1. Destruição, desaparecimento ou abate devidos a caso de força maior ou a destruição de mercadorias sujeitas a imposto especial sobre o consumo que, por força da Lei dos impostos especiais sobre o consumo e sobre os entrepostos fiscais, estejam sujeitas a controlo administrativo;
2. Destruição, desaparecimento ou abate devidos a avaria ou acidente que se possa provar não terem sido provocados pelo sujeito passivo ou pela pessoa que utiliza a mercadoria;
3. Desaparecimentos decorrentes de uma alteração normal das características físico-químicas, dentro dos limites estabelecidos para a perda natural, e desaparecimento de mercadorias por ocasião do seu armazenamento e transporte, ao abrigo de um ato regulamentar ou de padrões ou normas empresariais;
4. Defeito técnico dentro dos limites de tolerância previstos na documentação técnica relativa a cada procedimento ou atividade;
5. Abate causado pelo decurso do prazo de utilização determinado pelos requisitos fixados na lei;
6. Abate de ativos corpóreos imobilizados, quando o seu valor contabilístico líquido for inferior a 10 % do seu valor de aquisição.»
10 O artigo 79.°, n.° 3, e o artigo 80.°, n.° 2, da ZDDS, na sua versão aplicável antes de 1 de janeiro de 2017 (a seguir «ZDDS na sua versão anterior»), continham disposições semelhantes às reproduzidas, respetivamente, nos n.os 8 e 9 do presente acórdão.
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
11 A BTK é uma sociedade de direito búlgaro que opera no domínio das telecomunicações. Está sujeita a IVA pelas suas atividades, que consistem, nomeadamente, na prestação de serviços de telecomunicações. Para efeitos das suas atividades, adquire diversos bens de investimento, bem como, com vista à sua revenda, aparelhos de comunicação móvel e diversos equipamentos necessários ou acessórios à utilização dos serviços que presta. O IVA pago quando dessas aquisições é objeto de deduções.
12 No período compreendido entre outubro de 2014 e dezembro de 2017, a BTK procedeu ao abate de diversos bens, como instalações, equipamentos ou aparelhos considerados impróprios para uso ou venda por diversas razões, nomeadamente por estarem desgastados, serem defeituosos ou ainda estarem obsoletos ou serem desconformes. Estes abates foram realizados no respeito da regulamentação nacional aplicável. Consistiram, concretamente, na eliminação dos bens em causa do balanço da sociedade. Em seguida, alguns desses bens foram vendidos como resíduos a empresas terceiras sujeitas a imposto e outros destruídos ou eliminados.
13 As referidas operações de abate conduziram a regularizações que implicam a restituição do IVA deduzido a montante relativamente aos bens em causa. Essas regularizações foram executadas em aplicação do artigo 79.°, n.° 3, da ZDDS na sua versão anterior, entre os anos de 2014 e 2016, e em aplicação do artigo 79.°, n.° 1, da ZDDS, a partir de 1 de janeiro de 2017.
14 Em 18 de janeiro de 2019, a BTK apresentou um pedido de reembolso dos montantes pagos no âmbito das referidas regularizações. Este pedido tinha por objeto um montante total de 1 304 090,54 leva búlgaros (BGN) (cerca de 666 770 euros). A BTK sustentou, nessa ocasião, que o artigo 79.°, n.° 1, da ZDDS e o artigo 79.°, n.° 3, da ZDDS na sua versão anterior, eram incompatíveis com o artigo 185.°, n.° 2, da Diretiva IVA.
15 Esse pedido de reembolso foi indeferido por decisão do inspetor-geral dos impostos da Direção Territorial da Agência Nacional das Receitas Públicas «Grandes Contribuintes e Seguradoras», adotada em 5 de dezembro de 2019. Essa decisão foi confirmada por Decisão de 18 de fevereiro de 2020 do diretor da Direção «Recursos e Práticas em Matéria Tributária e de Segurança Social» de Sófia.
16 Do mesmo modo, foi negado provimento ao recurso judicial interposto pela BTK desta última decisão no Administrativen sad Sofia-grad (Tribunal Administrativo da cidade de Sófia, Bulgária), por Sentença de 18 de maio de 2021. Esse tribunal salientou que o abate de bens podia não dar lugar a regularização, em conformidade com o artigo 80.°, n.° 2, da ZDDS, desde que uma das condições previstas nesta disposição estivesse preenchida, o que não era o caso.
17 Foi interposto recurso dessa sentença no Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária), que é o órgão jurisdicional de reenvio.
18 Este precisa que o abate de bens consiste na sua eliminação do balanço e que este conceito é interpretado no direito búlgaro no sentido de que visa elementos do ativo ou artigos das existências que se tornaram inutilizáveis ou impróprios para o fim a que se destinavam devido a desgaste físico ou danos, ou quando estão obsoletos e já não podem ser utilizados ou vendidos. Constata, em substância, que esta interpretação significa o esgotamento do potencial económico dos bens em causa durante a sua utilização no âmbito da atividade económica da empresa. A este respeito, faz uma comparação com a situação em que os bens ou serviços foram totalmente consumidos no âmbito da atividade profissional de um sujeito passivo, situação em que considera que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a saída desses bens ou serviços do património do sujeito passivo não implica uma alteração dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante da dedução, na aceção do artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva IVA.
19 Em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o artigo 185.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA contém uma enumeração exaustiva dos casos que, sem prejuízo do segundo parágrafo desse número, não devem dar lugar à regularização do IVA deduzido a montante e considera que esses casos correspondem a situações em que um bem já não pode ser utilizado pelo sujeito passivo para posteriores fornecimentos, devido a acontecimentos independentes da vontade deste. Sublinha que a isenção de regularização prevista nesses casos visa evitar que o sujeito passivo sofra uma perda fiscal além da perda económica.
20 Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a legalidade da decisão impugnada perante ele e, portanto, a solução do litígio que lhe foi submetido exigem a clarificação de certos conceitos previstos no artigo 185.° da Diretiva IVA.
21 Interroga-se, antes de mais, sobre o eventual impacto do facto de, no caso em apreço, os bens abatidos terem sido posteriormente vendidos como resíduos no âmbito de operações tributáveis, mas que não fazem parte da atividade económica habitual da BTK, exercida na qualidade de sujeito passivo. Em seguida, interroga-se sobre se o abate constitui uma alteração dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, na aceção do artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva IVA, quando os bens em causa foram subsequentemente destruídos ou eliminados, com exclusão de qualquer utilização no âmbito de operações isentas ou não abrangidas pelo âmbito de aplicação do IVA. Por último, considerando que o abate possa constituir uma «perda», na aceção do artigo 185.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da referida diretiva, pergunta se o elemento essencial é, nessa hipótese, que o bem tenha sido, objetivamente, destruído ou se é exigido, ainda, que isso resulte de acontecimentos que são independentes da vontade do sujeito passivo e que este não poderia ter previsto nem evitado.
22 Nestas condições, o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Deve o artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva [IVA] ser interpretado no sentido de que o abate de bens, entendido como a eliminação do balanço do sujeito passivo de ativos ou de existências de que já não se espera retirar benefícios económicos, por estarem, por exemplo, desgastados, serem defeituosos ou desconformes ou não poderem ser utilizados para o fim a que destinavam, constitui uma alteração dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções relacionadas com o IVA já pago na compra dos bens, ocorrida após a entrega da declaração de [IVA] e que, por esse motivo, implica a obrigação de regularização da dedução, se os bens abatidos tiverem sido subsequentemente vendidos [no âmbito de] uma entrega de bens tributável?
2) Deve o artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva [IVA] ser interpretado no sentido de que o abate de bens, entendido como [indicado no âmbito da primeira questão], constitui uma alteração dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções relacionadas com o IVA já pago na compra dos bens, ocorrida após a entrega da declaração de [IVA] e que, por esse motivo, implica a obrigação de regularização da dedução, se os bens abatidos tiverem sido subsequentemente destruídos ou eliminados e este facto tiver sido devidamente comprovado ou justificado?
3) Em caso de resposta afirmativa à primeira, à segunda ou a ambas as questões, deve o artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva [IVA] ser interpretado no sentido de que o abate de bens, nas circunstâncias acima referidas, constitui um caso devidamente comprovado ou justificado de destruição ou perda de um bem, relativamente ao qual não há uma obrigação de regularização da dedução relativa ao IVA pago na compra dos bens?
4) Deve o artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva [IVA] ser interpretado no sentido de que, nos casos devidamente comprovados ou justificados de destruição ou perda de um bem, a regularização da dedução só pode não ser efetuada se a destruição ou a perda tiverem sido causadas por circunstâncias independentes da vontade do sujeito passivo e não puderem ter sido previstas e evitadas por este último?
5) Em caso de resposta [negativa] à primeira, à segunda ou a ambas as questões, o artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva [IVA] opõe-se um regime nacional como o do artigo 79.°, n.° 3, da ZDDS [na sua versão anterior], ou do artigo 79.°, n.° 1, da ZDDS [...], que prevê, em caso de abate de bens, a obrigação de regularização da dedução, mesmo que os bens tenham sido subsequentemente vendidos como entrega de bens tributável [...] ou tenham sido destruídos ou eliminados e este facto tiver sido devidamente comprovado ou justificado?»
Quanto às questões prejudiciais
23 A título preliminar, importa recordar que as modalidades de regularização do IVA inicialmente deduzido previstas nos artigos 187.° a 191.° da Diretiva IVA no que respeita aos bens de investimento, como alguns dos bens que foram abatidos pela BTK, não são pertinentes para a resposta às referidas questões. Com efeito, estas têm por objeto a constituição de uma obrigação de regularização, e não as modalidades de uma eventual regularização. Em contrapartida, são os artigos 184.° a 186.° da Diretiva IVA que constituem o regime aplicável no momento em que se constitui um eventual direito de a Administração Fiscal exigir a um sujeito passivo uma regularização, incluindo no que se refere à regularização de deduções relativas a bens de investimento (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2020, Stichting Schoonzicht, C-791/18, EU:C:2020:731, n.° 33).
Quanto à primeira questão
24 Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que o abate de um bem, que o sujeito passivo considerou que se tinha tornado inutilizável no âmbito das suas atividades económicas habituais, seguida da venda desse bem como resíduo, a qual foi sujeita a IVA, constitui uma «alteração dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções», na aceção desta disposição.
25 Para responder a esta questão, importa, antes de mais, recordar que o mecanismo de regularização previsto nos artigos 184.° a 186.° da Diretiva IVA faz parte integrante do regime de dedução do IVA estabelecido por esta diretiva (Acórdão de 17 de julho de 2014, BCR Leasing IFN, C-438/13, EU:C:2014:2093, n.° 32 e jurisprudência referida).
26 No que respeita a este regime de dedução, resulta do artigo 168.° da Diretiva IVA que o sujeito passivo que, agindo nessa qualidade no momento em que adquire um bem, utilize esse bem para as necessidades das suas operações tributadas está autorizado a deduzir o IVA devido ou pago em relação ao referido bem (Acórdão de 22 de março de 2012, Klub, C-153/11, EU:C:2012:163, n.° 36 e jurisprudência referida).
27 O objetivo do referido regime de dedução é desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. Assim, o sistema comum do IVA visa garantir a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam, em princípio, elas próprias sujeitas a IVA (Acórdão de 17 de outubro de 2018, Ryanair, C-249/17, EU:C:2018:834, n.° 23 e jurisprudência referida).
28 Em seguida, no que respeita ao eventual impacto nas deduções de eventos que ocorram posteriormente, há que recordar que a utilização que é feita dos bens ou dos serviços, ou que lhes é destinada, determina o âmbito da dedução inicial a que o sujeito passivo tem direito e o âmbito das eventuais regularizações durante os períodos seguintes (Acórdão de 17 de setembro de 2020, Stichting Schoonzicht, C-791/18, EU:C:2020:731, n.° 25 e jurisprudência referida).
29 Assim, as regras previstas pela Diretiva IVA em matéria de regularização têm por objetivo aumentar a precisão das deduções de modo a assegurar a neutralidade do IVA, pelo que as operações efetuadas no estádio anterior apenas continuam a dar lugar ao direito a dedução na medida em que sirvam para fornecer prestações sujeitas a esse imposto. Com as referidas regras, a Diretiva IVA tem por objetivo manter uma relação estreita e direta entre o direito à dedução do IVA pago a montante e a utilização dos bens ou serviços em causa para operações sujeitas a tributação a jusante (Acórdão de 10 de outubro de 2013, Pactor Vastgoed, C-622/11, EU:C:2013:649, n.° 34 e jurisprudência referida).
30 Por último, relativamente à constituição de uma eventual obrigação de regularização da dedução do IVA pago a montante, o artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva IVA estabelece o princípio de que tal regularização é efetuada nomeadamente quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções.
31 No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que os bens em causa acabaram por ser vendidos pelo sujeito passivo no âmbito de operações tributáveis. Por conseguinte, há que concluir que está preenchido o requisito que permite a aplicação e a manutenção do direito à dedução, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.° 27 do presente acórdão, a saber, que esses bens foram utilizados no âmbito de atividades económicas sujeitas a IVA. Esta aplicação e esta manutenção são, aliás, necessárias para assegurar a neutralidade fiscal que constitui o objetivo prosseguido pelo sistema comum do IVA através do regime de dedução.
32 A este respeito, é irrelevante que a venda de resíduos não faça parte das atividades económicas habituais do sujeito passivo que procede a essa venda ou que o valor realizável dos bens em causa seja reduzido em relação ao seu valor inicial, pelo facto de serem vendidos como resíduos ou de, pela mesma razão, a sua natureza inicial ter sido alterada.
33 Com efeito, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.° 27 do presente acórdão, desde que os bens sejam utilizados no âmbito de atividades económicas sujeitas ao IVA, o regime de dedução abrange todas as atividades económicas de um sujeito passivo, independentemente dos respetivos fins ou resultados. Além disso, importa salientar que o Tribunal de Justiça já teve em conta, para considerar que não havia lugar à regularização das deduções, o facto de os resíduos provenientes de imóveis adquiridos sob o regime de dedução do IVA e, em seguida, parcialmente demolidos terem sido revendidos no âmbito de operações tributáveis a jusante (v., neste sentido, Acórdão de 18 de outubro de 2012, TETS Haskovo, C-234/11, EU:C:2012:644, n.° 35).
34 Por conseguinte, tais circunstâncias não são suscetíveis de implicar uma rutura da relação estreita e direta entre o direito à dedução do IVA pago a montante no momento da aquisição dos bens em causa e a utilização destes para operações tributadas a jusante, na aceção da jurisprudência referida no n.° 29 do presente acórdão.
35 Resulta do conjunto destas considerações que o artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que o abate de um bem, que o sujeito passivo considerou que se tinha tornado inutilizável no âmbito das suas atividades económicas habituais, seguida da venda desse bem como resíduo, a qual foi sujeita a IVA, não constitui uma «alteração dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções», na aceção desta disposição.
Quanto à segunda a quarta questões
36 Com a segunda questão, bem como com a terceira e quarta questões, na medida em que estas últimas dizem respeito a bens destruídos, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 185.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que o abate de um bem, que o sujeito passivo considerou que se tinha tornado inutilizável no âmbito das suas atividades económicas habituais, seguida da destruição voluntária desse bem, constitui uma «alteração dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções», na aceção do n.° 1 deste artigo, e, em caso afirmativo, se o abate do referido bem nessas circunstâncias constitui uma «destruição devidamente comprovada ou justificada» ou uma «perda devidamente comprovada ou justificada», na aceção do n.° 2 do referido artigo, ainda que não se trate de um acontecimento independente da vontade desse sujeito passivo e que este não poderia ter previsto nem evitado.
37 Em primeiro lugar, há que observar que a destruição de um bem implica necessariamente o desaparecimento de qualquer possibilidade de o utilizar no âmbito de operações tributadas (v., por analogia, Acórdão de 4 de outubro de 2012, PIGI, C-550/11, EU:C:2012:614, n.° 35).
38 Por conseguinte, este facto implica uma rutura da relação estreita e direta entre o direito à dedução do IVA pago a montante e a utilização do bem em causa para operações tributadas a jusante, como referido na jurisprudência recordada no n.° 29 do presente acórdão, e constitui, portanto, uma «alteração dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções», na aceção do artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva IVA. Isto é, aliás, confirmado pela inclusão, no n.° 2 deste artigo, da destruição entre as possíveis exceções à obrigação de regularização.
39 Em segundo lugar, quanto ao significado e ao alcance dos termos «destruição» e «perda», na aceção do artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva IVA, na falta de definição, estes devem ser estabelecidos em conformidade com o sentido habitual desses termos na linguagem corrente, tendo em conta nomeadamente o contexto em que são utilizados (v., neste sentido, Acórdão de 22 de abril de 2021, Austrian Airlines, C-826/19, EU:C:2021:318, n.° 22 e jurisprudência referida).
40 Na linguagem corrente, o termo «destruição» designa a ação de alterar profundamente um objeto, de o fazer desaparecer demolindo-o, de o destruir. O termo «perda», quando se refere a um bem, visa, por seu turno, o facto de se ser privado de uma coisa de que se tinha a propriedade ou o gozo. Daqui resulta que a perda de um bem não pode decorrer de uma ação voluntária do seu proprietário ou possuidor, ao passo que isso não está excluído em caso de destruição.
41 Quanto ao contexto em que se inserem as exceções previstas no artigo 185.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA e ao seu objetivo, há que salientar que uma disposição prevendo exceções semelhantes estava anteriormente inserida no artigo 20.°, n.° 1, alínea b), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios – sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1). Os trabalhos preparatórios relativos a esta última disposição indicam que, com estas exceções, o legislador comunitário considerou necessário, em caso de desaparecimento de um bem que deu lugar à dedução do IVA a montante, limitar a obrigação de regularização aos casos de desaparecimento injustificado, de modo a evitar que uma perda de natureza fiscal pudesse acrescer à perda económica quando fosse feita prova da destruição, da perda ou do roubo.
42 Resulta destas indicações que as hipóteses de destruição, perda ou roubo referidas no artigo 185.°, n.° 2, da Diretiva IVA correspondem a casos de perda económica sofrida, mas também que a ocorrência desses casos deve ser devidamente comprovada ou justificada, em aplicação do primeiro parágrafo desta disposição.
43 No caso em apreço, uma vez que a destruição dos bens em causa resultou de uma intervenção do sujeito passivo, há que considerar que se trata de uma «destruição», e não de uma «perda», na aceção do artigo 185.°, n.° 2, da Diretiva IVA.
44 Além disso, não resulta do texto desta disposição nem dos trabalhos preparatórios que podem ser considerados pertinentes, que a destruição de um bem deva ser totalmente independente da vontade do sujeito passivo. Com efeito, como indicado no n.° 40 do presente acórdão, não se pode excluir que, em certos casos, a referida destruição pressuponha uma intervenção voluntária deste.
45 É o que acontece, em especial, em caso de destruição de um bem decidida na sequência da constatação de que este se tornou impróprio para ser utilizado no âmbito das atividades económicas habituais do sujeito passivo. A este respeito, há que recordar que a tomada em conta da realidade económica e comercial constitui um critério fundamental para a aplicação do sistema comum do IVA (Acórdão de 22 de novembro de 2018, MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, C-295/17, EU:C:2018:942, n.° 43 e jurisprudência referida).
46 No entanto, para ser abrangida pelo artigo 185.°, n.° 2, da Diretiva IVA, a destruição de um bem que faz parte do património do sujeito passivo deve ser devidamente comprovada ou justificada e só pode ser tomada em consideração a destruição de um bem decidida em razão da perda objetiva de utilidade desse bem no âmbito das atividades económicas habituais do sujeito passivo, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
47 Quanto ao demais, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio evoca igualmente o facto de certos bens que deram origem às regularizações em causa no processo principal terem sido «eliminados», incumbe-lhe igualmente verificar se as circunstâncias que são concretamente abrangidas por este termo correspondem ao desaparecimento irreversível desses bens. Assim, deve considerar-se que modos de eliminação de um bem como a sua deposição em aterro conduzem à sua «destruição», na aceção do artigo 185.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA, desde que impliquem concretamente o desaparecimento irreversível desse bem.
48 Resulta do conjunto das considerações precedentes que o artigo 185.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que o abate de um bem, que o sujeito passivo considerou que se tinha tornado inutilizável no âmbito das suas atividades económicas habituais, seguida da destruição voluntária desse bem, constitui uma «alteração dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções», na aceção do n.° 1 deste artigo. Todavia, tal situação constitui uma «destruição», na aceção do n.° 2, primeiro parágrafo, do referido artigo, independentemente do seu caráter voluntário, pelo que esta alteração não gera uma obrigação de regularização, desde que essa destruição seja devidamente comprovada ou justificada e o referido bem tenha objetivamente perdido toda a utilidade no âmbito das atividades económicas do sujeito passivo. A eliminação devidamente comprovada de um bem deve ser equiparada à sua destruição, desde que implique concretamente o desaparecimento irreversível desse bem.
Quanto à quinta questão
49 Com a quinta questão, submetida em caso de resposta negativa à primeira e/ou à segunda questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições de direito nacional que preveem a regularização do IVA deduzido a montante no momento da aquisição de um bem quando este foi abatido, por o sujeito passivo ter considerado que o mesmo se tinha tornado inutilizável no âmbito das suas atividades económicas habituais, independentemente do facto de, em seguida, esse bem ter sido objeto de uma venda sujeita a IVA ou ter sido destruído ou eliminado de forma devidamente comprovada ou justificada.
50 Todavia, resulta da última parte desta questão, lida à luz da decisão de reenvio, em particular, da terceira e da quarta questões, bem como das circunstâncias do litígio no processo principal, que o órgão jurisdicional de reenvio visa concretamente, com a presente questão, a exigência de se proceder, em tais circunstâncias, à regularização do IVA deduzido a montante, tendo em conta não só a obrigação de regularização inscrita no artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva IVA mas também certas exceções a esta obrigação mencionadas no n.° 2 deste artigo, e, portanto, à luz de todas as disposições do referido artigo 185.°
51 Por outro lado, pelas mesmas razões, não há apenas que responder a esta questão em caso de resposta negativa à primeira questão, relativa à venda como resíduos de bens abatidos, ou à segunda questão, relativa à destruição de bens abatidos. Com efeito, uma resposta à quinta questão é igualmente suscetível de ter interesse em caso de resposta afirmativa a uma destas duas questões.
52 Nestas circunstâncias, cabe ao Tribunal de Justiça reformular a questão que lhe foi submetida, a fim de dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil que lhe permita resolver o litígio que lhe foi submetido (v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, The Department for Communities in Northern Ireland, C-709/20, EU:C:2021:602, n.° 61 e jurisprudência referida).
53 Por conseguinte, há que considerar que, com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 185.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições de direito nacional que preveem a regularização do IVA deduzido a montante no momento da aquisição de um bem quando este foi abatido, por o sujeito passivo ter considerado que o mesmo se tinha tornado inutilizável no âmbito das suas atividades económicas habituais, independentemente do facto de, em seguida, esse bem ter sido objeto de uma venda sujeita a IVA ou ter sido destruído ou eliminado de forma devidamente comprovada ou justificada.
54 Ora, tendo em conta todas as considerações que fundamentaram as respostas à primeira a quarta questões, que figuram nos n.os 35 e 48 do presente acórdão, tais disposições nacionais são incompatíveis com o artigo 185.°, n.° 1, e n.° 2, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA.
55 Por outro lado, a destruição de um bem não é um dos casos em que o artigo 185.°, n.° 2, segundo parágrafo, desta diretiva autoriza os Estados-Membros a exigir, não obstante, a regularização das deduções.
56 Consequentemente, há que responder à quinta questão que o artigo 185.° da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições de direito nacional que preveem a regularização do IVA deduzido a montante no momento da aquisição de um bem quando este foi abatido, por o sujeito passivo ter considerado que o mesmo se tinha tornado inutilizável no âmbito das suas atividades económicas habituais, e, em seguida, esse bem foi objeto de uma venda sujeita a IVA, ou foi destruído ou eliminado de uma forma que implica concretamente o seu desaparecimento irreversível, desde que essa destruição seja devidamente comprovada ou justificada e o referido bem tenha objetivamente perdido toda a utilidade no âmbito das atividades económicas do sujeito passivo.
Quanto às despesas
57 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:
1) O artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado,
deve ser interpretado no sentido de que:
o abate de um bem, que o sujeito passivo considerou que se tinha tornado inutilizável no âmbito das suas atividades económicas habituais, seguida da venda desse bem como resíduo, a qual foi sujeita a imposto sobre o valor acrescentado (IVA), não constitui uma «alteração dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções», na aceção desta disposição.
2) O artigo 185.° da Diretiva 2006/112
deve ser interpretado no sentido de que:
o abate de um bem, que o sujeito passivo considerou que se tinha tornado inutilizável no âmbito das suas atividades económicas habituais, seguida da destruição voluntária desse bem, constitui uma «alteração dos elementos tomados em consideração para determinação do montante das deduções», na aceção do n.° 1 deste artigo. Todavia, tal situação constitui uma «destruição», na aceção do n.° 2, primeiro parágrafo, do referido artigo, independentemente do seu caráter voluntário, pelo que esta alteração não gera uma obrigação de regularização, desde que essa destruição seja devidamente comprovada ou justificada e o referido bem tenha objetivamente perdido toda a utilidade no âmbito das atividades económicas do sujeito passivo. A eliminação devidamente comprovada de um bem deve ser equiparada à sua destruição, desde que implique concretamente o desaparecimento irreversível desse bem.
3) O artigo 185.° da Diretiva 2006/112
deve ser interpretado no sentido de que:
se opõe a disposições de direito nacional que preveem a regularização do IVA deduzido a montante no momento da aquisição de um bem quando este foi abatido, por o sujeito passivo ter considerado que o mesmo se tinha tornado inutilizável no âmbito das suas atividades económicas habituais, e, em seguida, esse bem foi objeto de uma venda sujeita a IVA, ou foi destruído ou eliminado de uma forma que implica concretamente o seu desaparecimento irreversível, desde que essa destruição seja devidamente comprovada ou justificada e o referido bem tenha objetivamente perdido toda a utilidade no âmbito das atividades económicas do sujeito passivo.
Assinaturas
* Língua do processo: búlgaro.