Edição provisória
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)
12 de setembro de 2024 (*)
« Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigos 273.o e 395.o — Decisão de Execução (UE) 2019/310 — Luta contra a fraude ao IVA — Mecanismo de pagamento fracionado — Conta de IVA de um sujeito passivo insolvente — Transferência dos fundos depositados nessa conta a pedido do administrador da massa insolvente »
No processo C-709/22,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Wojewódzki Sąd Administracyjny we Wrocławiu (Tribunal Administrativo do Voivodato de Breslávia, Polónia), por Decisão de 22 de setembro de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de novembro de 2022, no processo
Syndyk Masy Upadłości A
contra
Dyrektor Izby Administracji Skarbowej we Wrocławiu,
sendo intervenientes:
Rzecznik Małych i Średnich Przedsiębiorców,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),
composto por: N. Wahl, exercendo funções de presidente de secção, J. Passer e M. L. Arastey Sahún (relatora), juízes,
advogado-geral: J. Kokott,
secretário: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observações apresentadas:
– em representação do Dyrektor Izby Administracji Skarbowej we Wrocławiu, por K. Tudrujek,
– em representação do Rzecznik Małych i Średnich Przedsiębiorców, por P. Chrupek, radca prawny,
– em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,
– em representação da Comissão Europeia, por M. Herold, K. Herrmann e J. Jokubauskaitė, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 11 de abril de 2024,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1), da Decisão de Execução (UE) 2019/310 do Conselho, de 18 de fevereiro de 2019, que autoriza a Polónia a aplicar uma medida especial em derrogação ao artigo 226.° da Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2019, L 51, p. 19), do artigo 17.°, n.° 1, do artigo 41.°, n.° 1, do artigo 51.°, n.° 1, e do artigo 52.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), do artigo 2.° e do artigo 4.°, n.° 3, TUE, bem como dos princípios da proporcionalidade, da neutralidade do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e da segurança jurídica.
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Syndyk Masy Upadłości A (administrador da massa insolvente A; a seguir «administrador A») ao Dyrektor Izby Administracji Skarbowej we Wrocławiu (Diretor da Administração Fiscal de Breslávia, Polónia; a seguir «Diretor da Administração Fiscal») a respeito da decisão deste último que recusou libertar os fundos depositados na conta IVA de um sujeito passivo insolvente.
Quadro jurídico
Direito da União
Diretiva 2006/112
3 Nos termos do artigo 206.o da Diretiva 2006/112:
«Os sujeitos passivos que sejam devedores do imposto devem pagar o montante líquido do IVA no momento da apresentação da declaração de IVA prevista no artigo 250.o. Contudo, os Estados-Membros podem fixar outro prazo para o pagamento desse montante ou cobrar adiantamentos provisórios.»
4 O artigo 226.° desta diretiva prevê:
«Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente diretiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.° e 221.° são as seguintes:
[...]»
5 O artigo 273.° da referida diretiva dispõe:
«Os Estados-Membros podem prever outras obrigações que considerem necessárias para garantir a cobrança exata do IVA e para evitar a fraude, sob reserva da observância da igualdade de tratamento das operações internas e das operações efetuadas entre Estados-Membros por sujeitos passivos, e na condição de essas obrigações não darem origem, nas trocas comerciais entre Estados-Membros, a formalidades relacionadas com a passagem de uma fronteira.
A faculdade prevista no primeiro parágrafo não pode ser utilizada para impor obrigações de faturação suplementares às fixadas no capítulo 3.»
6 O artigo 395.o, n.° 1, da mesma diretiva tem a seguinte redação:
«O Conselho, deliberando por unanimidade sob proposta da Comissão, pode autorizar os Estados-Membros a introduzirem medidas especiais derrogatórias da presente diretiva para simplificar a cobrança do imposto ou para evitar certas fraudes ou evasões fiscais.
As medidas destinadas a simplificar a cobrança do imposto não podem influir, a não ser de modo insignificante, no montante global da receita fiscal do Estado-Membro cobrada na fase de consumo final.»
Regulamento (UE) 2015/848
7 Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, primeiro parágrafo, do Regulamento (UE) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativo aos processos de insolvência (JO 2015, L 141, p. 19):
«O presente regulamento é aplicável aos processos coletivos públicos de insolvência, incluindo os processos provisórios, com fundamento na lei no domínio da insolvência e nos quais, para efeitos de recuperação, ajustamento da dívida, reorganização ou liquidação:
a) O devedor é total ou parcialmente privado dos seus bens e é nomeado um administrador da insolvência;
b) Os bens e negócios do devedor ficam submetidos ao controlo ou à fiscalização por um órgão jurisdicional; ou
c) Uma suspensão temporária de ações executivas singulares é ordenada por um órgão jurisdicional ou por força da lei, a fim de permitir a realização de negociações entre o devedor e os seus credores, desde que o processo no qual é ordenada a suspensão preveja medidas adequadas para proteger o interesse coletivo dos credores e, caso não seja obtido acordo, seja preliminar relativamente a um dos processos a que se referem as alíneas a) ou b).»
Decisão de Execução 2019/310
8 A Decisão de Execução 2019/310 foi adotada, como resulta do seu preâmbulo, com base no TFUE e na Diretiva 2006/112 e, nomeadamente, no artigo 395.°, n.° 1, desta última.
9 Os considerandos 1, 3, 4, 7, 9, 11 e 12 da Decisão de Execução 2019/310 enunciam:
«1) Por ofício registado na Comissão em 15 de maio de 2018, a Polónia solicitou uma autorização para introduzir uma medida especial em derrogação ao artigo 226.o da Diretiva 2006/112/CE, a fim de aplicar um mecanismo de pagamento fracionado (a seguir designada “medida especial”). A medida especial deverá implicar a inclusão de uma declaração especial de que o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) tem de ser pago por depósito na conta de IVA bloqueada do fornecedor ou do prestador no que diz respeito às faturas emitidas em relação aos fornecimentos de bens e às prestações de serviços que são suscetíveis de fraude e que, de um modo geral, se encontram abrangidos pelo mecanismo de autoliquidação e pela responsabilidade solidária na Polónia. [...]
[...]
3) A Polónia já tomou várias medidas para combater a fraude. Entre outras, a Polónia introduziu o mecanismo de autoliquidação e a responsabilidade solidária do fornecedor e do cliente, o Ficheiro de Auditoria Normalizado, regras mais rigorosas para o registo do IVA e o cancelamento do registo dos sujeitos passivos, o aumento do número de auditorias. Contudo, a Polónia considera que estas soluções são insuficientes para prevenir a fraude no domínio do IVA.
4) A Polónia acredita que a aplicação da medida especial irá eliminar a fraude no domínio do IVA. Uma vez que, ao abrigo do mecanismo de pagamento fracionado, o montante do IVA depositado numa conta de IVA separada de um fornecedor ou prestador (sujeito passivo) só pode ser utilizado para fins restritos — designadamente para o pagamento da dívida do IVA à autoridade fiscal ou para o pagamento do IVA sobre as faturas recebidas de fornecedores -, este sistema garante da melhor forma que as autoridades fiscais recebam o montante total do IVA que o sujeito passivo deverá transferir para o Tesouro Público da Polónia.
[...]
7) Caso exista um excedente do imposto a montante sobre o imposto a jusante reconhecido pelo fornecedor ou prestador na declaração de IVA como montante reembolsável, o pagamento do reembolso é, em geral, efetuado no prazo de 60 dias na conta corrente do sujeito passivo. No entanto, a Polónia informou a Comissão que, no que toca às transações abrangidas pela medida especial, se o reembolso for solicitado por um fornecedor ou prestador que seja titular de uma conta de IVA bloqueada, esse reembolso deverá ter lugar no prazo de 25 dias.
[...]
9) A medida especial deverá aplicar-se a todos os fornecedores e prestadores, incluindo os não estabelecidos na Polónia, uma vez que todos terão de ser titulares de contas bancárias geridas em conformidade com a lei bancária polaca. A este respeito, a Polónia confirmou à Comissão que os fornecedores e prestadores não incorrerão em custos adicionais relacionados com a obrigação de abrir uma conta bancária na Polónia, uma vez que poderão abrir e manter uma conta bancária na Polónia a título gratuito para fins de IVA.
[...]
11) A Comissão considera que a medida especial para os fornecimentos de bens e as prestações de serviços suscetíveis de fraude pode produzir resultados eficazes na luta contra a fraude no IVA. [...]
12) Dada a novidade e o âmbito alargado da medida especial, é importante assegurar o acompanhamento necessário. Em particular, esse acompanhamento deverá concentrar-se no impacto da medida especial no nível da fraude ao IVA e nos sujeitos passivos no que respeita ao reembolso do IVA, aos encargos administrativos e aos custos para os sujeitos passivos, entre outros. A Polónia deverá, por conseguinte, apresentar um relatório sobre o impacto da medida especial dezoito meses após a entrada em vigor da mesma na Polónia.»
10 O artigo 1.° desta decisão de execução dispõe:
«Em derrogação ao artigo 226.o da Diretiva 2006/112/CE, a Polónia é autorizada a introduzir uma declaração especial segundo a qual o IVA sobre as faturas emitidas em relação a fornecimentos e a prestações, entre sujeitos passivos, dos bens e dos serviços enumerados no anexo da presente decisão deve ser depositado na conta bancária de IVA separada e bloqueada do fornecedor ou prestador, aberta na Polónia, sempre que os pagamentos relativos aos fornecimentos ou às prestações sejam efetuados por transferência bancária eletrónica.»
11 Nos termos do seu artigo 3.°, segundo parágrafo, a referida decisão de execução era aplicável de 1 de março de 2019 a 28 de fevereiro de 2022.
12 A Decisão de Execução (UE) 2022/559 do Conselho, de 5 de abril de 2022, que altera a Decisão de Execução (UE) 2019/310 no que respeita à autorização concedida à Polónia para continuar a aplicar a medida especial em derrogação ao artigo 226.° da Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2022, L 108, p. 51), prorrogou a autorização concedida pela Decisão de Execução 2019/310 até 28 de fevereiro de 2025.
Direito polaco
Lei do IVA
13 O artigo 106e, n.° 1, ponto 18a, da ustawa o podatku od towarów i usług (Lei relativa ao Imposto sobre Bens e Serviços), de 11 de março de 2004 (Dz. U. de 2021, posição 685 conforme alterada; a seguir «Lei do IVA»), dispõe:
«[A]s faturas cujo montante total exceda 15 000 [zlótis polacos (PLN)] ou o seu contravalor expresso em moeda estrangeira, referentes a uma entrega dos bens ou prestação dos serviços referidos no anexo 15 da lei ao sujeito passivo, a fatura deve conter a expressão “mecanismo de pagamento fracionado” [...]»
14 O artigo 108a desta lei prevê:
«1. Os sujeitos passivos que tenham recebido uma fatura com o montante do imposto indicado podem, ao efetuar o pagamento do montante resultante dessa fatura, aplicar o mecanismo de pagamento fracionado.
1a. Ao efetuar o pagamento dos bens ou serviços adquiridos, enunciados no anexo 15 da lei, documentados por fatura na qual o montante total do crédito exceda 15 000 PLN ou o seu contravalor expresso em moeda estrangeira, os sujeitos passivos são obrigados a aplicar o mecanismo do pagamento fracionado. [...]
[...]
2. A aplicação do mecanismo de pagamento fracionado consiste no seguinte:
1) o pagamento do montante correspondente à totalidade ou a parte do imposto resultante da fatura recebida é efetuado para uma conta de IVA;
2) o pagamento da totalidade ou parte do montante correspondente ao valor líquido da venda resultante da fatura recebida é efetuado para uma conta bancária ou para a conta de uma caixa cooperativa de poupança e crédito, para as quais é mantida uma conta de IVA, ou é liquidado por outros meios.»
15 Nos termos do artigo 108b da referida lei:
«1. A pedido do sujeito passivo, o Diretor da Repartição de Finanças concede, mediante despacho, autorização para transferir os fundos acumulados na conta de IVA para uma conta bancária indicada pelo sujeito passivo ou para uma conta numa caixa cooperativa de poupança e crédito em relação à qual é mantida essa conta de IVA.
[...]
3. O Diretor da Repartição de Finanças emite um despacho no prazo de 60 dias a contar da receção do pedido. [...]
[...]
5. O Diretor da Repartição de Finanças recusa, mediante decisão, a concessão de autorização para a transferência dos fundos acumulados na conta de IVA:
1) caso o sujeito passivo tenha montantes em atraso a título dos impostos e créditos referidos no artigo 62b, n.° 2, ponto 2, alínea a), da [ustawa — Prawo bankowe (Lei Bancária)], de 29 de agosto de 1997 [(Dz. U. de 1997, n.° 140, posição 939), conforme alterada (a seguir “Lei Bancária”)], no montante correspondente a esse crédito, juntamente com os juros de mora;
2) quando existam motivos razoáveis para crer que:
a) a obrigação fiscal relativa aos impostos e créditos referidos no artigo 62b, n.° 2, ponto 2, alínea a), da Lei Bancária, de 29 de agosto de 1997, não será executada, em especial quando o contribuinte se abstém de forma persistente de pagar os impostos devidos ou toma medidas que consistem na cessão de ativos suscetíveis de impedir ou de impedir o cumprimento das obrigações fiscais, ou
b) quando existe um montante em atraso a título dos impostos e de dívidas referido no artigo 62b, n.° 2, ponto 2, alínea a), da Lei Bancária, de 29 de agosto de 1997, ou foi constituída uma dívida fiscal adicional.
[...]»
Lei Bancária
16 Artigo 62b, n.° 2, da Lei Bancária dispõe:
«A conta de IVA só pode ser debitada para efeitos de:
[...]
2) pagamento de contribuições:
a) na conta da Repartição de Finanças:
– do [IVA], incluindo o [IVA], do imposto adicional bem como aos juros de mora sobre o [IVA] ou sobre o imposto adicional,
– do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas e o respetivo pagamento por conta, bem como aos juros de mora sobre o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas ou sobre o pagamento por conta para esse efeito,
– do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e o respetivo pagamento por conta, bem como aos juros de mora sobre o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e sobre o pagamento por conta para esse efeito,
– do imposto especial de consumo, do pagamento antecipado do imposto especial de consumo, dos pagamentos diários, bem como dos juros de mora sobre o imposto especial de consumo e sobre o pagamento antecipado do imposto especial de consumo,
– dos direitos aduaneiros e os respetivos juros de mora,
[...]»
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
17 Em 28 de junho de 2021, o administrador A solicitou ao Naczelnik Urzędu Skarbowego w O. (Diretor da Repartição de Finanças de O., Polónia) a transferência dos fundos acumulados na conta de IVA do sujeito passivo insolvente para a conta da massa insolvente. Como fundamento do seu pedido, indicou que o montante de 104 915 PLN (cerca de 23 600 euros) devia ser transferido para a conta do Município de O. (Polónia), a fim de liquidar o imposto predial, devido por esse sujeito passivo, relativo ao mês de julho de 2021.
18 Por Decisão de 26 de agosto de 2021, o Diretor da Repartição de Finanças de O. indeferiu esse pedido.
19 O administrador A interpôs recurso desta decisão, que foi confirmada pelo Diretor da Administração Fiscal, mediante Decisão de 30 de novembro de 2021.
20 O administrador A interpôs recurso desta última decisão para o Wojewódzki Sąd Administracyjny we Wrocławiu (Tribunal Administrativo do Voivodato de Breslávia, Polónia), que é o órgão jurisdicional de reenvio.
21 Esse órgão jurisdicional recorda que a legislação polaca e, mais concretamente, o artigo 106e, n.° 1, e os artigos 108a a 108f da Lei do IVA, bem como os artigos 62a a 62e da Lei Bancária, preveem o mecanismo de pagamento fracionado. Este mecanismo consiste em separar o pagamento do IVA devido do montante tributável devido. Assim, quando um fornecedor de bens ou um prestador de serviços é abrangido pelo âmbito de aplicação das disposições relativas ao pagamento fracionado, é obrigado a ter, além da sua conta bancária normal, uma conta de IVA separada e bloqueada. Esta conta é utilizada exclusivamente para a cobrança do IVA pago pelos seus clientes e para o pagamento do IVA aos seus fornecedores ou prestadores de serviços, bem como para o pagamento de outros créditos de direito público, mas apenas a favor do Tesouro Público. Neste caso, o adquirente ou destinatário paga o valor tributável ao fornecedor ou ao prestador de serviços numa conta bancária normal, enquanto o IVA devido sobre a entrega é pago na conta de IVA bloqueada, detida por esse fornecedor ou prestador. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta modalidade de pagamento resulta apenas da vontade da pessoa que efetua o pagamento e não é automático. A libertação dos fundos acumulados na conta de IVA do sujeito passivo carece de aprovação por parte da Autoridade Fiscal.
22 O mecanismo de pagamento fracionado foi introduzido pelo legislador polaco em conformidade com a Decisão de Execução 2019/310, pela qual o Conselho autorizou a República da Polónia a introduzir, para o período compreendido entre 1 de março de 2019 e 28 de fevereiro de 2022, uma medida especial derrogatória do artigo 226.° da Diretiva 2006/112.
23 A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio assinala que a Decisão de Execução 2019/310 contém regras diferentes das que figuram na Decisão de Execução (UE) 2017/784 do Conselho, de 25 de abril de 2017, que autoriza a República Italiana a aplicar uma medida especial em derrogação aos artigos 206.° e 226.° da Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado e que revoga a Decisão de Execução (UE) 2015/1401 (JO 2017, L 118, p. 17).
24 Com efeito, diferentemente da Decisão de Execução 2019/310, a Decisão de Execução 2017/784 prevê, em derrogação do artigo 206.° da Diretiva 2006/112, a possibilidade de estabelecer um sistema nacional no âmbito do qual o pagamento do IVA devido sobre as entregas de bens e as prestações de serviços é efetuado pelo beneficiário numa conta bancária separada e bloqueada, detida pela Administração Fiscal italiana.
25 O órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre se uma medida nacional que prevê a obrigação de o adquirente de um bem ou de um serviço transferir o IVA devido ao fornecedor desse bem ou ao prestador desse serviço para uma conta bancária separada e bloqueada, detida por esse fornecedor ou prestador, não constitui uma derrogação ao artigo 206.° da Diretiva 2006/112 e, por conseguinte, se essa medida não necessita de ser notificada, em aplicação do artigo 395.° desta diretiva. Ora, o não cumprimento da obrigação de notificação constitui um vício processual e dá origem à inaplicabilidade das regras em causa, de modo que não podem ser invocadas contra os particulares (v., neste sentido, Acórdão de 4 de fevereiro de 2016, Ince, C-336/14, EU:C:2016:72, n.° 67).
26 Na opinião deste órgão jurisdicional, em conformidade com o artigo 206.° da Diretiva 2006/112, o sujeito passivo não é obrigado a pagar o IVA após cada operação tributável que efetua, mas sim no final de cada período de tributação. Por conseguinte, o montante líquido do IVA, mencionado no primeiro período do referido artigo, corresponde à soma do IVA relativo a todas as operações tributáveis efetuadas pelo sujeito passivo durante o período de tributação, do qual é deduzido o IVA pago a título do conjunto das operações realizadas durante o referido período, incluindo as operações realizadas antes desse período. Nestas condições, o referido sujeito passivo deve poder dispor livremente dos pagamentos anteriores que recebeu dos seus clientes. No entanto, no caso de uma conta IVA como a que está em causa no processo submetido ao referido órgão jurisdicional, os fundos estão bloqueados antes da constituição da dívida de IVA para com as autoridades públicas.
27 É certo que o artigo 206.° da Diretiva 2006/112 permite aos Estados-Membros cobrar um adiantamento provisório sobre o IVA. A expressão «adiantamento provisório» significa o pagamento parcial de um montante que será exigível ulteriormente, a saber, o montante líquido do IVA calculado sobre a totalidade do período de tributação. No entanto, é difícil considerar que o montante do IVA pago pelo adquirente de um bem ou de um serviço ao seu fornecedor a título de uma operação determinada, conforme previsto pela regulamentação polaca que prevê o mecanismo de pagamento fracionado, constitui um adiantamento provisório na aceção do artigo 206.° da Diretiva 2006/112, em conformidade com a jurisprudência resultante do Acórdão de 9 de setembro de 2021, Dyrektor Izby Administracji Skarbowej w Bydgoszczy (Aquisições intracomunitárias de gasóleo) (C-855/19, EU:C:2021:714, n.° 33). Além disso, a situação no processo submetido ao órgão jurisdicional de reenvio é diferente da que foi objeto do Acórdão de 26 de março de 2015, Macikowski (C-499/13, EU:C:2015:201), em que um agente judiciário foi considerado um terceiro que pagou o imposto a jusante, e não um fornecedor.
28 O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se a medida nacional em causa não vai além do objetivo da luta contra a fraude ao IVA, que decorre dos artigos 273.° e 395.° da Diretiva 2006/112 e da Decisão de Execução 2019/310.
29 Em especial, interroga-se sobre a questão de saber se a obrigação de um sujeito passivo obter uma autorização da autoridade fiscal no que respeita à afetação dos fundos que figuram na sua conta IVA para fins diferentes do pagamento de dívidas ao Tesouro Público, nomeadamente a favor de outro credor público, como um município, se insere nos limites da luta contra a fraude ao IVA.
30 No que respeita à situação dos sujeitos passivos em situação de insolvência, como a que está em causa no processo submetido ao órgão jurisdicional de reenvio, é ainda mais difícil reconhecer que a obrigação prevista pela medida em causa visa combater a fraude ao IVA, dado que a autorização para a transferência de fundos acumulados na conta de IVA foi pedida por um administrador da massa insolvente que atua sob o controlo de um juiz responsável pela insolvência.
31 Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se, tendo em conta que, no caso em apreço, o sujeito passivo insolvente já não exerce uma atividade económica, não efetuando, por conseguinte, operações geradoras de IVA, e que o administrador A indicou que, desde a declaração de insolvência, esse sujeito passivo não tinha montantes em atraso relativamente ao IVA em curso, o bloqueio dos fundos na conta IVA não viola o princípio da neutralidade do IVA.
32 Este órgão jurisdicional duvida igualmente da conformidade do mecanismo de pagamento fracionado com o direito de propriedade, garantido pelo artigo 17.° da Carta.
33 Com efeito, o legislador polaco não regulamentou os efeitos desse mecanismo no âmbito da Lei relativa à Insolvência. Nesta situação, é difícil considerar que existem regras claras e precisas que permitam a um administrador da insolvência gerir o processo de insolvência e prever o comportamento das autoridades fiscais.
34 Ora, em conformidade com o artigo 2.° TUE, num Estado de direito, os operadores económicos devem poder legitimamente esperar das autoridades públicas que a ingerência nos seus direitos fundamentais seja razoavelmente limitada e não tenha apenas em conta os interesses do Tesouro Público.
35 Nestas circunstâncias, o Wojewódzki Sąd Administracyjny we Wrocławiu (Tribunal Administrativo do Voivodato de Breslávia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1. Devem as disposições da [Decisão de Execução 2019/310], as disposições da Diretiva [2006/112], em especial os artigos 395.o e 273.o, bem como o princípio da proporcionalidade e o princípio da neutralidade, ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional e a uma prática nacional que, nas circunstâncias do presente processo, recusam que seja dada ao administrador da massa insolvente autorização para transferir os fundos acumulados na conta de IVA do sujeito passivo (mecanismo de pagamento fracionado) para uma conta bancária [indicada por esse administrador]?
2) Deve o artigo 17.°, n.° 1, da [Carta], relativo ao direito de propriedade, em conjugação com os seus artigos 51.°, n.° 1, e 52.°, n.° 1, ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional e a uma prática nacional que, nas circunstâncias do presente processo, recusam que seja dada ao administrador da massa insolvente autorização para transferir os fundos acumulados na conta de IVA do sujeito passivo (mecanismo de pagamento fracionado), o que tem por consequência o congelamento de fundos que são propriedade do sujeito passivo insolvente na conta de IVA acima referida e, por conseguinte, impedir [esse] administrador da massa insolvente de cumprir as suas obrigações no âmbito do processo de insolvência?
3) Devem o princípio do Estado de direito, decorrente do artigo 2.° [TUE], e o princípio da segurança jurídica, que constitui a sua aplicação, o princípio da cooperação leal, decorrente do artigo 4.°, n.° 3, TUE, e o princípio da boa administração, decorrente do artigo 41.°, n.° 1, da Carta, tendo em conta o contexto e os objetivos da Decisão [de Execução] 2019/310 e as disposições da Diretiva [2006/112], ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática nacional que, ao recusar que seja dada ao administrador da massa autorização para transferir os fundos acumulados na conta de IVA do sujeito passivo (mecanismo de pagamento fracionado), visa anular os objetivos de um processo de insolvência definido pelo órgão jurisdicional de insolvência como sendo da competência dos órgãos jurisdicionais polacos na aceção desse artigo 3.°, n.° 1, do [Regulamento 2015/848], e consequentemente conduz a uma situação na qual, através da aplicação de uma medida nacional inadequada, o Skarb Państwa (Tesouro Público) é privilegiado enquanto credor em detrimento de todos os credores?»
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
36 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 273.° e 395.° da Diretiva 2006/112, a Decisão de Execução 2019/310 e os princípios da proporcionalidade e da neutralidade do IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que prevê que o montante de IVA depositado numa conta IVA separada, de que um fornecedor dispõe numa instituição bancária, só pode ser utilizado para fins limitados, a saber, em especial, o pagamento do IVA devido à Autoridade Fiscal ou o pagamento do IVA que figura nas faturas recebidas dos fornecedores de bens ou dos prestadores de serviços.
37 A este respeito, importa recordar que o artigo 226.° da Diretiva 2006/112 enumera as menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em conformidade com esta diretiva.
38 O artigo 395.°, n.° 1, da referida diretiva prevê que o Conselho pode autorizar os Estados-Membros a introduzir medidas especiais derrogatórias da presente diretiva para simplificar a cobrança do imposto ou para evitar certas fraudes ou evasões fiscais.
39 Foi em aplicação desta última disposição e seguindo um pedido nesse sentido dirigido pela República da Polónia à Comissão que o Conselho adotou a Decisão de Execução 2019/310.
40 A este respeito, resulta do considerando 1 desta decisão de execução que esta «medida especial deverá implicar a inclusão de uma declaração especial de que o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) tem de ser pago por depósito na conta de IVA bloqueada do fornecedor ou do prestador no que diz respeito às faturas emitidas em relação aos fornecimentos de bens e às prestações de serviços que são suscetíveis de fraude e que, de um modo geral, se encontram abrangidos pelo mecanismo de autoliquidação e pela responsabilidade solidária na Polónia».
41 Como enunciam os fundamentos da referida decisão de execução, a Comissão considera que a medida especial para os fornecimentos de bens e as prestações de serviços suscetíveis de fraude pode produzir resultados eficazes na luta contra a fraude ao IVA.
42 Nestas condições, em conformidade com o artigo 1.° da referida decisão de execução, em derrogação ao artigo 226.° da Diretiva 2006/112, a República da Polónia foi autorizada a introduzir uma declaração especial segundo a qual o IVA sobre as faturas emitidas em relação a fornecimentos e a prestações, entre sujeitos passivos, dos bens e dos serviços enumerados no anexo da presente decisão deve ser depositado na conta bancária de IVA separada e bloqueada do fornecedor ou prestador, aberta na Polónia, sempre que os pagamentos relativos aos fornecimentos ou às prestações sejam efetuados por transferência bancária eletrónica.
43 Por conseguinte, para efeitos da aplicação do mecanismo de pagamento fracionado, o legislador polaco previu, na sua legislação nacional, que as faturas relativas à entrega dos bens ou à prestação dos serviços visados por esta legislação a favor do sujeito passivo, cujo montante total devido exceda 15 000 PLN (cerca de 3 370 euros) ou o seu contravalor expresso em moeda estrangeira, devem conter a menção «mecanismo de pagamento fracionado».
44 Na medida em que este mecanismo não só prevê a menção que deve figurar nas faturas mas, além disso, estabelece o regime da conta separada e bloqueada do IVA, no âmbito do qual é exigida uma autorização da Autoridade Fiscal para a transferência de fundos dessa conta, estando essa autorização sujeita a condições previstas pela legislação polaca, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre se a regulamentação que prevê o referido mecanismo não vai além da autorização concedida à República da Polónia pela Decisão de Execução 2019/310. Em especial, esse órgão jurisdicional pretende saber se a referida regulamentação não constitui uma derrogação não autorizada ao artigo 206.° da Diretiva 2006/112.
45 Para responder a esta questão, cumpre referir que nenhuma disposição desta diretiva impõe obrigações específicas aos Estados-Membros no que respeita a um mecanismo de pagamento fracionado como o que está em causa no processo principal.
46 No que respeita ao artigo 206.° da referida diretiva, importa recordar que este prevê que os sujeitos passivos que sejam devedores do imposto devem pagar o montante líquido do IVA no momento da apresentação da declaração de IVA prevista no artigo 250.° dessa diretiva, os Estados-Membros podem, contudo, fixar outro prazo para o pagamento desse montante ou cobrar adiantamentos provisórios.
47 A este respeito, resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, quando os fundos correspondentes ao montante do IVA são depositados na conta IVA separada do sujeito passivo, não tem lugar nenhuma liquidação de uma dívida de IVA a favor do orçamento do Estado, sendo o IVA apenas devido em datas que são determinadas após o termo do período de tributação.
48 Como observou a advogada-geral no n.° 34 das suas conclusões, embora o sujeito passivo não possa dispor livremente dos fundos acumulados numa conta IVA separada, a legislação polaca prevê, no entanto, a possibilidade de esse sujeito passivo utilizar esses fundos para pagar o IVA aos seus fornecedores de bens ou aos seus prestadores de serviços e de pagar as suas dívidas ao Estado.
49 Por conseguinte, como salientou a advogada-geral no n.° 35 das suas conclusões, se o sujeito passivo pode efetuar o pagamento do IVA aos seus fornecedores ou prestadores de serviços com os fundos da conta de IVA, não tem de adiantar o IVA numa medida superior à prevista no sistema normal da Diretiva 2006/112.
50 A este respeito, importa acrescentar que, embora, no plano formal, a Decisão de Execução 2019/310 constitua uma derrogação ao artigo 226.° da Diretiva 2006/112, que tem por objeto as menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em conformidade com esta diretiva, não é menos verdade que, como enunciam os considerandos 1, 4 e 7 e o artigo 1.° dessa decisão de execução, a referida derrogação foi prevista para permitir ao legislador polaco estabelecer um regime de bloqueio dos fundos numa conta bancária separada para efeitos do IVA. Daqui resulta que, ao conceder a derrogação em causa, o legislador da União estava informado de que a sua introdução, na legislação polaca, implicava o estabelecimento do referido regime de conta separada para efeitos de IVA.
51 Nestas condições, o mecanismo de pagamento fracionado não pode ser considerado, enquanto tal, contrário ao artigo 206.° da Diretiva 2006/112 e não constitui uma derrogação ao mesmo.
52 Quanto ao princípio da neutralidade fiscal, invocado pelo órgão jurisdicional de reenvio na primeira questão, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, este é a tradução, pelo legislador da União, em matéria de IVA, do princípio geral da igualdade de tratamento, opondo-se, nomeadamente, a que operadores económicos que efetuem as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA (v., nomeadamente, Acórdãos de 17 de dezembro de 2020, WEG Tevesstraße, C-449/19, EU:C:2020:1038, n.° 48, e de 16 de fevereiro de 2023, DGRFP Cluj, C-519/21, EU:C:2023:106, n.° 88).
53 O regime de dedução instituído pela Diretiva 2006/112 e o direito à dedução do IVA que dele faz parte visam desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, independentemente dos respetivos fins ou resultados, desde que essas atividades estejam por sua vez sujeitas a IVA (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, DGRFP Cluj, C-519/21, EU:C:2023:106, n.° 94 e jurisprudência referida).
54 No caso em apreço, a decisão de reenvio não permite identificar qualquer relação entre, por um lado, o princípio da neutralidade fiscal e, por outro, as condições, previstas pela regulamentação polaca para recusar a liberação dos fundos da conta IVA do sujeito passivo insolvente, no âmbito de um processo de insolvência.
55 Quanto ao princípio da proporcionalidade, igualmente invocado pelo órgão jurisdicional de reenvio na primeira questão, basta recordar, em primeiro lugar, que, como resulta do considerando 3 da Decisão de Execução 2019/310, embora a República da Polónia já tenha tomado várias medidas para combater a fraude ao IVA, este Estado-Membro considerou, todavia, que essas medidas eram insuficientes para prevenir a referida fraude. Como enuncia o considerando 11 dessa decisão de execução, a Comissão aprovou esta análise, considerando que a medida especial em causa para os fornecimentos de bens e as prestações de serviços suscetíveis de fraude podia produzir resultados eficazes na luta contra a fraude ao IVA.
56 Em segundo lugar, na medida em que, em conformidade com o artigo 1.° da Decisão de Execução 2019/310, a autorização prevista por esta diz unicamente respeito aos pagamentos efetuados através de transferências bancárias eletrónicas, a obrigação de fazer constar da fatura IVA uma menção segundo a qual este imposto é depositado numa conta bancária de IVA separada e bloqueada do fornecedor ou prestador, assegurando, desta forma, que as quantias correspondentes são transferidas para essa conta, não deve ser considerada uma formalidade vinculativa. Por conseguinte, esta obrigação não tem caráter desproporcionado.
57 Em terceiro lugar, a referida obrigação não abrange todas as operações que dão lugar ao pagamento por transferência eletrónica, uma vez que, em conformidade com os artigos 106e e 108a da Lei do IVA, estão apenas em causa as faturas relativas à entrega de bens ou serviços cujo montante total devido ultrapasse 15 000 PLN (cerca de 3 370 euros) ou o seu contravalor expresso em moeda estrangeira, o que também não parece desproporcionado.
58 Em quarto lugar, como foi constatado no n.° 48 do presente acórdão, a regulamentação polaca prevê a possibilidade de o sujeito passivo utilizar os fundos acumulados nessa conta IVA separada para pagar o IVA aos seus fornecedores de bens ou aos seus prestadores de serviços e pagar as suas dívidas ao Estado. Por conseguinte, esta regulamentação não prevê um bloqueio absoluto dos fundos em causa, mas limita simplesmente a sua utilização, o que é igualmente proporcionado ao objetivo da luta contra a fraude ao IVA.
59 Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que os artigos 273.° e 395.° da Diretiva 2006/112 e a Decisão de Execução 2019/310 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê que o montante de IVA depositado numa conta IVA separada, de que um fornecedor dispõe numa instituição bancária, só pode ser utilizado para fins limitados, a saber, em especial, o pagamento do IVA devido à Autoridade Fiscal ou o pagamento do IVA que figura nas faturas recebidas dos fornecedores de bens ou dos prestadores de serviços.
Quanto à segunda questão
60 Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 17.°, n.° 1, da Carta, lido em conjugação com o artigo 51.°, n.° 1, e com o artigo 52.°, n.° 1, da mesma, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que o montante de IVA depositado numa conta IVA separada, de que um fornecedor dispõe numa instituição bancária, só pode ser utilizado para fins limitados, a saber, em especial, o pagamento do IVA devido à Autoridade Fiscal ou o pagamento do IVA que figura nas faturas recebidas dos fornecedores de bens ou dos prestadores de serviços.
61 A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 51.°, n.° 1, da Carta, as suas disposições têm por destinatários os Estados-Membros apenas quando apliquem o direito da União.
62 Segundo jurisprudência constante, o conceito de «aplicação do direito da União», na aceção do artigo 51.° da Carta, pressupõe a existência de um nexo entre um ato do direito da União e a medida nacional em causa que ultrapasse a mera proximidade das matérias em causa ou as incidências indiretas de uma matéria na outra (Acórdão de 16 de julho de 2020, Adusbef e o., C-686/18, EU:C:2020:567, n.° 52 e jurisprudência referida).
63 Nesse contexto, o Tribunal de Justiça concluiu pela inaplicabilidade dos direitos fundamentais da União a uma regulamentação nacional em razão de as disposições da União no domínio em causa não imporem aos Estados-Membros nenhuma obrigação específica relativamente à situação em causa no processo principal (Acórdão de 16 de julho de 2020, Adusbef e o., C-686/18, EU:C:2020:567, n.° 53 e jurisprudência referida).
64 Ora, no caso em apreço, como resulta da resposta dada à primeira questão, nenhuma das disposições do direito da União referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio impõe aos Estados-Membros obrigações específicas no que respeita a um mecanismo de pagamento fracionado como o que está em causa no processo principal.
65 Além disso, há que recordar que o litígio no processo principal tem por objeto a recusa, por parte da Administração Fiscal, de autorizar uma transferência dos fundos acumulados na conta IVA separada de um sujeito passivo insolvente para a conta da massa insolvente para o pagamento do imposto predial municipal. No órgão jurisdicional de reenvio, o administrador A contesta a regra, resultante da legislação polaca aplicável ao caso em apreço, segundo a qual não é possível transferir os fundos acumulados na conta IVA separada e bloqueada para efeitos do pagamento desse imposto predial.
66 A este respeito, há que referir que, embora o mecanismo de pagamento fracionado do IVA, previsto na legislação polaca em causa, apresente, enquanto tal, uma certa ligação com o regime do IVA previsto na Diretiva 2006/112, não deixa de ser verdade que as modalidades do pagamento de um imposto predial municipal através dos fundos acumulados numa conta IVA separada do sujeito passivo não são determinadas pelas disposições da Diretiva 2006/112, pelo que esse mecanismo não constitui uma «aplicação do direito da União», na aceção da jurisprudência referida no n.° 62 do presente acórdão.
67 Nestas condições, a segunda questão é inadmissível.
Quanto à terceira questão
68 Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o princípio do Estado de direito decorrente do artigo 2.° TUE, o princípio da segurança jurídica, o princípio da cooperação leal que decorre do artigo 4.°, n.° 3, TUE e o princípio da boa administração que decorre do artigo 41.°, n.° 1, da Carta devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que prevê que o montante de IVA depositado numa conta IVA separada, de que um fornecedor dispõe numa instituição bancária, só pode ser utilizado para fins limitados, a saber, em especial, o pagamento do IVA devido à Autoridade Fiscal ou o pagamento do IVA que figura nas faturas recebidas dos fornecedores de bens ou dos prestadores de serviços.
69 Segundo jurisprudência constante, o processo instituído no artigo 267.° TFUE é um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a solução dos litígios que são chamados a decidir (Acórdão de 1 de agosto de 2022, Vyriausioji tarnybinės etikos komisija, C-184/20, EU:C:2022:601, n.° 47).
70 Uma vez que o pedido de decisão prejudicial serve de fundamento a esse processo, o órgão jurisdicional nacional deve explicitar, nesse pedido, o quadro factual e regulamentar do litígio no processo principal e fornecer as explicações necessárias sobre as razões da escolha das disposições do direito da União cuja interpretação solicita e sobre o nexo que estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio que lhe é submetido (Acórdão de 8 de junho de 2023, Lyoness Europe, C-455/21, EU:C:2023:455, n.° 26).
71 A este respeito, importa sublinhar igualmente que as informações contidas nas decisões de reenvio devem permitir, por um lado, ao Tribunal de Justiça dar respostas úteis às questões submetidas pelo órgão jurisdicional nacional e, por outro, aos governos dos Estados-Membros, bem como aos demais interessados, exercer o direito que lhes é conferido pelo artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia de apresentarem observações. Incumbe ao Tribunal de Justiça providenciar no sentido de que esse direito seja salvaguardado, tendo em conta que, por força desta disposição, só as decisões de reenvio são notificadas aos interessados (v., neste sentido, Acórdão de 4 de maio de 2023, MV – 98, C-97/21, EU:C:2023:371, n.° 30).
72 Estes requisitos cumulativos relativos ao conteúdo de um pedido de decisão prejudicial figuram expressamente no artigo 94.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que o órgão jurisdicional nacional deve respeitar escrupulosamente (Acórdão de 8 de junho de 2023, Lyoness Europe, C-455/21, EU:C:2023:455, n.° 27). Além disso, estes requisitos são recordados nos n.os 13, 15 e 16 das Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2019, C 380, p. 1).
73 No caso em apreço, no que respeita à terceira questão, a decisão de reenvio não responde ao requisito imposto no artigo 94.°, alínea c), do Regulamento de Processo.
74 Com efeito, há que reconhecer que a decisão de reenvio não expõe suficientemente as razões pelas quais a interpretação do princípio do Estado de direito que decorre do artigo 2.° TUE, do princípio da segurança jurídica, do princípio da cooperação leal que decorre do artigo 4.°, n.° 3, TUE e do princípio da boa administração que decorre do artigo 41.°, n.° 1, da Carta é necessária no presente processo.
75 O facto de o órgão jurisdicional de reenvio invocar uma alegada incoerência entre, por um lado, as disposições nacionais que preveem o mecanismo de pagamento fracionado e, por outro, as disposições nacionais relativas à insolvência não é manifestamente suficiente para estabelecer um nexo entre as disposições e os princípios do direito da União referidos no número anterior e este mecanismo, que está em causa no processo principal.
76 Nestas circunstâncias, a terceira questão é inadmissível.
Quanto às despesas
77 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:
Os artigos 273.° e 395.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, e a Decisão de Execução (UE) 2019/310 do Conselho, de 18 de fevereiro de 2019, que autoriza a Polónia a aplicar uma medida especial em derrogação ao artigo 226.° da Diretiva 2006/112/CE relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado,
devem ser interpretados no sentido de que:
não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê que o montante do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) depositado numa conta IVA separada, de que um fornecedor dispõe numa instituição bancária, só pode ser utilizado para fins limitados, a saber, em especial, o pagamento do IVA devido à Autoridade Fiscal ou o pagamento do IVA que figura nas faturas recebidas dos fornecedores de bens ou dos prestadores de serviços.
Assinaturas
* Língua do processo: polaco.