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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

20 de abril de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial – Fiscalidade – Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – Diretiva 2006/112/CE – Artigos 14.°, 15.° e 24.° – Pontos de carregamento de veículos elétricos – Disponibilização de equipamento para o carregamento de veículos elétricos, fornecimento da eletricidade necessária e prestação de assistência técnica e serviços informáticos – Qualificação de “entrega de bens” ou de “prestação de serviços”»

No processo C-282/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia), por Decisão de 23 de fevereiro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de abril de 2022, no processo

Dyrektor Krajowej Informacji Skarbowej

contra

P. w W.,

sendo interveniente:

Rzecznik Małych i Średnich Przedsiębiorców,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: D. Gratsias (relator), presidente de secção, M. Ilešič e I. Jarukaitis, juízes,

advogada-geral: T. Ćapeta,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Dyrektor Krajowej Informacji Skarbowej, por B. Kołodziej, D. Pach e T. Wojciechowski,

–        em representação da Rzecznik Małych i Średnich Przedsiębiorców, por P. Chrupek, radca prawny,

–        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo checo, por O. Serdula, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e U. Małecka, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 14.°, n.° 1, e do artigo 24.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), conforme alterada pela Diretiva 2009/162/UE do Conselho, de 22 de dezembro de 2009 (JO 2010, L 10, p. 14) (a seguir «Diretiva 2006/112»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Dyrektor Krajowej Informacji Skarbowej (Diretor Nacional da Informação Fiscal, Polónia) (a seguir «Autoridade Tributária») à P. w W., a respeito de um pedido de anulação de uma informação vinculativa datada de 16 de maio de 2017 (a seguir «informação vinculativa»).

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2006/112

3        Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112:

«Estão sujeitas ao [Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)] as seguintes operações:

a)      As entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[...]

c)      As prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[...]»

4        O artigo 14.°, n.° 1, desta diretiva dispõe:

«Entende-se por “entrega de bens” a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.»

5        Nos termos do artigo 15.°, n.° 1, da referida diretiva:

«São equiparados a “bens corpóreos” a eletricidade, o gás, o calor ou o frio e similares.»

6        O artigo 24.°, n.° 1, desta diretiva prevê:

«Entende-se por “prestação de serviços” qualquer operação que não constitua uma entrega de bens.»

 Diretiva 2014/94/UE

7        Nos termos do artigo 4.°, n.° 8, da Diretiva 2014/94/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2014, relativa à criação de uma infraestrutura para combustíveis alternativos (JO 2014, L 307, p. 1):

«Os Estados-Membros asseguram que os operadores dos pontos de carregamento acessíveis ao público tenham a liberdade de adquirir eletricidade a qualquer fornecedor de eletricidade da União, sob reserva de acordo do fornecedor. Os operadores dos pontos de carregamento são autorizados a prestar serviços de carregamento de veículos elétricos a clientes numa base contratual, nomeadamente em nome de outros prestadores de serviços ou por conta destes.»

 Direito polaco

8        O artigo 7.°, n.° 1, da ustawa o podatku od towarów i usług (Lei relativa ao imposto sobre bens e serviços), de 11 de março de 2004 (Dz. U., n.° 54, posição 535), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei do IVA»), dispõe:

«Entende-se por entrega de bens, na aceção do artigo 5.°, n.° 1, ponto 1, a transferência do poder de dispor dos bens como proprietário [...]»

9        O artigo 8.°, n.° 1, da Lei do IVA prevê:

«Considera-se prestação de serviços, na aceção do artigo 5.°, n.° 1, ponto 1, qualquer prestação efetuada a favor de uma pessoa singular ou coletiva, ou de uma entidade sem personalidade jurídica, que não constitua uma entrega de bens na aceção do artigo 7.° […]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

10      A sociedade P. w W. pretende exercer uma atividade que consiste na instalação e na exploração de estações de carregamento de veículos elétricos abertas ao público. Essas estações são equipadas com os chamados carregadores «multistandards», que têm tanto conectores de carregamento rápido, em corrente contínua, como conectores de carregamento lento, em corrente alternada. A duração normal de carregamento de um veículo elétrico até 80 % da capacidade da bateria utilizando conectores de carregamento rápido é de cerca de 20 a 30 minutos. Por sua vez, o carregamento de um veículo utilizando conectores de carregamento lento é de cerca de 4 a 6 horas.

11      O preço cobrado aos utilizadores depende, nomeadamente, da duração de carregamento, expressa em horas para os conectores de carregamento lento, ou em minutos para os conectores de carregamento rápido, bem como do modelo de conector escolhido pelo utilizador em causa. Os pagamentos podem ser efetuados após cada sessão de carregamento ou no termo de um período de faturação acordado, sem excluir a possibilidade de criar um sistema que permita a aquisição de créditos, acumulados numa carteira digital, a utilizar para recarregar o veículo elétrico em causa.

12      A prestação efetuada em cada sessão de carregamento pode, em princípio, dependendo das necessidades do utilizador em questão, incluir as operações que consistem:

–        na disponibilização de equipamento para o carregamento (incluindo a integração do carregador no sistema operativo do veículo);

–        na garantia do fluxo de eletricidade com parâmetros adaptados à bateria do veículo elétrico;

–        na assistência técnica necessária.

13      A P. w W. tem igualmente a intenção de criar uma plataforma especializada, uma página na Internet ou uma aplicação informática, que permitam ao utilizador em causa reservar um determinado conector e consultar o histórico de transações e dos pagamentos efetuados.

14      Para todas essas prestações, a P. w W. faturaria um preço único.

15      A P. w W. pediu à autoridade tributária a emissão de uma informação vinculativa certificando que a atividade pretendida consistia numa «prestação de serviços», na aceção do artigo 8.° da Lei do IVA.

16      Na informação vinculativa, a autoridade tributária considerou que o fornecimento de eletricidade necessário para carregar um veículo elétrico devia ser considerado a prestação principal, enquanto os outros serviços prestados pela P. w W. deviam ser considerados acessórios. Daqui resulta que a disponibilização pela P. w W. de equipamentos que permitem o carregamento rápido dos veículos elétricos não deve ser considerada o elemento predominante da operação em causa e que o carregamento do veículo não tem uma importância secundária.

17      Na sequência de um recurso interposto pela P. w W., o Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie (Tribunal Administrativo do Voivodato de Varsóvia, Polónia), por Acórdão de 6 de junho de 2018, anulou a informação vinculativa. Segundo esse órgão jurisdicional, a principal intenção dos utilizadores de estações de carregamento é utilizar equipamentos que lhes permitam recarregar o seu veículo de maneira rápida e eficaz. Assim, do ponto de vista do utilizador em causa, a prestação principal consiste na disponibilização de uma estação de carregamento e na integração necessária do carregador no sistema operativo do veículo. O objetivo dessa operação não é fornecer eletricidade, mas sim colocar à disposição dos utilizadores em causa os equipamentos de carregamento sofisticados de que essas estações de carregamento estão equipadas.

18      Segundo o referido órgão jurisdicional, por um lado, se os utilizadores em causa apenas visassem a compra de eletricidade para os seus veículos elétricos, utilizariam a sua rede doméstica ou a do seu local de trabalho, em vez de recorrerem às estações públicas de carregamento. Optam por utilizar estas últimas unicamente devido aos seus conectores de diferentes padrões que permitem recarregar mais rápida e eficazmente as baterias dos veículos elétricos. Por outro lado, o preço não é calculado em função da energia consumida. Nestas condições, a atratividade da disponibilização de estações de carregamento desses veículos resulta principalmente da duração de carregamento e não do acesso à eletricidade enquanto tal.

19      Segundo o mesmo órgão jurisdicional, a prestação da P. w W. distingue-se da prestação das estações de serviço que fornecem combustíveis convencionais, uma vez que dá ênfase não ao tipo ou à qualidade dos combustíveis, que são idênticos em qualquer fornecedor, mas à rapidez e eficácia do carregamento, que dependem das características do equipamento disponibilizado aos utilizadores em causa.

20      A autoridade tributária interpôs no órgão jurisdicional de reenvio um recurso de cassação do acórdão do Wojewódzki Sąd Administracyjny w Warszawie (Tribunal Administrativo do Voivodato de Varsóvia), mencionado no n.° 17 do presente acórdão. Em apoio desse recurso, a autoridade tributária alega que, no que respeita à disponibilização, a título oneroso, de estações de carregamento de veículos elétricos, a prestação principal consiste numa entrega de bens, ou seja, a eletricidade.

21      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as três operações descritas no n.° 12 do presente acórdão estão estreitamente ligadas de tal modo que constituem uma operação complexa única. Em contrapartida, a criação de uma plataforma especializada, de uma página na Internet ou de uma aplicação informática, que permitem ao utilizador em causa reservar um determinado conector e consultar o histórico de transações e dos pagamentos efetuados, constitui uma prestação acessória que faz parte dessa operação complexa única e que visa facilitar aos consumidores o carregamento dos seus veículos.

22      Tendo em conta que a disponibilização de equipamentos de carregamento proposto aos clientes para garantir o fluxo da eletricidade com parâmetros devidamente adaptados à bateria do veículo não é um elemento acessório ao fornecimento de eletricidade, o órgão jurisdicional de reenvio considera que há que determinar o elemento predominante da prestação única descrita nos n.os 12 e 21 do presente acórdão. Neste contexto, esse órgão jurisdicional precisa que, segundo a P. w W., a decisão de recorrer aos serviços de uma determinada estação de carregamento pode ser ditada pela vontade de reduzir a duração necessária ao carregamento do veículo, a fim de poder prosseguir rapidamente uma viagem. Assim, do ponto de vista do utilizador em causa, não é tanto o preço da energia que é determinante, mas a disponibilização a uma infraestrutura especializada que garante uma duração mais curta da paragem na estação de carregamento.

23      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio observa que a utilização das estações de carregamento não constitui uma finalidade em si mesma, mas visa permitir o carregamento da bateria de um veículo elétrico. Assim, os utilizadores dessas estações podem optar entre pontos de carregamento rápido e pontos de carregamento lento, que escolhem não só em função da duração do carregamento, mas também tendo em conta as características da bateria do veículo. A disponibilização de equipamento de carregamento constitui, desta forma, o meio que permite beneficiar em melhores condições do fornecimento de eletricidade, que constitui a prestação preponderante.

24      No entanto, por um lado, o facto de o preço do carregamento incluir também uma taxa pelo estacionamento do veículo e, por outro, a referência, que figura no artigo 4.°, n.° 8, da Diretiva 2014/94, aos «serviços de carregamento de veículos elétricos» prestados pelos operadores de pontos de carregamento, inspiram dúvidas ao órgão jurisdicional de reenvio quanto à qualificação da prestação única em causa no processo principal de «entrega de bens» ou «prestação de serviços», na aceção da Diretiva 2006/112.

25      Nestas circunstâncias, o Naczelny Sąd Administracyjny (Supremo Tribunal Administrativo, Polónia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Uma prestação complexa, efetuada em pontos de carregamento, a utilizadores de veículos elétricos, que inclui:

a)      a disponibilização de equipamento para o carregamento (incluindo a integração do carregador no sistema operativo do veículo),

b)      a garantia do fluxo de eletricidade com parâmetros adaptados às baterias de um veículo elétrico,

c)      o apoio técnico necessário aos utilizadores dos veículos e

d)      a disponibilização aos utilizadores de uma plataforma especial, de uma página na Internet ou de uma aplicação [informática] para reservar um determinado conector, consultar o histórico de transações e os pagamentos efetuados, bem como a possibilidade de utilizar a chamada carteira eletrónica para pagar os montantes devidos pelas sessões de carregamento

constitui uma entrega de bens na aceção do artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva [2006/112] ou uma prestação de serviços na aceção do artigo 24.°, n.° 1, dessa diretiva?»

 Quanto à questão prejudicial

26      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que constitui uma «entrega de bens», na aceção do artigo 14.°, n.° 1, desta diretiva, ou uma «prestação de serviços», na aceção do seu artigo 24.°, n.° 1, uma prestação única e complexa que inclui:

–        a disponibilização de equipamentos para o carregamento de veículos elétricos (incluindo a integração do carregador no sistema operativo do veículo);

–        a garantia do fluxo de eletricidade com parâmetros devidamente adaptados às baterias desse veículo;

–        a assistência técnica necessária aos utilizadores em causa;

–        a disponibilização de aplicações informáticas que permitem ao utilizador em causa reservar um conector, consultar o histórico de transações e comprar créditos acumulados numa carteira digital e utilizar esta para pagar os carregamentos.

27      Há que salientar que, quando uma operação é constituída por um conjunto de elementos e de atos, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a respetiva operação, para determinar, por um lado, para efeitos de IVA, se se está em presença de duas ou mais prestações distintas ou de uma prestação única e, por outro, se, neste último caso, esta prestação única deve ser qualificada de entrega de bens ou de prestação de serviços [v. Acórdãos de 10 de março de 2011, Bog e o., C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09, EU:C:2011:135, n.° 52, e de 25 de março de 2021, Q-GmbH (Seguro de riscos especiais), C-907/19, EU:C:2021:237, n.° 19 e jurisprudência referida].

28      Em especial, decorre do artigo 1.°, n.° 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2006/112 que cada operação deve ser normalmente considerada distinta e independente, não devendo a operação constituída por uma só prestação no plano económico ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA. A este respeito, há que considerar que existe uma prestação única quando dois ou mais elementos ou atos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estão tão estreitamente ligados que formam, objetivamente, uma única prestação económica indissociável cuja decomposição revestiria caráter artificial [v., neste sentido, Acórdãos de 10 de março de 2011, Bog e o., C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09, EU:C:2011:135, n.° 53, e de 25 de março de 2021, Q-GmbH (Seguro de riscos especiais), C-907/19, EU:C:2021:237, n.° 20 e jurisprudência referida].

29      Além disso, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, suscetíveis de ser fornecidas separadamente e, de dar assim lugar, em cada caso, à tributação ou à isenção, devem ser consideradas uma operação única quando não sejam independentes (Acórdão de 2 de dezembro de 2010, Everything Everywhere, C-276/09, EU:C:2010:730, n.° 23).

30      Tal se verifica, nomeadamente, quando um ou vários elementos devem ser considerados uma prestação principal, ao passo que, pelo contrário, outros elementos devem ser considerados uma ou várias prestações acessórias que partilham do tratamento fiscal da prestação principal. Em especial, uma prestação deve ser considerada acessória a uma prestação principal quando constitua para a clientela, não uma finalidade em si mesma, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, da prestação principal (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de março de 2011, Bog e o., C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09, EU:C:2011:135, n.° 54, e de 4 de março de 2021, Frenetikexito, C-581/19, EU:C:2021:167, n.° 41).

31      No âmbito da cooperação instituída pelo artigo 267.° TFUE, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar se, nas circunstâncias do caso concreto, a prestação em causa constitui uma prestação única e fazer todas as apreciações de facto definitivas a esse respeito [v., neste sentido, Acórdãos de 10 de março de 2011, Bog e o., C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09, EU:C:2011:135, n.° 55, e de 25 de março de 2021, Q-GmbH (Seguro de riscos especiais), C-907/19, EU:C:2021:237, n.os 25 e 26 e jurisprudência referida].

32      O processo principal tem por objeto uma combinação de operações que consiste no fornecimento de eletricidade para efeitos do carregamento de veículos elétricos e na prestação de diferentes serviços, como a organização do acesso a pontos de carregamento e a facilitação da sua utilização, a assistência técnica necessária e as aplicações informáticas que permitem a reserva de um conector, o acompanhamento das operações e o pagamento destas últimas. O órgão jurisdicional de reenvio considera que a entrega e o fornecimento em questão constituem uma operação única para efeitos de IVA. Tendo em conta os elementos de informação de que o Tribunal de Justiça dispõe, não se afigura que essa qualificação viole um dos critérios enunciados nos n.os 27 a 30 do presente acórdão.

33      No que respeita ao conceito de «entrega de bens», na aceção da Diretiva 2006/112, o seu artigo 14.°, n.° 1, dispõe que por tal se entende a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário. Este conceito inclui qualquer operação de transferência de um bem corpóreo por uma parte que confira à outra parte o poder de dispor desse bem como se fosse o seu proprietário (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de março de 2011, Bog e o., C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09, EU:C:2011:135, n.° 59, e de 23 de abril de 2020, Herst, C-401/18, EU:C:2020:295, n.° 36 e jurisprudência referida). Além disso, por força do artigo 15.°, n.° 1, desta diretiva, a eletricidade é equiparada a um bem corpóreo.

34      Quanto ao conceito de «prestação de serviços», na aceção da Diretiva 2006/112, resulta do seu artigo 24.°, n.° 1, que abrange qualquer operação que não constitua uma «entrega de bens», na aceção do artigo 14.° desta diretiva.

35      Para determinar se uma prestação complexa única, como a que está em causa no processo principal, deve ser qualificada de «entrega de bens» ou de «prestação de serviços», na aceção da referida diretiva, há que tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a respetiva operação para procurar os seus elementos característicos e identificar os seus elementos predominantes. Os elementos em questão devem ser determinados com base no ponto de vista do consumidor médio dos pontos de recarregamento e tendo em conta, numa apreciação de conjunto, a importância qualitativa, e não simplesmente quantitativa, dos elementos da prestação de serviços face aos de uma entrega de bens (v., neste sentido, Acórdão de 10 de março de 2011, Bog e o., C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09, EU:C:2011:135, n.os 61 e 62 e jurisprudência referida).

36      Assim, por um lado, a referência, que figura no artigo 4.°, n.° 8, da Diretiva 2014/94, a «serviços de carregamento de veículos elétricos» não prejudica a qualificação da operação em causa no processo principal de «entrega de bens» ou de «prestação de serviços», na aceção da Diretiva 2006/112. Com efeito, segundo o artigo 1.° da Diretiva 2014/94, esta última tem por objeto estabelecer requisitos mínimos para a implantação da infraestrutura de combustíveis alternativos, incluindo pontos de carregamento de veículos elétricos. Deste modo, não tem por objeto estabelecer qualquer regra a respeito do tratamento, do ponto de vista do IVA, do abastecimento de combustível alternativo.

37      Por outro lado, uma vez que a comercialização de um bem é sempre acompanhada de uma prestação de serviços mínima, só os serviços diferentes dos necessariamente associados à comercialização desse bem podem ser tidos em conta para determinar a parte que a prestação de serviços representa no conjunto de uma transação complexa que inclui também a entrega do referido bem (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de março de 2011, Bog e o., C-497/09, C-499/09, C-501/09 e C-502/09, EU:C:2011:135, n.° 63, e de 22 de abril de 2021, Dyrektor Izby Administracji Skarbowej w Katowicach, C-703/19, EU:C:2021:314, n.° 50).

38      A este respeito, em primeiro lugar, a operação que consiste na garantia do fluxo de eletricidade para a bateria do veículo elétrico constitui uma entrega de bens na medida em que esta operação permite ao utilizador da estação de carregamento consumir, para efeitos da propulsão do seu veículo, a eletricidade transferida, que, por força do artigo 15.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112, é equiparada a um bem corpóreo.

39      Em segundo lugar, esse abastecimento de eletricidade na bateria de um veículo elétrico pressupõe a utilização de equipamento de carregamento adequado, que pode incluir um carregador a integrar no sistema operativo do veículo. Por conseguinte, a disponibilização desse equipamento constitui uma prestação de serviços mínima que acompanha necessariamente o fornecimento de eletricidade e não pode, por isso, ser tida em conta para apreciar a parte que a prestação de serviços ocupa no todo de uma operação complexa que inclui igualmente esse fornecimento de eletricidade.

40      Em terceiro lugar, a assistência técnica que pode ser necessária aos utilizadores em causa não constitui, por sua vez, uma finalidade em si mesma, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, do fornecimento da eletricidade necessária à propulsão do veículo elétrico. Por conseguinte, constitui uma prestação acessória em relação a esse fornecimento de eletricidade.

41      É igualmente o caso da disponibilização de aplicações informáticas que permitem ao utilizador em causa reservar um conector, consultar o histórico de transações e comprar créditos para efeitos do pagamento dos carregamentos. Com efeito, tais prestações conferem a esse utilizador certas facilidades práticas adicionais que têm por único objetivo melhorar a transferência da eletricidade necessária ao carregamento do seu veículo e conceder uma visão geral das transações efetuadas no passado.

42      Daqui resulta que, em princípio, a transferência de eletricidade constitui o elemento característico e predominante da prestação única e complexa relativamente à qual o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça.

43      Esta conclusão não é posta em causa pela circunstância referida por esse órgão jurisdicional, de que, para calcular o montante devido pelo carregamento de um veículo elétrico, se pode ter em conta não só a quantidade da eletricidade transferida, mas também uma taxa pelo tempo de paragem durante esse carregamento. Em especial, tal implica simplesmente que o preço unitário do bem entregue, ou seja, a eletricidade, é composto não só pelo custo desta enquanto tal, mas também pelo tempo de utilização dos equipamentos disponibilizados aos utilizadores em causa.

44      A conclusão exposta no n.° 42 do presente acórdão também não é infirmada quando o operador em causa calcula o preço apenas com base na duração do carregamento. Com efeito, tendo em conta o facto de a quantidade de eletricidade fornecida depender da potência transferida durante o tempo dessa transferência, esse cálculo reflete, também ele, o preço unitário dessa eletricidade.

45      Do mesmo modo, o simples facto de o preço unitário de um carregamento rápido, em corrente contínua, ser marginalmente mais elevado do que o de um carregamento lento, em corrente alternada, não basta para erigir, do ponto de vista do utilizador em causa, a rapidez e a eficácia desse carregamento a elemento característico e predominante da operação em causa.

46      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à questão submetida, que a Diretiva 2006/112 deve ser interpretada no sentido de que constitui uma «entrega de bens», na aceção do artigo 14.°, n.° 1, desta diretiva, uma prestação única e complexa que inclui:

–        a disponibilização de equipamentos para o carregamento de veículos elétricos (incluindo a integração do carregador no sistema operativo do veículo);

–        a garantia do fluxo de eletricidade com parâmetros adaptados às baterias desse veículo,

–        a assistência técnica necessária aos utilizadores em causa, e

–        a disponibilização de aplicações informáticas que permitem ao utilizador em causa reservar um conector, consultar o histórico de transações, comprar créditos acumulados numa carteira digital e utilizar esta para pagar os carregamentos.

 Quanto às despesas

47      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, conforme alterada pela Diretiva 2009/162/UE do Conselho, de 22 de dezembro de 2009,

deve ser interpretada no sentido de que:

constitui uma «entrega de bens», na aceção do artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva 2006/112, conforme alterada, uma prestação única e complexa que inclui:

–        a disponibilização de equipamentos para o carregamento de veículos elétricos (incluindo a integração do carregador no sistema operativo do veículo);

–        a garantia do fluxo de eletricidade com parâmetros adaptados às baterias desse veículo,

–        a assistência técnica necessária aos utilizadores em causa, e

–        a disponibilização de aplicações informáticas que permitem ao utilizador em causa reservar um conector, consultar o histórico de transações, comprar créditos acumulados numa carteira digital e utilizar esta para pagar os carregamentos.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.