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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

17 de maio de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial – Diretiva 2006/112/CE – Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) – Obrigações de declaração e de pagamento do IVA – Artigo 273.° – Sanções previstas em caso de incumprimento das obrigações pelo sujeito passivo – Princípios da proporcionalidade e da neutralidade do IVA – Direito à dedução do IVA – Compatibilidade das sanções»

No processo C-418/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo tribunal de première instance du Luxembourg (Tribunal de Primeira Instância do Luxemburgo, Bélgica), por Decisão de 8 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 21 de junho de 2022, no processo

SA CEZAM

contra

État belge

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: L. S. Rossi, presidente de secção, J.-C. Bonichot (relator) e S. Rodin, juízes,

advogado-geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo belga, por P. Cottin, J.-C. Halleux e C. Pochet, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por S. Delaude e J. Jokubauskaitė, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 62.°, ponto 2, dos artigos 63.°, 167.°, 206.°, 250.° e 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), bem como dos princípios da proporcionalidade e da neutralidade fiscal.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a SA CEZAM ao État belge (Estado belga) a respeito de várias decisões adotadas pela Administração Fiscal belga que aplicam coimas a esta sociedade por violação da regulamentação relativa ao imposto sobre o valor acrescentado (IVA).

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O artigo 62.°, ponto 2 da Diretiva 2006/112 dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

[...]

2)      “Exigibilidade do imposto”, o direito que o fisco pode fazer valer nos termos da lei, a partir de um determinado momento, face ao devedor, relativamente ao pagamento do imposto, ainda que o pagamento possa ser diferido.»

4        O artigo 63.° desta diretiva prevê:

«O facto gerador do imposto ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que é efetuada a entrega de bens ou a prestação de serviços.»

5        O artigo 167.° da referida diretiva tem a seguinte redação:

«O direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível.»

6        O artigo 203.° da mesma diretiva dispõe:

«O IVA é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa fatura.»

7        O artigo 206.° da Diretiva 2006/112 prevê:

«Os sujeitos passivos que sejam devedores do imposto devem pagar o montante líquido do IVA no momento da apresentação da declaração de IVA prevista no artigo 250.° Contudo, os Estados-Membros podem fixar outro prazo para o pagamento desse montante ou cobrar adiantamentos provisórios.»

8        O artigo 250.°, n.° 1, desta diretiva tem a seguinte redação:

«Os sujeitos passivos devem apresentar uma declaração de IVA da qual constem todos os dados necessários para o apuramento do montante do imposto exigível e do montante das deduções a efetuar, incluindo, na medida em que tal seja necessário para o apuramento do valor tributável, o montante global das operações relativas a esse imposto e a essas deduções, bem como o montante das operações isentas.»

9        O artigo 273.°, primeiro parágrafo, da Diretiva 2006/112 dispõe:

«Os Estados-Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados-Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.»

 Direito belga

10      O artigo 53.°, n.° 1, da loi du 3 juillet 1969, créant le code de la taxe sur la valeur ajoutée (Lei de 3 de julho de 1969, que cria o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (Moniteur belge de 17 de julho de 1969, p. 7046), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Código do IVA»), prevê:

«O sujeito passivo, com exclusão daquele que não tem direito à dedução, deve cumprir as seguintes obrigações:

[...]

2       apresentar, mensalmente uma declaração em que indique:

a)      o montante das operações a que se refere o presente código que tenha efetuado ou que lhe tenham sido fornecidas no mês anterior no âmbito da sua atividade económica;

b)      o montante do imposto exigível, das deduções a efetuar e das regularizações a efetuar

[...]

3       pagar o imposto devido no prazo fixado para a apresentação da sua declaração prevista no ponto 2.°, [...]».

11      Nos termos do artigo 70.°, n.° 1, desse código:

«Qualquer infração incumprimento da obrigação de pagar o imposto será punida com uma coima igual ao dobro do imposto não pago ou pago tardiamente.

[...]»

12      O artigo 1.° do arrêté royal no 41, du 30 janvier 1987, fixant le montant des amendes fiscales proportionnelles en matière de TVA (Decreto Real n.° 41, de 30 de janeiro de 1987, que fixa o montante das coimas fiscais proporcionais em matéria de IVA) (Moniteur belge de 7 de fevereiro de 1987, p. 1709, a seguir «Decreto Real n.° 41»), dispõe:

«A escala de redução das coimas fiscais proporcionais em matéria de imposto sobre o valor acrescentado é fixada:

1.° [...] para as infrações cometidas após 31 de outubro de 1993, no quadro G do anexo ao presente decreto, em caso de infrações previstas no artigo 70.°, [n.° 1], do [Código do IVA];

[...]»

13      O artigo 1.°, segundo parágrafo, desse decreto prevê que «a escala de redução prevista nos quadros A a J do anexo ao presente decreto não é aplicável em caso de infrações cometidas com a intenção de evitar ou de permitir evitar o pagamento do imposto».

14      O anexo do Decreto Real n.° 41 contém um «quadro G», com a epígrafe «Coimas aplicáveis às infrações referidas no artigo 70.°, [n.° 1, do Código do IVA]». A sua rubrica V, com a epígrafe «Inexatidões detetadas durante a fiscalização da contabilidade quanto ao seu conteúdo», prevê, no caso de «operações tributáveis que não tenham sido inscritas, no todo ou em parte, ou que tenham sido inscritas tardiamente na declaração prevista para esse efeito», a aplicação de uma coima fixa de 10 % do imposto devido quando «[o] montante dos impostos devidos por um período fiscalizado de um ano» for «inferior ou igual a 1 250,00 euros» e de uma coima fixa de 20 % do imposto devido quando esse montante for «superior a 1 250,00 euros».

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      Por petição de 15 de maio de 2018, a CEZAM, uma sociedade com sede na Bélgica e que opera no setor da marcenaria e do envidraçamento interpôs recurso para o tribunal de première instance du Luxembourg (Tribunal de Primeira Instância do Luxemburgo, Bélgica), que é o órgão jurisdicional de reenvio, de três decisões da Administração Fiscal belga notificadas, respetivamente, em janeiro e março de 2018, mediante as quais foram aplicadas a essa sociedade, nomeadamente coimas fiscais.

16      A este respeito, é pacífico que, a partir de junho de 2013, a CEZAM não apresentou declarações periódicas de IVA e que a Administração Fiscal belga levantou, primeiro, um auto de tributação relativo ao ano de 2013 que notificou à CEZAM. Em seguida, em agosto de 2016, foi levada a cabo uma fiscalização à sua contabilidade. Na falta de declarações periódicas de IVA relativas aos anos de 2014 e 2015, a Administração Fiscal belga procedeu a uma liquidação oficiosa relativa a esses anos. Por último, ao verificar, em 2017, que a CEZAM não tinha apresentado todas as declarações periódicas exigidas e não tinha pago o IVA devido, a Administração Fiscal belga adotou, em 2018, as três decisões mencionadas no n.° 15 do presente acórdão.

17      A CEZAM justifica a falta de declarações pelo facto de a Administração Fiscal belga lhe ter recusado um plano de liquidação das dívidas de IVA. Contesta, nomeadamente, o montante das coimas, correspondente a 20 % do montante do IVA que seria devido antes da imputação do IVA dedutível. Para efeitos do cálculo das coimas, a referida administração deveria ter tido em conta o montante do IVA que lhe devia ser efetivamente pago, isto é, o montante após imputação do IVA dedutível. A abordagem seguida no caso em apreço pela referida administração viola o direito à dedução do IVA pago a montante e o princípio da neutralidade fiscal.

18      Quanto a este último aspeto, a CEZAM invoca os Acórdãos de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean (C-183/14, EU:C:2015:454), e de 8 de maio de 2019, EN.SA. (C-712/17, EU:C:2019:374), e defende, nomeadamente, que o princípio da proporcionalidade obriga os Estados-Membros a não aplicar uma coima de montante igual ao IVA dedutível, na medida em que essa coima esvaziaria de substância o direito à dedução.

19      O Estado belga sustenta que a solução adotada no Acórdão de 8 de maio de 2019, EN.SA. (C-712/17, EU:C:2019:374), não pode ser transposta para o litígio submetido ao órgão jurisdicional Com efeito, esse acórdão dizia respeito a uma situação em que, apesar da inexistência de operações tributáveis, foram emitidas faturas que mencionavam o IVA. O emitente das mesmas pagou o IVA e eliminou qualquer risco de perda de receitas fiscais. Nessa situação, o princípio da proporcionalidade e o artigo 203.° da Diretiva 2006/112, segundo o qual o IVA que figura numa fatura é devido, opõem-se à aplicação de uma coima correspondente a 100 % do IVA indevidamente deduzido.

20      No caso em apreço, o Estado belga sustenta que a CEZAM foi punida por violação da obrigação de declarar e de pagar o IVA. Esta obrigação é essencial para o funcionamento do sistema do IVA em que o sujeito passivo atua como cobrador de impostos. Ao não pagar o IVA recebido dos seus clientes, a CEZAM beneficiou de uma vantagem em detrimento da Fazenda Pública. Além disso, as coimas ascenderiam apenas a 20 % do montante do IVA que deveria ter sido pago. Quanto a este último aspeto, o direito à dedução é uma faculdade que o sujeito passivo pode exercer através da inscrição do IVA a deduzir nas suas declarações periódicas.

21      Tendo em conta estes argumentos, o órgão jurisdicional de reenvio recorda que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, em matéria de IVA, os Estados-Membros são, em princípio, competentes para escolher as sanções que se lhes afigurem adequadas, desde que não excedam o que é necessário para alcançar os objetivos de assegurar a cobrança correta do imposto e de evitar a fraude (Acórdão de 26 de abril de 2017, Farkas, C-564/15, EU:C:2017:302, n.os 59 e 60). Recorda igualmente que as medidas adotadas para alcançar esses objetivos não devem pôr em causa a neutralidade do IVA (Acórdão de 11 de abril de 2013, Rusedespred, C-138/12, EU:C:2013:233, n.° 29). A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio refere-se, além disso, às conclusões da advogada-geral J. Kokott no processo EN.SA. (C-712/17, EU:C:2019:35, n.° 62).

22      O referido órgão jurisdicional considera, no entanto, que o princípio da neutralidade fiscal não se aplica diretamente para determinar as sanções aplicáveis em caso de violação das regras em matéria de IVA. No entanto, interroga-se sobre se há que ter em conta este princípio para determinar se as sanções aplicadas no caso em apreço à CEZAM respeitam o princípio da proporcionalidade.

23      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que essas sanções foram determinadas em aplicação da regulamentação belga destinada a combater as infrações cometidas sem intenção de evitar o pagamento do IVA.

24      Foi nestas condições que o tribunal de première instance du Luxembourg (Tribunal de Primeira Instância do Luxemburgo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Os artigos 62.°, [ponto 2], 63.°, 167.°, 206.°, 250.° e 273.° da Diretiva 2006/112[...] e o princípio da proporcionalidade, conforme interpretado, nomeadamente, no Acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de maio de 2019, EN.SA [(C-712/17, EU:C:2019:374)], lido em conjugação com o princípio da neutralidade, opõem-se a uma regulamentação nacional como os artigos 70.°, [n.° 1,] do Código do IVA, o artigo 1.° e a rubrica V do quadro G, anexo ao Decreto Real n.° 41 que fixa o montante das coimas fiscais proporcionais em matéria de imposto sobre o valor acrescentado, por força da qual, em caso de inexatidões detetadas durante a fiscalização da contabilidade quanto ao seu conteúdo, para sancionar as operações tributáveis que não tenham sido inscritas, no todo ou em parte e relativamente a um montante superior a 1 250 euros, a infração é punida com uma coima fixa reduzida calculada à taxa de 20 % do imposto devido, sem que o imposto pago a montante que, em razão da falta de declaração não tenha sido deduzido, possa ser deduzido para efeitos do cálculo da coima, quando, ao abrigo do [artigo 1.°, segundo parágrafo] do Decreto Real n.° 41, a tabela de redução prevista nos quadros A a J do anexo ao presente decreto apenas é aplicável se as infrações punidas tiverem sido cometidas sem a intenção de evitar ou de permitir evitar o pagamento do imposto?

2)      É relevante para a resposta à questão o facto de o sujeito passivo ter pago voluntariamente ou não o montante do imposto devido na sequência da fiscalização para regularizar a insuficiência do pagamento do imposto e, por conseguinte, para alcançar o objetivo de garantir a cobrança exata do mesmo?»

 Quanto às questões prejudiciais

25      Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 62.°, ponto 2, e os artigos 63.°, 167.°, 206.°, 250.° e 273.° da Diretiva 2006/112, bem como os princípios da proporcionalidade e da neutralidade fiscal, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual a violação da obrigação de declarar e pagar o IVA à Fazenda Pública é punida com uma coima de montante fixo de 20 % do montante do IVA que seria devido antes da imputação do IVA dedutível.

26      A este respeito, há que recordar que decorre dos artigos 2.° e 273.° da Diretiva 2006/112, conjugados com o artigo 4.°, n.° 3, TUE, que os Estados-Membros têm a obrigação de tomar todas as medidas legislativas e administrativas necessárias para garantir a cobrança da totalidade do IVA devido nos seus territórios respetivos e para lutar contra a fraude (Acórdão de 2 de maio de 2018, Scialdone, C-574/15, C-574/15, EU:C:2018:295, n.° 26).

27      Na falta de harmonização da legislação da União no domínio das sanções aplicáveis em caso de desrespeito das condições previstas num regime instituído por esta legislação, os Estados-Membros são competentes para escolher as sanções que se lhes afigurem adequadas. Todavia, estão obrigados a exercer as suas competências no respeito do direito da União e dos seus princípios gerais e, por conseguinte, no respeito do princípio da proporcionalidade e da neutralidade fiscal (v., neste sentido, Acórdãos de 29 de julho de 2010, Profaktor Kulesza, Frankowski, Jóźwiak, Orłowski, C-188/09, EU:C:2010:454, n.° 29, e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.° 62).

28      Cabe também recordar que, quando escolhem as sanções, os Estados-Membros devem respeitar o princípio da efetividade que exige a aplicação de sanções efetivas e dissuasoras para lutar contra as violações das normas harmonizadas em matéria de IVA e proteger os interesses financeiros da União (v., neste sentido, Acórdão de 2 de maio de 2018, Scialdone, C-574/15, EU:C:2018:295, n.os 28 e 33).

29      Por outro lado, além do artigo 273.° da Diretiva 2006/112, o órgão jurisdicional de reenvio refere-se, na sua primeira questão, a outras disposições desta diretiva. Todavia, estas não se afiguram pertinentes para responder às questões submetidas que se referem aos critérios que permitem determinar se uma sanção em matéria de IVA respeita os princípios da proporcionalidade e da neutralidade fiscal. Por conseguinte, há que responder à questão, tal como reformulada, apenas na medida em que visa o artigo 273.° da Diretiva 2006/112, interpretado à luz dos referidos princípios.

30      No que respeita, por um lado, ao princípio da proporcionalidade, as sanções previstas pelo direito nacional em aplicação do artigo 273.° da Diretiva 2006/112 não devem ir além do que é necessário para atingir os objetivos de assegurar a cobrança exata do imposto e de evitar a fraude. Para avaliar se uma sanção é conforme com o princípio da proporcionalidade, há que ter em conta, nomeadamente, a natureza e a gravidade da infração que esta sanção visa punir, bem como as modalidades de determinação do montante da mesma (v., neste sentido, Acórdão de 26 de abril de 2017, Farkas, C-564/15, EU:C:2017:302, n.° 60 e jurisprudência referida).

31      Embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se o montante das coimas aplicadas à CEZAM é conforme com o princípio da proporcionalidade, importa, todavia, indicar a esse órgão jurisdicional certos elementos suscetíveis de lhe permitir proceder a essa apreciação.

32      No que se refere à natureza e à gravidade das infrações que as coimas em causa visam punir, resulta da decisão de reenvio que as infrações imputadas à CEZAM não decorrem de um erro relativo à aplicação do mecanismo do IVA. Com efeito, durante um período prolongado e apesar de várias intervenções das autoridades fiscais belgas, esta sociedade não declarou nem pagou o IVA devido.

33      Por outro lado, a circunstância de, na sequência de uma inspeção fiscal, o sujeito passivo ter regularizado voluntariamente ou não as insuficiências de pagamento constatadas pelas autoridades competentes pode ser pertinente para apreciar a proporcionalidade de uma sanção à luz do objetivo de garantir a cobrança exata do imposto. Todavia, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que, no caso em apreço, não houve nenhuma regularização voluntária.

34      Quanto às modalidades de determinação das sanções a aplicar, resulta da decisão de reenvio que o direito belga prevê um sistema de gradação das coimas. Com efeito, nos termos do artigo 70.°, n.° 1, do Código do IVA, a infração à obrigação de pagar o imposto é passível de uma coima igual ao dobro do IVA que seria devido antes da imputação do IVA dedutível. Todavia, na ausência de intenção de fraude, o Decreto Real n.° 41 prevê que o montante da coima é reduzido, respetivamente, para 20 % ou para 10 % do IVA que seria devido antes da imputação do IVA dedutível, quando o montante dos impostos devidos por um período fiscalizado de um anos ultrapasse ou não 1 250,00 euros.

35      Em todo o caso, e sob reserva das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, não se afigura que, tendo em conta a natureza e a gravidade das infrações imputadas à CEZAM e à luz das exigências relativas ao caráter efetivo e dissuasor das sanções em matéria de IVA, a aplicação de coimas de um montante que ascende a 20 % do IVA que seria devido antes da imputação do IVA dedutível vá além do que é necessário para garantir a cobrança exata do imposto e evitar a fraude.

36      Por outro lado, no que respeita ao princípio da neutralidade fiscal, este exige que a dedução do IVA pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que as exigências de fundo foram cumpridas, não pode impor requisitos que possam ter por efeito aniquilar o exercício do direito à dedução (v., neste sentido, Acórdão de 9 de julho 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.os 58 e 59 bem como jurisprudência referida).

37      Todavia, no caso em apreço, nenhum elemento dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça é suscetível de demonstrar que as coimas aplicadas à CEZAM ou a regulamentação belga aplicada para determinar o seu montante, a saber, o artigo 70.°, n.° 1, do Código do IVA, lido em conjugação com o Decreto Real n.° 41, são suscetíveis de pôr em causa o direito à dedução do IVA pago a montante. Em especial, estas disposições não parecem opor-se a que o sujeito passivo possa invocar esse direito a dedução. A este respeito, resulta das observações do Governo belga que, aquando do apuramento da dívida fiscal da CEZAM, as autoridades fiscais belgas procederam oficiosamente à dedução do IVA a montante.

38      Por outro lado, importa salientar que o processo principal não é comparável ao que deu origem ao Acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean (C-183/14, EU:C:2015:454, n.os 60 a 64), invocado pela CEZAM no órgão jurisdicional de reenvio, uma vez que o processo que deu origem a esse acórdão dizia respeito a uma prática administrativa nacional por força da qual o incumprimento de certas exigências formais para efeitos de controlo, como a obrigação de identificação do sujeito passivo para efeitos de IVA, previsto no artigo 214.° da Diretiva 2006/112, ou de declarar o início, a alteração e a cessação da atividade, prevista no artigo 213.° desta diretiva, não era sancionado com a aplicação de uma coima proporcionada à gravidade da infração, mas com a negação do direito de dedução do IVA, o que era suscetível de pôr em causa a neutralidade deste último.

39      O presente processo também não é comparável ao que deu origem ao Acórdão de 8 de maio de 2019, EN.SA. (C-712/17, EU:C:2019:374), igualmente invocado pela CEZAM no órgão jurisdicional de reenvio.

40      A este respeito, importa recordar que, nos n.os 43 e 44 desse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o princípio da neutralidade fiscal se opunha à aplicação de uma coima igual a 100 % do montante do IVA indevidamente deduzido a montante, quando o IVA tinha sido regularmente pago a jusante e a Fazenda Pública não tinha sofrido, por conseguinte, qualquer perda de receitas fiscais, na medida em que o respeito deste princípio era assegurado pela possibilidade, a prever pelos Estados-Membros, de corrigir o imposto indevidamente faturado, desde que o emitente da fatura demonstrasse a sua boa-fé ou tivesse, em tempo útil, eliminado completamente o risco de perda de receitas fiscais. Assim, a aplicação desta coima tornava inútil a possibilidade de retificar a dívida fiscal constituída nos termos do artigo 203.° da Diretiva 2006/112.

41      Em contrapartida, não é o que sucede no caso em apreço, uma vez que, por um lado, as coimas aplicadas à CEZAM visam punir a omissão deliberada, durante um período prolongado, de declarar e pagar o IVA a jusante, omissão que criou assim um risco de perda de receitas fiscais para a Fazenda Pública e, por outro, como indicado no n.° 37 do presente acórdão, não resulta das disposições nacionais em causa no processo principal nem de outros elementos dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que essas coimas, cujo montante não excede 20 % do IVA que seria devido antes da imputação do IVA dedutível, ponham em causa o direito à dedução do IVA pago a montante.

42      Tendo em conta as considerações que antecedem, há que responder às questões submetidas que o artigo 273.° da Diretiva 2006/112 e os princípios da proporcionalidade e da neutralidade fiscal devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual a violação da obrigação de declarar e de pagar o IVA à Fazenda Pública é punida com uma coima de montante fixo de 20 % do montante do IVA que seria devido antes da imputação do IVA dedutível, sob reserva das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio no que respeita ao caráter proporcionado da coima aplicada no processo principal.

 Quanto às despesas

43      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

O artigo 273.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, e os princípios da proporcionalidade e da neutralidade fiscal

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual a violação da obrigação de declarar e de pagar o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) à Fazenda Pública é punida com uma coima de montante fixo de 20 % do montante do IVA que seria devido antes da imputação do IVA dedutível, sob reserva das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio no que respeita ao caráter proporcionado da coima aplicada no processo principal.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.