Edição provisória
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)
29 de junho de 2023 (*)
«Reenvio prejudicial — Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 44.° — Lugar das prestações de serviços — Regulamento de Execução (UE) n.° 282/2011 — Artigo 11.°, n.° 1 — Prestação de serviços — Lugar de conexão fiscal — Conceito de “estabelecimento estável” — Estrutura adequada em termos de recursos humanos e técnicos — Aptidão para receber e utilizar os serviços para as necessidades próprias do estabelecimento estável — Prestações de serviços de trabalho por encomenda e prestações acessórias — Compromisso contratual exclusivo entre uma sociedade prestadora de um Estado-Membro e a sociedade destinatária estabelecida num Estado terceiro — Sociedades juridicamente independentes»
No processo C-232/22,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pela cour d’appel de Liège (Tribunal de Recurso de Liège, Bélgica), por Decisão de 18 de março de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 1 de abril de 2022, no processo
Cabot Plastics Belgium SA
contra
État belge,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),
composto por: D. Gratsias, presidente de secção, M. Ilešič e I. Jarukaitis (relator), juízes,
advogado-geral: L. Medina,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
– em representação da Cabot Plastics Belgium SA, por J. Lejeune e G. Vael, avocats,
– em representação do Governo belga, por P. Cottin, J.-C. Halleux e C. Pochet, na qualidade de agentes,
– em representação da Comissão Europeia, por M. Björkland e C. Ehrbar, na qualidade de agentes,
vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 44.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008 (JO 2008, L 44, p. 11) (a seguir «Diretiva IVA»), e do artigo 11.° do Regulamento de Execução (UE) n.° 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112 (JO 2011, L 77, p. 1).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Cabot Plastics Belgium SA (a seguir «Cabot Plastics») ao État belge (Estado belga), representado pelo ministro das Finanças, a propósito de uma decisão da Autoridade Tributária que onera esta sociedade com o pagamento de um suplemento de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) acrescido de juros de mora e de uma coima.
Quadro jurídico
Direito da União
3 O título V da Diretiva IVA, relativo ao lugar das operações tributáveis, contém, nomeadamente, um capítulo 3, intitulado «Lugar das prestações de serviços». Na secção 2 desse capítulo 3, intitulada «Disposições gerais», o artigo 44.° desta diretiva dispõe:
«O lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade é o lugar onde esse sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a um estabelecimento estável do sujeito passivo situado num lugar diferente daquele onde este tem a sede da sua atividade económica, o lugar das prestações desses serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. Na falta de sede ou de estabelecimento estável, o lugar das prestações dos serviços é o lugar onde o sujeito passivo destinatário tem domicílio ou residência habitual.»
4 O capítulo V do Regulamento de Execução n.° 282/2011, intitulado «Lugar das operações tributáveis», contém uma secção 1, intitulada «Conceitos», na qual figura o seu artigo 11.°, n.° 1, que prevê:
«Para a aplicação do artigo 44.° da Diretiva [IVA], entende-se por “estabelecimento estável” qualquer estabelecimento, diferente da sede da atividade económica a que se refere o artigo 10.° do presente regulamento, caracterizado por um grau suficiente de permanência e uma estrutura adequada, em termos de recursos humanos e técnicos, que lhe permitam receber e utilizar os serviços que são prestados para as necessidades próprias desse estabelecimento.»
Direito belga
5 Nos termos do artigo 21.°, n.° 2, do code de la taxe sur la valeur ajoutée, du 3 juillet 1969 (Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, de 3 de julho de 1969) (Moniteur belge de 17 de julho de 1969, p. 7046), na sua versão aplicável aos factos no processo principal:
«O lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade é o lugar onde esse sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica. Todavia, se esses serviços forem prestados a um estabelecimento estável do sujeito passivo situado num lugar diferente daquele onde este tem a sede da sua atividade económica, o lugar da prestação de serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável. [...]»
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
6 A Cabot Switzerland GmbH é uma empresa de direito suíço, que tem a sede da sua atividade económica na Suíça. Está registada para efeitos de IVA na Bélgica em relação às suas atividades de venda de produtos à base de carbono.
7 A Cabot Switzerland, na qualidade de sociedade operacional principal do grupo Cabot para a região «Europa, Médio Oriente e África», celebrou um contrato de trabalho por encomenda com várias sociedades, entre as quais a sociedade comercial belga Cabot Plastics. Esta última, ainda que parte do mesmo grupo, é juridicamente independente da Cabot Switzerland. Todavia, estão unidas por um vínculo financeiro, dado que 99,99 % do capital da Cabot Plastics é detido pela sociedade luxemburguesa Cabot Holding I GmbH, cujo capital é detido a 100 % pela Cabot Lux Holdings Sari, que por sua vez detém a totalidade das participações da Cabot Switzerland.
8 Em aplicação do Acordo de trabalho por encomenda celebrado em 14 de fevereiro de 2012 (a seguir «acordo de 14 de fevereiro de 2012»), a Cabot Plastics utiliza exclusivamente os seus próprios equipamentos para transformar, em benefício da sociedade Cabot Switzerland e sob a sua direção, matérias-primas em produtos que entram no fabrico de plásticos. As prestações de serviços efetuadas pela Cabot Plastics em benefício desta última sociedade constituem a quase totalidade do seu volume de negócios.
9 Em conformidade com o acordo de 14 de fevereiro de 2012, a Cabot Plastics armazena nas suas instalações matérias-primas adquiridas pela Cabot Switzerland, que depois transforma em produtos que entram no fabrico de plásticos. Armazena, em seguida, esses produtos antes de serem vendidos pela Cabot Switzerland a partir da Bélgica aos seus diferentes clientes no mercado belga, no mercado europeu ou para exportação. A retirada e o transporte das mercadorias a partir das instalações da Cabot Plastics são realizados tanto pelos clientes como por transportadores externos a quem a Cabot Switzerland recorre.
10 A Cabot Plastics assegura, além disso, uma série de prestações adicionais em benefício da Cabot Switzerland, nomeadamente a armazenagem dos produtos, incluindo a gestão dos produtos guardados em armazéns de terceiros, o envio de recomendações com vista a otimizar o processo de produção, os controlos e as avaliações técnicas internas e externas, a comunicação dos resultados à Cabot Switzerland ou ainda os fornecimentos ou a prestação dos serviços necessários a outras unidades de produção. A este título, a Cabot Plastics indica as necessidades operacionais das suas fábricas, agiliza as formalidades, cumpre os padrões e procedimentos da Cabot Switzerland em matéria de controlo e garantia de qualidade, oferece apoio a esta sociedade para melhoria do processo de produção e de planificação das suas atividades, fornece apoio administrativo em matéria de impostos especiais sobre o consumo e direitos aduaneiros, atua como importador oficial por conta e a pedido desta sociedade e gere os materiais de embalagem. A Cabot Plastics exerce as suas atividades adicionais em conformidade com as condições estipuladas no acordo.
11 A Cabot Plastics recorreu ao Service des décisions anticipées en matière fiscale (SDA) («Serviço das Decisões Fiscais Antecipadas (SDA)») do Service public fédéral Finances («Serviço Público Federal de Finanças») (Bélgica), que, por decisão de 31 de janeiro de 2012, pronunciando-se em matéria de imposto sobre as sociedades, declarou que as suas atividades não caracterizavam a existência de um estabelecimento estável da Cabot Switzerland na Bélgica, na aceção dos artigos 227.° a 229.° do Code des impôts sur les revenus (a seguir «Código dos Impostos sobre o Rendimentos») e do artigo 5.° da Convenção entre a Confederação Suíça e o Reino da Bélgica destinada a evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre o capital, celebrada em 28 de agosto de 1978.
12 Todavia, na sequência de um controlo fiscal realizado em 2017, a Autoridade Tributária considerou que a Cabot Switzerland dispunha de um estabelecimento estável na Bélgica, na aceção da legislação em matéria de IVA, e que, por este motivo, se devia considerar que as prestações de serviços realizadas peça Cabot Plastics para esta sociedade em 2014 a 2016 tinham ocorrido na Bélgica e estavam sujeitas a IVA nesse Estado. Foi enviado um aviso de regularização à Cabot Plastics, do qual esta discordou.
13 A Autoridade Tributária, por decisão de 19 de dezembro de 2017 notificou, portanto, a Cabot Plastics para pagamento de 10 609 844,08 euros de IVA, de 1 060 980 euros de coima, e de juros legais a partir de 21 de janeiro de 2017.
14 A Cabot Plastics, em 30 de março de 2018, interpôs recurso da Decisão de 19 de dezembro de 2017 no Tribunal de première instance de Liège (Tribunal de Primeira Instância de Liège, Bélgica). Por Sentença de 14 de janeiro de 2020, este último julgou o pedido parcialmente procedente, declarando que a Cabot Switzerland dispunha de um estabelecimento estável na Bélgica, mas anulando esta decisão no que respeita à injunção de pagamento da coima.
15 Em 11 de setembro de 2020, a Cabot Plastics interpôs recurso dessa decisão na cour d’appel de Liège (Tribunal de Recurso de Liège, Bélgica), o órgão jurisdicional de reenvio. Pede que este tribunal anule a referida decisão, declare que não é devedora do IVA imputado e condene o Estado belga no reembolso de todas as quantias indevidamente cobradas ou retidas, acrescidas dos juros de mora.
16 A Cabot Plastics alega, perante o órgão jurisdicional de reenvio, que as prestações de serviços que faturou à Cabot Switzerland se localizaram, não na Bélgica, mas na Suíça, onde esta última sociedade dispunha da sede da sua atividade económica.
17 Por recurso subordinado, apresentado em 15 de janeiro de 2021, o Estado belga pede a anulação da decisão do tribunal de première instance de Liège (Tribunal de Primeira Instância de Liège) na parte relativa à coima aplicada à Cabot Plastics. Considera que a Cabot Switzerland dispõe de um estabelecimento estável na Bélgica, nas instalações da Cabot Plastics, pelo que as prestações de serviços efetuadas por esta última sociedade em benefício da primeira se localizam nesse Estado-Membro.
18 Em primeiro lugar, segundo o Estado belga, os recursos técnicos constitutivos desse estabelecimento estável são as fábricas, o centro de distribuição e os armazéns que são propriedade da Cabot Plastics, embora devam ser considerados disponibilizados à Cabot Switzerland ao abrigo do Acordo de 14 de fevereiro de 2012, que prevê que os equipamentos da Cabot Plastics apenas são utilizados em benefício da Cabot Switzerland, e sob a orientação desta, pelo que esta dispõe livremente deste material.
19 Em segundo lugar, quanto aos recursos humanos deste estabelecimento estável, o Estado belga considera que são constituídos pelo pessoal operacional da Cabot Plastics colocado à disposição da Cabot Switzerland, que permite a esta realizar vendas, nomeadamente, na Bélgica. Salienta também que este pessoal, para além de fabrico por encomenda, presta serviços complementares indispensáveis à Cabot Switzerland, como a receção das matérias-primas, o controlo de qualidade, a preparação das encomendas, o acondicionamento dos produtos acabados e a realização dos inventários.
20 Em terceiro lugar, no que respeita à possibilidade de receber e utilizar os serviços que são prestados para as necessidades próprias desse estabelecimento da Cabot Switzerland, o Estado belga considera que a estrutura disponibilizada a esta última pela Cabot Plastics lhe permite receber e utilizar os produtos resultantes do trabalho por encomenda, a fim de realizar as suas próprias entregas de bens na Bélgica, a partir do seu estabelecimento estável. Em quarto lugar, segundo o Estado belga, este estabelecimento tem um grau suficiente de permanência, devido precisamente à celebração do acordo de 14 de fevereiro de 2012.
21 O órgão jurisdicional de reenvio salienta que a Cabot Switzerland tem a sede da sua atividade económica na Suíça, pois é aí que se encontra a sua sede social e as suas instalações nas quais trabalham 47 funcionários, e que é nesse país que são tomadas as decisões estratégicas e de política geral da empresa, que são celebrados os diversos contratos e que o seu conselho de administração se reúne. Todavia, segundo este órgão jurisdicional, o facto de a sede da atividade económica da Cabot Switzerland se situar na Suíça não implica, ipso facto, que o lugar das prestações de serviços se situe nesse Estado, pois o artigo 44.° da Diretiva IVA prevê uma regra especial relativa à localização das prestações no caso de os serviços serem prestados a um estabelecimento estável do sujeito passivo num lugar diferente daquele onde este tem a sua sede.
22 Considera, além disso, que o Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre um caso suficientemente análogo ao caso em apreço, suscetível de dissipar todas as dúvidas quanto à interpretação a dar ao direito da União aplicável. Salienta, a este respeito, por um lado, que a Cabot Plastics é uma entidade juridicamente distinta da Cabot Switzerland, da qual não é uma filial, e, por outro, que a Autoridade Tributária entende a Cabot Plastics simultaneamente como um prestador de serviços e como constituindo os recursos humanos e técnicos da Cabot Switzerland.
23 O órgão jurisdicional de reenvio coloca-se portanto a questão de saber se um sujeito passivo dispõe de uma estrutura adequada, em termos de recursos próprios, constitutiva de um estabelecimento estável, quando estes últimos pertencem ao prestador que lhe fornece serviços, mas, ao abrigo de um contrato celebrado entre este sujeito passivo e este prestador, este último se compromete a afetar esses recursos, exclusivamente ou quase exclusivamente, à realização desses serviços. Em particular, tendo o Tribunal de Justiça considerado que uma estrutura sem pessoal próprio não pode ser qualificada de «estabelecimento estável» (Acórdão de 3 de junho de 2021, Titanium, C-931/19, EU:C:2021:446), este órgão jurisdicional pergunta-se se, nessas circunstâncias, o pessoal do prestador dos serviços em causa, que atua sob a orientação do beneficiário dos serviços em conformidade com um acordo que vincula as partes, pode ser considerado «próprio» deste último.
24 Para o órgão jurisdicional de reenvio importa, também, apurar quais as implicações que poderia ter sobre a identificação de um estabelecimento estável da Cabot Switzerland na Bélgica a realização por esta sociedade de entregas de bens neste país, graças aos recursos técnicos e humanos da Cabot Plastics.
25 Nestas condições, a cour d’appel de Liège (Tribunal de Recurso de Liège, Bélgica) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Em caso de prestações de serviços efetuadas por um sujeito passivo estabelecido num Estado-Membro a favor de outro sujeito passivo agindo nessa qualidade, cuja sede da atividade económica está situada fora da União Europeia, quando as entidades são distintas e juridicamente independentes, mas fazem parte do mesmo grupo, o prestador de serviços se compromete contratualmente a utilizar os seus equipamentos e o seu pessoal apenas para o fabrico de produtos a favor do beneficiário dos serviços e esses produtos são posteriormente vendidos por esse beneficiário, dando lugar a entregas de bens tributáveis, para a execução das quais o prestador faculta um apoio logístico e que se situam no Estado-Membro em questão, devem o artigo 44.° da Diretiva [IVA], e o artigo 11.° do Regulamento de Execução [n.° 282/2011] ser interpretados no sentido de que se deve considerar que o sujeito passivo estabelecido fora da União [...] dispõe de um estabelecimento estável nesse Estado-Membro?
2) Devem o artigo 44.° da Diretiva [IVA] e o artigo 11.° do Regulamento de Execução [n.° 282/2011], ser interpretados no sentido de que um sujeito passivo pode dispor de um estabelecimento estável quando os recursos humanos e técnicos exigidos são os do seu prestador de serviços, que é juridicamente independente mas faz parte do mesmo grupo, o qual se compromete contratualmente, a título exclusivo, a utilizá-los em benefício do referido sujeito passivo?
3) Devem o artigo 44.° da Diretiva [IVA] e o artigo 11.° do Regulamento de Execução [n.° 282/2011], ser interpretados no sentido de que um sujeito passivo dispõe de um estabelecimento estável no Estado-Membro do seu prestador de serviços pelo facto de este último realizar em seu benefício, em cumprimento de um contrato de exclusividade, um conjunto de serviços acessórios ou suplementares relativamente a um trabalho por encomenda em sentido estrito, contribuindo assim para a realização das vendas efetuadas por esse sujeito passivo a partir da sua sede localizada fora da União [...], mas que dão lugar a entregas de bens tributáveis efetuadas, por força da legislação sobre o IVA, no território do referido Estado-Membro?»
Quanto às questões prejudiciais
26 Com as suas questões, que há que analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 44.° da Diretiva IVA e o artigo 11.° do Regulamento de Execução n.° 282/2011 devem ser interpretados no sentido de que um sujeito passivo destinatário de serviços, que tem a sede da sua atividade económica fora da União Europeia, dispõe de um estabelecimento estável no Estado-Membro em que está estabelecido o prestador dos serviços em causa, juridicamente distinto desse destinatário, quando o sujeito passivo prestador de serviços realiza em benefício desse sujeito passivo destinatário, em execução de um compromisso contratual exclusivo, essas prestações e uma série de prestações acessórias ou suplementares, que contribuem para a atividade económica do sujeito passivo destinatário nesse Estado-Membro, pertencendo os recursos humanos e técnicos do eventual estabelecimento estável ao prestador de serviços.
27 O artigo 44.° da Diretiva IVA dispõe que o lugar das prestações de serviços efetuadas a um sujeito passivo agindo nessa qualidade é o lugar onde esse sujeito passivo tem a sede da sua atividade económica. No entanto, se esses serviços forem prestados a um estabelecimento estável do sujeito passivo situado num lugar diferente, o lugar das prestações desses serviços é o lugar onde está situado o estabelecimento estável.
28 O artigo 44.° da Diretiva IVA é uma norma que determina o lugar da tributação das prestações de serviços, designando de maneira uniforme o lugar de conexão fiscal. Tem por objetivo evitar, por um lado, conflitos de competência suscetíveis de conduzir a duplas tributações e, por outro, a não tributação de receitas (v., neste sentido, nomeadamente, Acórdão de 16 de outubro de 2014, Welmory, C-605/12, EU:C:2014:2298, n.os 42, 50 e 51).
29 O legislador da União considerou ponto de conexão a título principal, no que respeita ao lugar da prestação de serviços fornecida a um sujeito passivo, a sede da sua atividade económica, porque oferece, enquanto critério objetivo, simples e prático, uma grande segurança jurídica. Em contrapartida, a conexão ao estabelecimento estável do sujeito passivo, prevista no artigo 44.°, segundo período, da Diretiva IVA, é uma conexão secundária que constitui uma derrogação à regra geral, tomada em conta desde que certas condições estejam preenchidas (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de outubro de 2014, Welmory, C-605/12, EU:C:2014:2298, n.os 53 a 56; de 7 de agosto de 2018, TGE Gas Engineering, C-16/17, EU:C:2018:647, n.° 49; e de 7 de abril de 2022, Berlin Chemie A. Menarini, C-333/20, EU:C:2022:291, n.° 29).
30 Assim, como o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente no n.° 53 do Acórdão de 16 de outubro de 2014, Welmory (C-601/12, EU:C:2014:2298), a tomada em consideração de outro estabelecimento que não a sede da atividade económica só tem interesse no caso de essa sede não levar a uma solução racional ou criar um conflito com outro Estado-Membro porque, como resulta do n.° 55 desse acórdão, a presunção de que as prestações de serviços são efetuadas no local em que o sujeito passivo destinatário estabeleceu a sede da sua atividade económica permite evitar que tanto as autoridades competentes dos Estados-Membros como os prestadores de serviços efetuem investigações complicadas com vista à determinação do ponto de conexão fiscal.
31 No que respeita ao conceito de «estabelecimento estável» na aceção do artigo 44.° da Diretiva IVA, este designa, em conformidade com o artigo 11.° do Regulamento de Execução n.° 282/2011, qualquer estabelecimento, diferente da sede da atividade económica, caracterizado por um grau suficiente de permanência e uma estrutura adequada, em termos de recursos humanos e técnicos, que lhe permitam receber e utilizar os serviços que são prestados para as necessidades próprias desse estabelecimento (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de outubro de 2014, Welmory, C-605/12, EU:C:2014:2298, n.° 58, e de 7 de abril de 2022, Berlin Chemie A. Menarini, C-333/20, EU:C:2022:291, n.° 31). De onde resulta que, como o Tribunal de Justiça precisou no n.° 59 do Acórdão de 16 de outubro de 2014, Welmory (C-605/12, EU:C:2014:2298), para que se considere que dispõe de um estabelecimento estável num Estado-Membro no qual lhe são prestados os serviços em causa, uma sociedade deve aí dispor de uma estrutura suficientemente permanente e apta a permitir-lhe receber esses serviços e utilizá-los para efeitos da sua atividade económica.
32 Há que salientar, além disso, que a questão de saber se existe um estabelecimento estável, na aceção do referido artigo 44.°, segundo período, da Diretiva IVA deve ser analisada não em função do sujeito passivo prestador de serviços, mas do sujeito passivo destinatário a quem os serviços são prestados (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2022, Berlin Chemie A. Menarini, C-333/20, EU:C:2022:291, n.° 30).
33 Importa portanto apreciar se, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, se pode considerar que um sujeito passivo destinatário de serviços dispõe, de maneira suficientemente permanente e adequada, de recursos humanos e técnicos no Estado-Membro em que são efetuadas as prestações dos serviços e, sendo caso disso, se esses recursos lhe permitem efetivamente aí receber e utilizar esses serviços.
34 Em particular, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre a incidência, a este propósito, do facto, em primeiro lugar, de o prestador e o destinatário de serviços serem entidades juridicamente independentes, mas pertencentes ao mesmo grupo de sociedades, em segundo, de os recursos humanos e técnicos em causa pertencerem ao prestador de serviços e, em terceiro, de este se comprometer contratualmente a utilizar o seu equipamento e o seu pessoal exclusivamente para as prestações de serviços, no caso em apreço o trabalho por encomenda, e de esse prestador efetuar, em aplicação também desse compromisso exclusivo, uma série de prestações acessórias ou suplementares relativamente a essas primeiras prestações, prestando, nomeadamente, ajuda logística, contribuindo para a atividade económica do destinatário, que dá lugar a entregas de bens tributáveis no Estado-Membro onde se situa o eventual estabelecimento estável deste último.
35 No que respeita, em primeiro lugar, à estrutura adequada de um estabelecimento estável em termos de recursos humanos e técnicos, o Tribunal de Justiça declarou que uma estrutura que se materializa através de tais recursos não pode ter uma existência apenas pontual. Embora não seja necessário possuir os recursos humanos ou técnicos próprios noutro Estado-Membro, é, em contrapartida, necessário que esse sujeito passivo tenha o poder de dispor desses recursos humanos e técnicos como se fossem seus, com base, por exemplo, em contratos de serviços ou de locação que põem esses recursos à sua disposição e que não podem ser resolvidos a curto prazo. (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2022, Berlin Chemie A. Menarini, C-333/20, EU:C:2022:291, n.os 37 e 41).
36 No que respeita ao facto de o prestador e o destinatário dos serviços estarem ligados e, em particular, de as sociedades em causa no processo principal pertencerem ao mesmo grupo, ainda que sendo juridicamente independentes uma da outra, há que recordar que o Tribunal de Justiça declarou que a qualificação de «estabelecimento estável», que deve ser apreciada atendendo à realidade económica e comercial, não pode depender unicamente do estatuto jurídico da entidade em causa, e que o facto de uma sociedade possuir uma filial num Estado-Membro não significa em si que tem também aí o seu estabelecimento estável (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2022, Berlin Chemie A. Menarini, C-333/20, EU:C:2022:291, n.os 38 e 40 e jurisprudência referida).
37 No que respeita à circunstância segundo a qual o sujeito passivo prestador de serviços se compromete contratualmente a utilizar os seus equipamentos e o seu pessoal exclusivamente para as prestações de serviços em causa, resulta da jurisprudência do tribunal de Justiça que uma pessoa coletiva, mesmo que tenha um único cliente, deve utilizar os recursos técnicos e humanos de que dispõe para as suas próprias necessidades. Portanto, só no caso de se demonstrar que, em razão das disposições contratuais aplicáveis, uma sociedade destinatária de serviços dispunha de recursos do seu prestador como se fossem os seus é que poderia considerar-se que dispõe de uma estrutura com um grau suficiente de permanência e adequada, em termos de recursos humanos e técnicos, no Estado-Membro em que está estabelecido o seu prestador (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2022, Berlin Chemie A. Menarini, C-333/20, EU:C:2022:291, n.° 48).
38 Assim, o facto de, no processo principal, os recursos humanos e técnicos em causa pertencerem não à Cabot Switzerland, mas à Cabot Plastics, não exclui, enquanto, tal, a possibilidade de essa primeira sociedade ter um estabelecimento estável na Bélgica, desde que aí disponha de um acesso imediato e permanente a esses recursos como se se tratasse dos seus próprios recursos. A este propósito, podem ser tidos em conta, sem ser determinantes em si, nomeadamente, as circunstâncias de, como resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, a Cabot Plastics se ter comprometido a utilizar os seus próprios equipamentos exclusivamente para a produção dos produtos referidos pelo acordo celebrado com a Cabot Switzerland, esse acordo estar em vigor desde 2012, e essas prestações constituírem a quase totalidade do volume de negócios dessa primeira sociedade.
39 No entanto, como indicou a Comissão Europeia nas suas observações escritas, uma vez que o prestador dos serviços em causa continua responsável pelos seus próprios recursos e efetua essas prestações por sua própria conta e risco, o contrato de prestações de serviços, ainda que exclusivo, não tem por efeito, em si, que os recursos desse prestador se tornem os do seu cliente.
40 Tratando-se, em segundo lugar, do critério, também previsto no artigo 11.° do Regulamento de Execução n.° 282/2011, segundo o qual os recursos humanos e técnicos de um estabelecimento estável devem permitir-lhe receber serviços e utilizá-los para as suas necessidades próprias, importa, antes de mais, distinguir as prestações de serviços de trabalho por encomenda efetuadas pela Cabot Plastics à Cabot Switzerland da venda por esta última sociedade dos bens resultantes desse trabalho. Estas prestações e estas vendas constituem, com efeito, operações distintas, sujeitas a regimes de IVA diferentes (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2022, Berlin Chemie A. Menarini, C-333/20, EU:C:2022:291, n.° 52 e jurisprudência referida). Assim, para efeitos da determinação do lugar em que essas prestações são recebidas pela Cabot Switzerland, há que identificar o lugar em que se situam os recursos humanos e técnicos que essa sociedade utiliza para esse fim, e não aquele onde se situam os recursos que utiliza para a sua atividade de venda.
41 Em seguida, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os mesmos recursos não podem ser utilizados, ao mesmo tempo, para prestar e para receber esses mesmos serviços (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2022, Berlin Chemie A. Menarini, C-333/20, EU:C:2022:291, n.° 54). Ora, no caso em apreço, sob reserva da apreciação do órgão jurisdicional de reenvio, não resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que seja possível distinguir os recursos utilizados pela Cabot Plastics para as suas prestações de trabalho por encomenda dos que são, segundo a Autoridade Tributária, utilizados pela Cabot Switzerland para receber essas prestações na Bélgica, no seu alegado estabelecimento estável, que é, aliás, segundo esta Autoridade, constituído apenas pelos recursos pertencentes à Cabot Plastics.
42 O órgão jurisdicional de reenvio interroga-se, ainda, sobre a incidência que pode ter, para determinar o lugar das prestações de serviços de trabalho por encomenda em causa no processo principal, a circunstância de o prestador efetuar, em aplicação também do contrato exclusivo celebrado com o destinatário dessas prestações, uma série de prestações, que este órgão jurisdicional qualifica de «acessórias» ou de «suplementares» em relação ao trabalho por encomenda, ou seja, a gestão do stock das matérias-primas, o seu inventário no fim do ano, o controlo de qualidade, a gestão do stock dos produtos acabados e a preparação das encomendas antes do envio. O órgão jurisdicional de reenvio indica que a Cabot Plastics presta à Cabot Switzerland uma ajuda logística, contribuindo assim para a sua atividade económica, dando lugar, nomeadamente, a entregas de bens tributados na Bélgica onde se situa, segundo a Autoridade Tributária, o estabelecimento estável desta última sociedade.
43 Como resulta do n.° 40 do presente acórdão, importa distinguir, tratando-se da questão de saber se um sujeito passivo destinatário de serviços os recebe no seu estabelecimento estável, por um lado, a prestação desses serviços e a aptidão desse sujeito destinatário para os receber nesse estabelecimento e, por outro, as operações que esse sujeito passivo efetua ele próprio no âmbito da sua atividade económica, como no caso em apreço a venda dos bens resultantes do trabalho por encomenda. De onde resulta que o facto de o prestador de serviços fornecer ao destinatário dos mesmos também as prestações acessórias referidas, facilitando assim a atividade económica desse destinatário, como a venda de produtos resultantes do trabalho por encomenda, não tem incidência na questão da existência de um estabelecimento estável do referido destinatário.
44 Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o facto de as atividades económicas de sociedades contratualmente vinculadas por uma convenção de prestações de serviços constituírem um todo económico e de os resultados dessas atividades beneficiarem essencialmente consumidores do Estado-Membro em que o prestador de serviços tem a sua sede não é pertinente para determinar se o destinatário desses serviços possui um estabelecimento estável nesse Estado-Membro (v., neste sentido, Acórdão de 16 de outubro de 2014, Welmory, C-605/12, EU:C:2014:2298, n.° 64). O Tribunal de Justiça também decidiu que não constitui um estabelecimento estável uma instalação fixa utilizada unicamente para efeitos do exercício das atividades com caráter preparatório ou auxiliar em relação à atividade económica do destinatário dos serviços em causa (Acórdão de 28 de junho de 2007, Planzer, C-73/06, EU:C:2007:397, n.° 56).
45 Atendendo aos elementos precedentes e sob reserva das verificações do órgão jurisdicional de reenvio, afigura-se que as prestações de serviços de trabalho por encomenda em causa no processo principal são recebidas e utilizadas pela Cabot Switzerland, para a sua atividade económica de venda dos bens resultantes desses serviços, na Suíça, uma vez que esta sociedade não dispõe na Bélgica de uma estrutura adequada para esse efeito.
46 À luz de tudo o que precede, há que responder às questões submetidas que o artigo 44.° da Diretiva IVA e o artigo 11.° do Regulamento de Execução n.° 282/2011 devem ser interpretados no sentido de que um sujeito passivo destinatário de serviços, que tem a sede da sua atividade económica fora da União, não dispõe de um estabelecimento estável no Estado-Membro em que está estabelecido o prestador dos serviços em causa, juridicamente distinto desse destinatário, quando não dispõe aí de uma estrutura adequada em termos de recursos humanos e técnicos que possa constituir esse estabelecimento estável, mesmo quando o sujeito prestador de serviços efetua em benefício desse sujeito passivo destinatário, em execução de um compromisso contratual exclusivo, prestações de trabalho por encomenda e uma série de prestações acessórias ou suplementares, contribuindo para a atividade económica do sujeito passivo destinatário nesse Estado-Membro.
Quanto às despesas
47 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:
O artigo 44.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2008/8/CE do Conselho, de 12 de fevereiro de 2008, e o artigo 11.° do Regulamento de Execução (UE) n.° 282/2011 do Conselho, de 15 de março de 2011, que estabelece medidas de aplicação da Diretiva 2006/112,
devem ser interpretados no sentido de que:
um sujeito passivo destinatário de serviços, que tem a sede da sua atividade económica fora da União Europeia, não dispõe de um estabelecimento estável no Estado-Membro em que está estabelecido o prestador dos serviços em causa, juridicamente distinto desse destinatário, quando não dispõe aí de uma estrutura adequada em termos de recursos humanos e técnicos que possa constituir esse estabelecimento estável, mesmo quando o sujeito prestador de serviços efetua em benefício desse sujeito passivo destinatário, em execução de um compromisso contratual exclusivo, prestações de trabalho por encomenda e uma série de prestações acessórias ou suplementares, contribuindo para a atividade económica do sujeito passivo destinatário nesse Estado-Membro.
Assinaturas
* Língua do processo: francês.