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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

12 de setembro de 2024 (*)

« Reenvio prejudicial — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) — Diretiva 2006/112/CE — Artigo 187.° — Regularização das deduções — Período de regularização prolongado em relação aos bens de investimento imobiliário — Conceito de “bens de investimento” — Artigo 190.° — Faculdade de os Estados-Membros considerarem bens de investimento os serviços que tenham características idênticas às que são habitualmente atribuídas a esses bens — Obras de ampliação e de renovação de um imóvel — Possibilidade prevista no direito interno de equiparar essas obras à construção ou à aquisição de um bem imóvel — Limitações — Efeito direto deste artigo 190.° — Margem de apreciação »

No processo C-243/23 [Drebers] (i),

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo hof van beroep te Gent (Tribunal de Recurso de Gent, Bélgica), por Decisão de 28 de junho de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 18 de abril de 2023, no processo

Belgische Staat/Federale Overheidsdienst Financiën

contra

L BV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal (relatora), presidente de secção, F. Biltgen, N. Wahl, J. Passer e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado-geral: A. M. Collins,

secretário: A. Lamote, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 13 de março de 2024,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da L BV, por H. Casier e S. Gnedasj, advocaten,

–        em representação do Governo Belga, por S. Baeyens, P. Cottin e C. Pochet, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia, M. Björkland e C. Zois, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 6 de junho de 2024,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 187.° e 189.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p. 1; a seguir «Diretiva IVA»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Belgische Staat/Federale Overheidsdienst Financiën (Estado Belga/Serviço Público Federal de Finanças) (a seguir «Administração Fiscal») à L BV a respeito da duração do período de regularização aplicável às deduções do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) pago sobre obras efetuadas num imóvel utilizado pela L BV para a sua atividade económica.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Sexta Diretiva

3        O artigo 20.°, n.os 2 e 4, da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977, L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54), conforme alterada pela Diretiva 95/7/CE do Conselho, de 10 de abril de 1995 (JO 1995, L 102, p. 18), e pela Diretiva 2006/69/CE do Conselho, de 24 de julho de 2006 (JO 2006, L 221, p. 9) (a seguir «Sexta Diretiva»), que foi revogada e substituída pela Diretiva IVA, enunciava:

«2.      No que diz respeito aos bens de investimento, o ajustamento deve repartir-se por um período de cinco anos, incluindo o ano em que os bens tenham sido adquiridos ou produzidos. Anualmente, esse ajustamento é efetuado apenas sobre a quinta parte do imposto que incidiu sobre os bens em questão. Tal ajustamento é realizado em função das alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos ou produzidos.

[...]

No que se refere aos bens de investimento imobiliário, o período que serve de base ao cálculo dos ajustamentos pode ser aumentado até vinte anos.

[...]

4.      Para efeitos do disposto [no n.° 2], os Estados-Membros podem:

–        fixar a noção de bens de investimento;

[...]

Os Estados-Membros podem igualmente aplicar [o n.° 2] aos serviços que tenham características idênticas às que são habitualmente atribuídas aos bens de investimento.»

4        O artigo 1.°, n.° 4, da Diretiva 95/7 alterou o terceiro parágrafo do artigo 20.°, n.° 2, da Sexta Diretiva. O quinto considerando da Diretiva 95/7 tinha a seguinte redação:

«Considerando que é conveniente que o período que serve de base ao cálculo das regularizações previstas no n.° 2 do artigo 20.° da [Sexta Diretiva] possa ser aumentado para vinte anos pelos Estados-Membros, em relação aos bens de investimento imobiliário, ponderada a sua duração numa perspetiva económica.»

5        O artigo 1.°, n.° 6, da Diretiva 2006/69 aditou um segundo parágrafo ao artigo 20.°, n.° 4, da Sexta Diretiva. O considerando 5 da Diretiva 2006/69 especificava:

«Deverá salientar-se que certos serviços de natureza comparável à dos bens de investimento podem ser abrangidos pelo regime que permite a regularização das deduções aplicáveis aos bens de investimento durante toda a vida útil do ativo, em função da sua utilização efetiva.»

 Diretiva IVA

6        O artigo 2.°, n.° 1, da Diretiva IVA tem a seguinte redação:

«Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações:

a)      As entregas de bens efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[...]

c)      As prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

[...]»

7        O artigo 12.° desta diretiva enuncia:

«1.      Os Estados-Membros podem considerar sujeito passivo qualquer pessoa que realize, a título ocasional, uma operação relacionada com as atividades referidas no segundo parágrafo do n.° 1 do artigo 9.° e, designadamente, uma das seguintes operações:

a)      Entrega de um edifício ou de parte de um edifício e do terreno da sua implantação, efetuada antes da primeira ocupação;

[...]

2.      Para efeitos da alínea a) do n.° 1, entende-se por “edifício” qualquer construção incorporada no solo.

Os Estados-Membros podem estabelecer as regras de aplicação do critério referido na alínea a) do n.° 1 às transformações de imóveis e, bem assim, à noção de terreno da sua implantação.

[...]»

8        O artigo 14.°, n.° 1, da referida diretiva dispõe:

«Entende-se por “entrega de bens” a transferência do poder de dispor de um bem corpóreo como proprietário.»

9        Nos termos do artigo 24.°, n.° 1, da Diretiva IVA:

«Entende-se por “prestação de serviços” qualquer operação que não constitua uma entrega de bens.»

10      O artigo 135.°, n.° 1, desta diretiva dispõe:

«Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

[...]

j)      As entregas de edifícios ou de partes de edifícios e do terreno da sua implantação, que não sejam as referidas na alínea a) do n.° 1 do artigo 12.°;

[...]»

11      O artigo 168.° da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)      O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

[...]»

12      O artigo 184.° da Diretiva IVA enuncia:

«A dedução inicialmente efetuada é objeto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito.»

13      O artigo 185.°, n.° 1, desta diretiva dispõe:

«A regularização é efetuada nomeadamente quando se verificarem, após a declaração de IVA, alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções, por exemplo no caso de anulação de compras ou de obtenção de abatimentos nos preços.»

14      Nos termos do artigo 187.° da referida diretiva:

«1.      No que diz respeito aos bens de investimento, a regularização deve repartir-se por um período de cinco anos, incluindo o ano em que os bens tenham sido adquiridos ou produzidos.

[...]

No que diz respeito aos bens de investimento imobiliário, o período que serve de base ao cálculo das regularizações pode ser prolongado até vinte anos.

2.      Anualmente, a regularização é efetuada apenas sobre a quinta parte ou, caso o período de regularização tenha sido prolongado, sobre a fração correspondente do IVA que incidiu sobre os bens de investimento em questão.

A regularização referida no primeiro parágrafo é realizada em função das alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos, produzidos ou, se for caso disso, utilizados pela primeira vez.»

15      O artigo 189.° da mesma diretiva prevê:

«Para efeitos da aplicação dos artigos 187.° e 188.°, os Estados-Membros podem adotar as seguintes medidas:

a)      Definir a noção de bens de investimento;

[...]»

16      O artigo 190.° da Diretiva IVA enuncia:

«Para efeitos dos artigos 187.°, 188.°, 189.° e 191.°, os Estados-Membros podem considerar bens de investimento os serviços que tenham características idênticas às que são habitualmente atribuídas aos bens de investimento.»

 Direito belga

17      O artigo 1.°, § 9, 1°, da wet tot invoering van het Wetboek van de belasting over de toegevoegde waarde (Lei que aprova o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado), de 3 de julho de 1969 (Belgisch Staatsblad, de 17 de julho de 1969, p. 7046), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Código do IVA»), tem a seguinte redação:

«Para efeitos de aplicação do presente código, entende-se por:

1°      edifício ou parte de um edifício, qualquer construção incorporada no solo».

18      O artigo 48.°, n.° 2, do Código do IVA dispõe:

«No que diz respeito aos bens de investimento e aos serviços que apresentam características idênticas às que são habitualmente atribuídas aos bens de investimento, a dedução dos impostos que sobre eles incidiram está sujeita a regularização durante um período de cinco anos. A regularização efetua-se anualmente, até uma quinta parte do montante desses impostos, quando tiverem ocorrido variações nos elementos que foram tomados em consideração para o cálculo dos impostos dedutíveis.

Todavia, no que respeita ao imposto que incidiu sobre os bens de investimento imobiliário determinado[s] pelo Rei, o período de regularização é de quinze anos e a regularização efetua-se anualmente até uma décima quinta parte do montante desse imposto.»

19      O artigo 49.° deste código enuncia que o Rei fixa as condições de aplicação dos artigos 45.° a 48.° do referido código.

20      O artigo 9.° do Koninklijk besluit nr. 3 met betrekking tot de aftrekregeling voor de toepassing van de belasting over de toegevoegde waarde (Decreto Real n.° 3, relativo às Deduções para Efeitos de Aplicação do Imposto sobre o Valor Acrescentado), de 10 de dezembro de 1969 (Belgisch Staatsblad, de 12 de dezembro de 1969, p. 12006), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Decreto Real n.° 3»), prevê:

«§ 1er       Relativamente aos impostos que incidiram sobre os bens de investimento, a dedução inicialmente efetuada pelo sujeito passivo está sujeita a regularização durante um período de cinco anos que começa a correr em 1 de janeiro do ano em que se constituiu o direito à dedução.

Todavia, no que se refere aos impostos que tenham incidido sobre os bens de investimento imobiliário, esse período é aumentado para quinze anos.

Por impostos que incidiram sobre os bens de investimento imobiliário, entendem-se os impostos que incidiram sobre:

1°      as operações que tendam ou contribuam para a edificação dos bens referidos no artigo 1.°, § 9, 1.°, do [Código do IVA];

2°      a aquisição de bens referidos no artigo 1.°, § 9, [do Código do IVA];

3°      aquisição de um direito real na aceção do artigo 9.°, segundo parágrafo, 2°, do [Código do IVA] sobre bens a que se refere o artigo 1.°, § 9, [do Código do IVA].

[...]»

21      O artigo 21.°-A, n.° 1, primeiro parágrafo, ponto 2, do Decreto Real n.° 3 dispõe que um sujeito passivo que exerça uma atividade isenta sem direito à dedução e que se torne, quanto à mesma atividade, um sujeito passivo que realize operações que confiram direito à dedução pode exercer o seu direito à dedução mediante regularização, nomeadamente, em relação aos bens de investimento que subsistam no momento dessa alteração, desde que esses bens ainda sejam utilizáveis e que o período fixado no artigo 48.°, n.° 2, do Código do IVA não tenha expirado.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

22      A L BV é uma sociedade de advogados. Para o exercício dessa atividade económica, dispõe de um bem imóvel que é igualmente utilizado para habitação pelo seu gerente.

23      Durante os anos de 2007 a 2015, foram realizadas obras significativas nesse imóvel, no termo das quais este passou a ser composto por um edifício principal e por um edifício intermédio renovados, bem como por uma cave, um anexo envidraçado e uma caixa de elevador construídos de novo. Os diferentes espaços estão ligados entre si por corredores situados no rés-do-chão e no primeiro andar, permitindo, além disso, a caixa de elevador chegar a todos os andares dos edifícios principal e intermédio. Em meados de 2015, as obras foram completamente concluídas e o edifício voltou a ser utilizado.

24      Foi atribuído um único «valor venal» à totalidade do imóvel, sendo esse valor, antes do início das obras, de 2 456 euros e, após a execução destas, de 3 850 euros. O imóvel assim transformado destinava-se em 40 % a uso privado e em 60 % a utilização profissional.

25      Em 1 de janeiro de 2014, o Reino da Bélgica aboliu a isenção de IVA até então aplicável ao exercício da profissão de advogado, pelo que a L BV passou, desde essa data, a estar registada como sujeito passivo para efeitos de IVA. 

26      Em seguida, a L BV regularizou as deduções do IVA procedendo à dedução de uma parte do IVA que tinha pago sobre os custos das obras em causa e que não tinha podido deduzir quando a sua atividade estava isenta, na medida em que considerava que o período de regularização aplicável a essas obras ainda estava em curso.

27      A este título, a L BV baseou-se na premissa de que essas obras constituíam bens de investimento imobiliário sujeitos a um período de regularização prolongado de quinze anos, e não ao período normal de regularização de cinco anos aplicável aos bens de investimento não imobiliário.

28      Em 28 de agosto e em 1 de dezembro de 2015, a Administração Fiscal efetuou uma inspeção fiscal não anunciada à sede da L BV, que abrangeu o período compreendido entre 1 de janeiro de 2014 e 30 de setembro de 2015. Na sequência dessa inspeção, esta Administração, embora admitindo que a L BV tinha, em princípio, o direito de regularizar as deduções do IVA relativo às obras em imóveis em causa, concluiu que essas obras não tinham conduzido à construção de um edifício novo, mas unicamente ao melhoramento e à renovação do imóvel existente, pelo que devia ser aplicado o período de regularização de cinco anos.

29      Considerando, assim, que havia necessidade de corrigir a regularização das deduções relativas a essas obras, efetuada pela L BV, em 25 de outubro de 2017, a Administração Fiscal notificou a esta última um aviso de liquidação, nos termos do qual a mesma era devedora de um determinado montante de IVA relativo a essas deduções.

30      O rechtbank van eerste aanleg Oost-Vlaanderen, afdeling Gent (Tribunal de Primeira Instância da Flandres Oriental, Juízo de Gent, Bélgica), no qual a L BV interpôs um recurso, considerou, por Sentença de 10 de março de 2020, que o conjunto composto pelo anexo envidraçado e a caixa de elevador construídos por esta sociedade, bem como o edifício intermédio por esta renovado, deviam ser considerados partes de um edifício construídas de novo, correspondentes a bens de investimento imobiliário, embora, segundo esse tribunal, a L BV tivesse direito a deduzir o IVA relativo a essas obras até 60 %.

31      A Administração Fiscal interpôs recurso desta sentença para o hof van beroep te Gent (Tribunal de Recurso de Gent, Bélgica), o órgão jurisdicional de reenvio. Por seu turno, a L BV interpôs um recurso subordinado.

32      Este órgão jurisdicional considera, por um lado, que o recurso da Administração Fiscal é procedente, na medida em que a caixa de elevador e as duas construções nas traseiras do edifício principal não podem ser consideradas, individualmente, uma «parte de um edifício» na aceção do artigo 1.°, n.° 9, ponto 1, do Código do IVA. 

33      Salienta, no entanto, por outro lado, no que respeita ao recurso subordinado da L BV, que, no direito belga, quando são efetuadas obras num edifício existente, o período de regularização prolongado de quinze anos só é aplicado no que respeita ao IVA cobrado sobre essas obras se, após a sua realização, existir um «edifício novo» para efeitos de IVA. Assim, este período de quinze anos não é aplicável a obras em imóveis que não impliquem uma transformação que conduza, de facto, à construção de um edifício «novo» para efeitos de IVA, mesmo que, tendo em conta a sua natureza e a sua importância, essas obras confiram ao imóvel em que foram efetuadas uma vida útil económica idêntica à dos edifícios novos.

34      Ora, à semelhança da L BV, o órgão jurisdicional de reenvio duvida que este regime seja compatível com a Diretiva IVA, e nomeadamente com os seus artigos 187.° e 189.°

35      Com efeito, primeiro, o referido regime só enquadra, em substância, no conceito de «bens de investimento imobiliário» a construção de um edifício ou de parte de um edifício, ao passo que os artigos 187.° ou 189.° da Diretiva IVA não limitam, quanto a eles, de modo nenhum o conteúdo deste conceito dessa maneira. Estes artigos também não remetem, aliás, para o conceito de «entrega de um edifício ou de parte de um edifício [...] antes da primeira ocupação», que figura no artigo 12.°, n.° 1, alínea a), desta diretiva, uma vez que esta disposição só serve para explicar em que condições a transmissão de um imóvel pode estar sujeita a IVA. Por conseguinte, não se justifica transpor o conceito de «bens de investimento imobiliário» para o direito interno de modo tão estrito como o fez o legislador belga.

36      Segundo, quando os edifícios sofrem transformações significativas que lhes conferem uma vida útil económica idêntica à dos edifícios novos, como demonstra, no caso em apreço, o facto de as obras em causa serem amortizadas durante um período de 33 anos, são comparáveis a edifícios novos e deveriam beneficiar do mesmo tratamento que estes em matéria de IVA, em conformidade com o princípio da neutralidade fiscal enquanto expressão particular do princípio da igualdade de tratamento. Neste contexto, poderia entender-se que o conceito de «bens de investimento imobiliário» se deve aplicar a todos os bens cuja vida útil económica seja consideravelmente superior ao período normal de regularização de cinco anos.

37      Se assim for, o órgão jurisdicional de reenvio não exclui que a L BV possa invocar a Diretiva IVA para se opor a uma regulamentação nacional contrária a esta e aos princípios que lhe estão subjacentes.

38      Nestas condições, o hof van beroep te Gent (Tribunal de Recurso de Gent) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Os artigos 187.° e 189.° da [Diretiva IVA] opõem-se a uma [regulamentação] como a que está em causa no processo principal (a saber, o artigo 48.°, n.° 2, e o artigo 49.° do [Código do IVA], em conjugação com o artigo 9.° do [Decreto Real n.° 3]), segundo a qual, em caso de renovação de um edifício existente, o período [prolongado] de regularização (15 anos) só é aplicável se, após a realização das obras, houver, com base nos critérios de direito nacional, um “edifício novo” na aceção do artigo 12.° da referida diretiva, sendo certo que a vida útil económica de um edifício objeto de uma renovação [profunda] (que, com base nos critérios de direito nacional, não é qualificado de “edifício novo”, na aceção do referido artigo 12.°) é idêntica à vida útil económica de um edifício novo, [que é] consideravelmente [mais longa do que o] período de cinco anos referido no artigo 187.° da [Diretiva IVA], o que resulta nomeadamente do facto de [as obras] executad[a]s serem amortizados durante um período de 33 anos, [ou seja] o período de amortização dos edifícios novos?

2)      O artigo 187.° da [Diretiva IVA] tem efeito direto, de modo que um sujeito passivo que realizou obras num edifício sem que as referidas obras levassem a que o edifício renovado fosse qualificado, com base em critérios de direito nacional, de “edifício novo”, na aceção do artigo 12.° da referida diretiva, mas cuja vida útil económica é idêntica à de tais edifícios novos, relativamente aos quais vigora o período de regularização de 15 anos[,] pode invocar a aplicação desse período de regularização de 15 anos?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

39      A título preliminar, há que observar que a primeira questão diz respeito ao período de regularização, na aceção do artigo 187.°, n.° 1, da Diretiva IVA, que deve ser aplicado à dedução do IVA pago pela L BV sobre o fornecimento das obras em imóveis em causa, a saber, o período de cinco anos previsto nesta disposição em relação aos bens de investimento em geral, ou o período, mais longo e que se pode prolongar até vinte anos, que os Estados-Membros têm a possibilidade, nos termos da referida disposição, de aplicar no que respeita aos bens de investimento imobiliário, e que, na Bélgica, foi fixado, nos termos do artigo 48.°, n.° 2, do Código do IVA e do artigo 9.°, § 1, do Decreto Real n.° 3, em quinze anos.

40      Ora, resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe, bem como dos esclarecimentos prestados pelo Governo Belga na audiência, por um lado, que as obras em imóveis em causa no processo principal foram sujeitas a IVA enquanto prestações de serviços na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva IVA, lido em conjugação com o artigo 24.° da mesma, e não enquanto entregas de bens.

41      Por outro lado, para aplicar a essas obras o período de regularização de cinco anos previsto no artigo 187.°, n.° 1, primeiro parágrafo, desta diretiva, a Administração Fiscal recorreu à faculdade, que passou a ser conferida aos Estados-Membros pelo artigo 190.° da referida diretiva e que foi transposta para o direito belga pelo artigo 48.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Código do IVA, de equiparar a bens de investimento os serviços que apresentem características idênticas às habitualmente atribuídas a esses bens.

42      Assim, para dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil à primeira questão, deve igualmente ter-se em conta o artigo 190.° da mesma diretiva.

43      Nestas circunstâncias, há que considerar que, através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se os artigos 187.°, 189.° e 190.° da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional relativa à regularização das deduções do IVA, nos termos da qual o período de regularização prolongado fixado em aplicação deste artigo 187.° em relação aos bens de investimento imobiliário só é aplicável a obras em imóveis quando tenham uma importância tal que conduzam a uma transformação do imóvel, na aceção do artigo 12.°, n.° 2, desta diretiva, com exclusão das obras em imóveis, sujeitas ao IVA enquanto prestações de serviços na aceção da referida diretiva, que, sem conduzir a essa transformação, impliquem uma ampliação significativa e/ou uma renovação profunda do imóvel e cuja vida útil económica corresponda à de um edifício novo.

44      Para responder a esta questão, importa, em primeiro lugar, recordar que, segundo jurisprudência constante, o direito de os sujeitos passivos deduzirem do IVA de que são devedores o IVA devido ou pago em relação aos bens adquiridos e aos serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União (Acórdão de 25 de julho de 2018, Gmina Ryjewo, C-140/17, EU:C:2018:595, n.° 28 e jurisprudência referida).

45      O regime das deduções visa desonerar inteiramente o sujeito passivo do ónus do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, consequentemente, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, sejam quais forem os objetivos ou os resultados dessas atividades, desde que tais atividades estejam elas próprias, em princípio, sujeitas a IVA (Acórdão de 25 de julho de 2018, Gmina Ryjewo, C-140/17, EU:C:2018:595, n.° 29 e jurisprudência referida).

46      Do mesmo modo, o mecanismo de regularização previsto na Diretiva IVA, que faz parte integrante desse regime de deduções, visa aumentar a precisão das deduções de forma a assegurar a neutralidade fiscal, pelo que as operações realizadas na fase anterior apenas continuam a dar lugar ao direito à dedução na medida em que sirvam para fornecer prestações sujeitas a esse imposto (Acórdão de 9 de julho de 2020, Finanzamt Bad NeuenahrAhrweiler, C-374/19, EU:C:2020:546, n.° 20).

47      A este respeito, os artigos 184.° e 185.° da Diretiva IVA enunciam, de maneira geral, as condições em que a Administração Fiscal nacional deve exigir uma regularização do IVA inicialmente deduzido, ao passo que os artigos 187.° a 192.° desta diretiva preveem certas regras de regularização da dedução do IVA aplicáveis no caso específico dos bens de investimento (v., neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 2020, Stichting Schoonzicht, C-791/18, EU:C:2020:731, n.os 27 e 29 e jurisprudência referida).

48      É assim que o artigo 187.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA prevê, no que respeita a esses bens de investimento, que a regularização se deve repartir por um período de cinco anos, incluindo o ano em que os bens tenham sido adquiridos ou produzidos.

49      Esse período de regularização permite evitar inexatidões no cálculo das deduções e vantagens ou desvantagens injustificadas para o sujeito passivo quando, posteriormente à declaração, ocorrerem alterações dos elementos inicialmente tomados em consideração para a determinação do montante das deduções. Segundo jurisprudência constante, a probabilidade de ocorrerem tais alterações é particularmente elevada no caso de bens de investimento, frequentemente utilizados por períodos de vários anos, no decurso do quais a sua afetação pode variar, sendo os custos da sua aquisição amortizados em consequência no decurso de vários exercícios (v., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2016, Mateusiak, C-229/15, EU:C:2016:454, n.° 30 e jurisprudência referida).

50      Neste contexto, as disposições do artigo 187.° da Diretiva IVA visam, nomeadamente, situações de regularização das deduções em que um bem de investimento cuja utilização não dá direito a dedução é posteriormente afetado a uma utilização que confere esse direito (Acórdão de 25 de julho de 2018, Gmina Ryjewo, C-140/17, EU:C:2018:595, n.° 31).

51      No que respeita, mais especificamente, aos bens de investimento imobiliário, o artigo 187.°, n.° 1, terceiro parágrafo, da Diretiva IVA autoriza os Estados-Membros a prolongar até vinte anos o período que serve de base ao cálculo das regularizações.

52      Esta disposição corresponde, em substância, à do artigo 20.°, n.° 2, terceiro parágrafo, da Sexta Diretiva, que foi substituída pela Diretiva IVA. Como resulta do quinto considerando da Diretiva 95/7, através da qual esta disposição tinha sido alterada para aumentar o período máximo de regularização em relação aos bens de investimento imobiliário, anteriormente de dez anos, para vinte anos, esse período prolongado foi adotado «ponderada a [...] duração numa perspetiva económica» desses bens.

53      Daqui resulta que a possibilidade de os Estados-Membros fixarem, em relação aos bens de investimento imobiliário, um período de regularização prolongado se inscreve na mesma lógica que a que subjaz às regras de regularização aplicáveis aos bens de investimento em geral, a saber a que visa aumentar a precisão das deduções, adaptando essas regras às características próprias desses bens de investimento imobiliário, que se prendem, nomeadamente, com a sua vida útil económica, que é ainda mais longa do que a dos outros bens de investimento.

54      Em segundo lugar, no que respeita à questão de saber se obras em imóveis, como as que estão em causa no processo principal, são suscetíveis de se enquadrar no conceito de «bens de investimento imobiliário», na aceção do artigo 187.°, n.° 1, terceiro parágrafo, da Diretiva IVA, e de justificar, em consequência, a aplicação do período de regularização prolongado eventualmente fixado no direito interno para esses bens, há que recordar, como foi precisado no n.° 40 do presente acórdão, que as obras em imóveis em causa no processo principal foram sujeitas ao IVA enquanto prestações de serviços, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), desta diretiva, e não enquanto entrega de bens, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da referida diretiva.

55      Por conseguinte, embora não se exclua que, em princípio, a execução dessas obras possa ser analisada, se for caso disso, como constituindo uma entrega de bens, na aceção do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), da Diretiva IVA, tal assim não acontece nas circunstâncias do litígio no processo principal.

56      Daqui resulta que essas obras não podem, enquanto tais, ser enquadradas no conceito de «bens de investimento imobiliário», constante do artigo 187.°, n.° 1, da Diretiva IVA, uma vez que constituem serviços e não bens, e isto independentemente da forma como os bens de investimento tiverem, neste caso, sido definidos no direito interno em conformidade com o artigo 189.°, alínea a), desta diretiva.

57      Nestas circunstâncias, as regras de regularização previstas no artigo 187.°, n.° 1, da Diretiva IVA, relativas aos bens de investimento, não são, em si mesmas, aplicáveis à regularização da dedução do IVA pago sobre a execução das referidas obras.

58      Esta apreciação não é posta em causa pelo facto, evocado na audiência pela Comissão Europeia, de as obras em imóveis em causa no processo principal terem alterado fisicamente um bem imóvel, a saber, o antigo edifício tal como era antes do início das obras, ou nele terem integrado outros elementos corpóreos suscetíveis de serem analisados, após essa integração, como fazendo parte integrante de um bem imóvel.

59      Não obstante, importa salientar, em terceiro lugar, que, em conformidade com o artigo 190.° da Diretiva IVA, os Estados-Membros podem, para efeitos, nomeadamente, do artigo 187.° desta diretiva, considerar bens de investimento os serviços que tenham características idênticas às que são habitualmente atribuídas aos bens de investimento.

60      Como foi indicado no n.° 41 do presente acórdão, foi precisamente com recurso a essa faculdade, conforme aplicada no direito belga, que a Administração Fiscal equiparou, no caso em apreço, as obras em imóveis em causa a bens de investimento, na aceção do artigo 187.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Diretiva IVA.

61      Nestas circunstâncias, há, primeiro, que determinar se o artigo 190.° da Diretiva IVA permite aos Estados-Membros equiparar determinados serviços não só a bens de investimento mas também a bens de investimento imobiliário.

62      A este respeito, a redação do artigo 190.° da Diretiva IVA, que se refere de forma geral e não limitativa ao conceito de «bens de investimento», sem, por conseguinte, excluir os bens de investimento imobiliário, permite, a priori, considerar que é esse o caso.

63      Com efeito, na hipótese de o Estado-Membro em causa ter decidido, em aplicação do artigo 187.°, n.° 1, terceiro parágrafo, desta diretiva, reservar um tratamento específico, dentro da categoria geral dos bens de investimento, à categoria dos bens de investimento imobiliário, para lhes aplicar um período de regularização prolongado, estes últimos bens, embora sejam tratados, por esse facto, de uma forma diferente dos bens de investimento que não sejam bens de investimento imobiliário, continuam, no entanto, a estar enquadrados na categoria geral dos bens de investimento.

64      A interpretação que consta do n.° 62 do presente acórdão é corroborada pela finalidade prosseguida pelo artigo 190.° da Diretiva IVA, conforme resulta do considerando 5 da Diretiva 2006/69, do qual decorre o artigo 20.°, n.° 4, terceiro parágrafo, da Sexta Diretiva, cujo conteúdo figura, atualmente, em substância, nesse artigo 190.°

65      De acordo com esse considerando 5, a concessão da faculdade de equiparação prevista nessas duas disposições visa permitir que «certos serviços de natureza comparável à dos bens de investimento [possam] ser abrangidos pelo regime que permite a regularização das deduções aplicáveis aos bens de investimento durante toda a vida útil do ativo, em função da sua utilização efetiva».

66      Daqui resulta que a finalidade dessa faculdade consiste em habilitar os Estados-Membros a tratar, para efeitos do mecanismo de regularização das deduções, certos serviços da mesma maneira que bens de investimento, na medida em que esses serviços, tendo em conta, nomeadamente, a vida útil económica dos seus efeitos e a possibilidade concomitante de uma alteração da utilização efetiva dos bens a que se reportam esses serviços, sejam idênticos a estes.

67      Ora, dado que, no âmbito da categoria geral dos bens de investimento mencionada no n.° 63 do presente acórdão, os bens de investimento imobiliário se caracterizam pela sua vida útil económica ainda mais longa, como foi salientado no n.° 53 do presente acórdão, seria incoerente, à luz desta finalidade, que, no exercício da faculdade de equiparação prevista no artigo 190.° da Diretiva IVA, os Estados-Membros não pudessem diferenciar, por sua vez, os serviços em causa em função da vida útil económica dos seus efeitos e equipará-los, se for caso disso, a bens de investimento imobiliário, se o Estado-Membro em causa tiver adotado um período de regularização das deduções mais prolongado para esta última categoria de bens nos termos do artigo 187.°, n.° 1, terceiro parágrafo, da Diretiva IVA.

68      Em contrapartida, uma interpretação do artigo 190.° da Diretiva IVA no sentido de que este artigo habilita os Estados-Membros a equiparar, para efeitos do mecanismo de regularização das deduções, certos serviços, consoante o caso, a bens de investimento ou a bens de investimento imobiliário, permite aumentar a precisão das deduções do IVA pago sobre esses serviços em função da vida útil económica dos seus efeitos, à semelhança das regras previstas, para este efeito, em relação aos bens de investimento, evocadas nos n.os 46, 49 e 53 do presente acórdão.

69      Segundo, embora seja certo que os Estados-Membros são livres de exercer ou não a faculdade, assim delimitada, que lhes confere o artigo 190.° da Diretiva IVA e embora gozem, por outro lado, de um poder de apreciação quando decidem fazê-lo, no que respeita à semelhança das características dos serviços e dos bens em causa, não é menos certo que, no exercício desse poder de apreciação, devem respeitar o direito da União e, nomeadamente, a finalidade deste artigo bem como, em especial, o princípio da neutralidade fiscal (v., por analogia, Acórdão de 17 de setembro de 2020, Stichting Schoonzicht, C-791/18, EU:C:2020:731, n.° 49).

70      Neste contexto, tendo em conta a finalidade do artigo 190.° da Diretiva IVA, conforme exposta no n.° 66 do presente acórdão, os Estados-Membros não podem abstrair, na aplicação desta disposição, da vida útil económica dos efeitos dos serviços a ser equiparados a bens de investimento, uma vez que, pelas razões evocadas no n.° 67 do presente acórdão, a semelhança das características dos serviços e dos bens em causa para efeitos do mecanismo de regularização das deduções depende, nomeadamente, dessa vida útil económica. De facto, o serviço em questão pode, do ponto de vista da vida útil económica dos seus efeitos, revelar-se mais próximo de um bem de investimento imobiliário do que de um bem de investimento não imobiliário.

71      No que respeita ao princípio da neutralidade fiscal, que constitui a tradução, pelo legislador da União, em matéria de IVA, do princípio geral da igualdade de tratamento, o Tribunal de Justiça declarou que este princípio se opõe, por um lado, a que prestações de serviços semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA, bem como, por outro, a que operadores económicos que efetuam as mesmas operações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA (Acórdãos de 29 de outubro de 2009, SKF, C-29/08, EU:C:2009:665, n.° 67 e jurisprudência referida, e de 30 de junho de 2022, Direcţia Generală Regională a Finanţelor Publice Bucureşti – Administraţia Sector 1 a Finanţelor Publice, C-146/21, EU:C:2022:512, n.° 45 e jurisprudência referida).

72      Assim, ao aplicar o artigo 190.° da Diretiva IVA, os Estados-Membros devem certificar-se de que não tratam de forma diferente, para efeitos de IVA, um sujeito passivo que beneficiou de certos serviços relativamente a outro sujeito passivo que, envolvido na mesma atividade económica, adquiriu bens cujas características económicas são essencialmente equivalentes às desses serviços.

73      No caso em apreço, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se a regulamentação nacional em causa no processo principal respeita as condições enunciadas nos n.os 69 a 72 do presente acórdão.

74      Não obstante, para dar ao órgão jurisdicional de reenvio uma resposta útil, há que salientar, como sublinhou também o próprio órgão jurisdicional de reenvio, que parece evidente que as obras em imóveis em causa no processo principal, que se estenderam por vários anos, conduziram, quando apreciadas no seu conjunto, a uma renovação significativa do imóvel em causa, tendo-o igualmente ampliado, acrescentando-lhe, nomeadamente, um anexo envidraçado e uma caixa de elevador. A importância destas obras é, além disso, demonstrada pelos dados quantificados fornecidos pela L BV, que indicam que as mesmas tiveram um custo total de cerca de 1 937 104 euros.

75      Além disso, afigura-se assente que os efeitos das referidas obras em imóveis têm, tendo em conta nomeadamente a sua importância, uma vida útil económica idêntica à de um edifício novo.

76      Tendo em conta estes elementos, as mesmas obras parecem, para efeitos do mecanismo de regularização das deduções, assemelhar-se claramente mais a bens de investimento imobiliário do que a bens de investimento não imobiliário.

77      Atendendo a essa semelhança, o facto de equiparar essas obras a bens de investimento não imobiliário e de lhes aplicar, assim, o período de regularização de cinco anos, reservado a esta categoria de bens, é suscetível de conduzir a um tratamento fiscal diferente entre um sujeito passivo que, como a L BV, tenha investido em obras de ampliação e de renovação em profundidade de um edifício existente e tenha pago o IVA devido em relação a essas obras, às quais se aplicaria o período de regularização de cinco anos, e um sujeito passivo comparável que tenha investido na construção de um edifício novo, ao qual seria aplicável um período de regularização prolongado, ainda que, tendo em conta as suas características económicas, esses investimentos sejam semelhantes, ou mesmo funcionalmente idênticos.

78      Em contrapartida, não é pertinente, neste contexto, o facto de as obras em imóveis em causa não constituírem uma transformação de um imóvel na aceção do artigo 12.°, n.° 2, da Diretiva IVA, lido em conjugação com o artigo 135.°, n.° 1, alínea j), desta diretiva, distinguindo-se o objeto destas disposições daquele do artigo 190.° da referida diretiva.

79      Com efeito, o objeto das primeiras disposições consiste em identificar, tendo em conta o seu valor acrescentado, as operações imobiliárias suscetíveis de serem tributadas enquanto entrega de um bem novo (imóvel), que estão, portanto, sujeitas a IVA a este título (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de novembro de 2017, Kozuba Premium Selection, C-308/16, EU:C:2017:869, n.os 32 e 55, e de 9 de março de 2023, Estado belga e Promo 54, C-239/22, EU:C:2023:181, n.° 23), ao passo que o objeto do artigo 190.° da referida diretiva, que se inscreve no mecanismo de regularização aplicável aos bens de investimento, consiste em definir as regras segundo as quais as deduções do IVA pago sobre serviços idênticos a esses bens devem ser regularizadas.

80      Nestas circunstâncias, uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal é suscetível de ser contrária ao artigo 190.° da Diretiva IVA, lido em conjugação com o artigo 187.° desta diretiva e à luz do princípio da neutralidade fiscal.

81      Tendo em conta tudo o que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 190.° da Diretiva IVA, lido em conjugação com o artigo 187.° desta diretiva e à luz do princípio da neutralidade fiscal, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional relativa à regularização das deduções do IVA nos termos da qual o período de regularização prolongado fixado em aplicação deste artigo 187.° em relação aos bens de investimento imobiliário não é aplicável a obras em imóveis, sujeitas ao IVA enquanto prestações de serviços na aceção da referida diretiva, que impliquem uma ampliação significativa e/ou uma renovação profunda do imóvel a que se reportam essas obras e cujos efeitos tenham uma vida útil económica que corresponda à de um edifício novo.

 Quanto à segunda questão

82      Através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 190.° da Diretiva IVA, lido em conjugação com o artigo 187.° desta diretiva e à luz do princípio da neutralidade fiscal, deve ser interpretado no sentido de que produz efeito direto pelo que um sujeito passivo possa invocá-lo perante o juiz nacional contra a autoridade fiscal competente a fim de ver aplicado às obras em imóveis efetuadas em seu benefício, sujeitas ao IVA enquanto prestações de serviços na aceção da referida diretiva, o período de regularização prolongado fixado em relação aos bens de investimento imobiliário, no caso de essa autoridade se ter recusado a aplicar esse período com base numa regulamentação nacional como a mencionada na primeira questão.

83      Importa recordar, em primeiro lugar, que caso o órgão jurisdicional de reenvio considere que a recusa da Administração Fiscal em aplicar às obras em imóveis em causa no processo principal o período de regularização prolongado é contrária ao artigo 190.° da Diretiva IVA, lido em conjugação com o artigo 187.° desta diretiva e à luz do princípio da neutralidade fiscal, a questão do efeito direto do primeiro destes artigos só se colocará se nenhuma interpretação conforme da regulamentação em que essa recusa assenta se afigurar possível, como sublinharam, com razão, a L BV e a Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 24 de janeiro de 2012, Dominguez, C-282/10, EU:C:2012:33, n.os 23 e 32 e jurisprudência aí referida).

84      A este respeito, ao aplicarem o direito nacional, os órgãos jurisdicionais nacionais chamados a interpretá-lo são obrigados a tomar em consideração o conjunto das regras desse direito e a aplicar os métodos de interpretação por este reconhecidos, de modo a interpretá-lo, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva em causa a fim de alcançar o resultado por ela prosseguido e, assim, dar cumprimento ao artigo 288.°, terceiro parágrafo, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith, C-122/17, EU:C:2018:631, n.° 39 e jurisprudência referida).

85      No entanto, o Tribunal de Justiça declarou que o princípio da interpretação conforme do direito nacional conhece alguns limites. Assim, a obrigação de o juiz nacional se basear no direito da União quando procede à interpretação e à aplicação das regras pertinentes do direito interno não pode servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional (v., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Smith, C-122/17, EU:C:2018:631, n.° 40 e jurisprudência referida).

86      Assim, em segundo lugar, no caso de o órgão jurisdicional de reenvio considerar que não pode proceder a uma interpretação conforme da regulamentação nacional em causa, há que examinar se o artigo 190.° da Diretiva IVA, lido em conjugação com o artigo 187.° desta diretiva e à luz do princípio da neutralidade fiscal, é suscetível de produzir efeito direto de tal modo que a L BV possa invocar esta disposição contra a Administração Fiscal tendo em vista a possibilidade de aplicar às obras em imóveis em causa no processo principal o período de regularização prolongado que, na Bélgica, foi fixado, nos termos do artigo 48.°, n.° 2, do Código do IVA e do artigo 9.°, § 1, do Decreto Real n.° 3, em quinze anos.

87      Resulta de jurisprudência constante que, sempre que as disposições de uma diretiva sejam, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, os particulares podem invocá-las nos órgãos jurisdicionais nacionais contra o Estado, quando este não tenha transposto a diretiva para o direito nacional dentro do prazo ou quando a transposição tenha sido incorreta (Acórdão de 14 de maio de 2024, Stachev, C-15/24 PPU, EU:C:2024:33, n.° 51 e jurisprudência referida).

88      Tais disposições podem, assim, ser invocadas pelos particulares, designadamente contra todos os órgãos da Administração desse Estado (v., neste sentido, Acórdão de 10 de outubro de 2017, Farrell, C-413/15, EU:C:2017:745, n.° 33 e jurisprudência referida).

89      No que respeita, neste contexto, ao caráter incondicional do artigo 190.° da Diretiva IVA, é certo que esta disposição se limita a conferir uma faculdade aos Estados-Membros, que são livres de aplicar ou não, e que a aplicação dessa faculdade, na medida em que diz respeito à possibilidade de equiparar serviços a bens de investimento imobiliário, está, por outro lado, subordinada à aplicação prévia pelo Estado-Membro em causa da faculdade, prevista no artigo 187.°, n.° 1, terceiro parágrafo, desta diretiva, de distinguir esses bens dos demais bens de investimento.

90      No entanto, a livre escolha concedida aos Estados-Membros quanto à decisão de aplicar ou não uma faculdade como a prevista no artigo 190.° da Diretiva IVA não impede o juiz nacional de fiscalizar a questão de saber se um Estado-Membro que tomou a decisão de proceder a essa aplicação respeitou as condições que regulam a referida aplicação e, nomeadamente, se este se manteve dentro dos limites do seu poder de apreciação (v., neste sentido, Acórdão de 1 de fevereiro de 1977, Verbond van Nederlandse Ondernemingen, 51/76, EU:C:1977:12, n.os 27 e 29).

91      Por outro lado, quando um Estado-Membro tiver, como no caso em apreço, decidido exercer a faculdade prevista no artigo 187.°, n.° 1, terceiro parágrafo, da Diretiva IVA, e tiver assim esgotado plenamente a margem de apreciação de que dispunha a esse respeito, já não existe obstáculo à fiscalização jurisdicional referida no número anterior.

92      Por conseguinte, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, importa verificar se, tendo em conta os elementos de análise expostos nos n.os 70 a 72 do presente acórdão, o Estado-Membro em causa que exerceu igualmente a faculdade prevista no artigo 190.° da Diretiva IVA, respeitou, ao fazê-lo, a sua obrigação de permanecer dentro dos limites da margem de apreciação de que goza a esse respeito, nos termos em que essa margem decorre do conteúdo desta disposição, lida em conjugação com o artigo 187.°, n.° 1, desta diretiva e à luz do princípio da neutralidade fiscal.

93      Do mesmo modo, no que respeita ao caráter suficientemente preciso do artigo 190.° da Diretiva IVA, lido em conjugação com o seu artigo 187.°, n.° 1, e à luz do princípio da neutralidade fiscal, a circunstância, recordada no número anterior e igualmente salientada no n.° 69 do presente acórdão, de os Estados-Membros gozarem, quando aplicam estas disposições, de uma margem de apreciação, também não obsta a que possa ser efetuada uma fiscalização jurisdicional a fim de controlar se o Estado-Membro em causa não ultrapassou essa margem de apreciação (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de outubro de 1996, Kraaijeveld e o., C-72/95, EU:C:1996:404, n.° 59, e de 28 de novembro de 2013, MDDP, C-319/12, EU:C:2013:778, n.° 51).

94      O artigo 190.° da Diretiva IVA, lido em conjugação com o artigo 187.° desta diretiva e à luz do princípio da neutralidade fiscal, é suficientemente preciso para permitir essa fiscalização jurisdicional, como resulta, aliás, igualmente da resposta dada à primeira questão.

95      Nestas condições, o artigo 190.° da Diretiva IVA é suscetível de produzir efeito direto, de tal modo que, lido em conjugação com o artigo 187.° desta diretiva e à luz do princípio da neutralidade fiscal, pode ser diretamente invocado por um sujeito passivo no caso referido no n.° 88 do presente acórdão.

96      Assim, quando o órgão jurisdicional de reenvio, baseando-se nesse efeito direto, constate que o Estado-Membro excedeu o seu poder de apreciação ao não considerar determinadas obras em imóveis, sujeitas ao IVA enquanto prestações de serviços, como bens de investimento imobiliário, o sujeito passivo pode invocar diretamente o artigo 190.° da Diretiva IVA, lido em conjugação com o artigo 187.° desta diretiva e à luz do princípio da neutralidade fiscal, perante esse juiz para que essas obras sejam consideradas bens desse tipo e lhes seja aplicado o período de regularização prolongado fixado no direito interno, nos termos do artigo 187.°, n.° 1, terceiro parágrafo, da referida diretiva (v., por analogia, Acórdãos de 28 de novembro de 2013, MDDP, C-319/12, EU:C:2013:778, n.° 52, e de 15 de abril de 2021, Administration de l’Enregistrement, des Domaines et de la TVA, C-846/19, EU:C:2021:277, n.° 81).

97      Tendo em conta o que precede, há que responder à segunda questão que o artigo 190.° da Diretiva IVA, lido em conjugação com o artigo 187.° desta diretiva e à luz do princípio da neutralidade fiscal, deve ser interpretado no sentido de que produz efeito direto pelo que um sujeito passivo pode invocá-lo perante o juiz nacional contra a autoridade fiscal competente a fim de ver aplicado às obras em imóveis efetuadas em seu benefício, sujeitas ao IVA enquanto prestações de serviços na aceção da referida diretiva, o período de regularização prolongado fixado em relação aos bens de investimento imobiliário, no caso de essa autoridade se ter recusado a aplicar esse período de regularização prolongado com base numa regulamentação nacional como a mencionada na primeira questão.

 Quanto às despesas

98      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      O artigo 190.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, lido em conjugação com o artigo 187.° desta diretiva e à luz do princípio da neutralidade fiscal,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma regulamentação nacional relativa à regularização das deduções do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) nos termos da qual o período de regularização prolongado fixado em aplicação deste artigo 187.° em relação aos bens de investimento imobiliário não é aplicável a obras em imóveis, sujeitas ao IVA enquanto prestações de serviços na aceção da referida diretiva, que impliquem uma ampliação significativa e/ou uma renovação profunda do imóvel a que se reportam essas obras e cujos efeitos tenham uma vida útil económica que corresponda à de um edifício novo.

2)      O artigo 190.° da Diretiva 2006/112, lido em conjugação com o artigo 187.° desta diretiva e à luz do princípio da neutralidade fiscal,

deve ser interpretado no sentido de que:

produz efeito direto pelo que um sujeito passivo pode invocá-lo perante o juiz nacional contra a autoridade fiscal competente a fim de ver aplicado às obras em imóveis efetuadas em seu benefício, sujeitas ao IVA enquanto prestações de serviços na aceção da referida diretiva, o período de regularização prolongado fixado em relação aos bens de investimento imobiliário, no caso de essa autoridade se ter recusado a aplicar esse período de regularização prolongado com base numa regulamentação nacional como a mencionada na primeira questão.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.


i      O nome do presente processo é um nome fictício. Não corresponde ao nome verdadeiro de nenhuma das partes no processo.